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O avanço do comércio eletrônico no Brasil nos últimos anos tem sido impulsionado por diversos fatores, tais como, maior conectividade da população à internet, mudanças no comportamento dos consumidores, além, é claro, da pandemia da COVID-19, que acelerou o processo e digitalização do setor varejista, especialmente pela crescente utilização das plataformas digitais (marketplaces). Em 2023, o setor registrou um crescimento expressivo de 18% em comparação ao ano anterior, alcançando um faturamento de R$ 185,7 bilhões, e a previsão é que a tendência de crescimento continue nos próximos quatro anos, com uma expectativa de receita superior a R$ 204,27 bilhões no ano de 2024[1].
Diante da relevância das plataformas digitais no varejo, diversos Estados brasileiros editaram normas para tratar da responsabilidade tributária destes agentes pelo ICMS incidente nas operações intermediadas em suas redes. Em resumo, as legislações estaduais até hoje editadas preveem diferentes tipos de responsabilidade: (1) a responsabilidade solidária ilimitada das plataformas, independentemente de sua conduta perante a Fiscalização Tributária; (2) responsabilidade solidária nas situações em que o vendedor não emitir documento fiscal; e (3) responsabilidade solidária, em razão da ausência de compartilhamento de informações solicitadas pela Fiscalização Tributária.
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No Estado de São Paulo, não foi diferente. Com a edição da Lei Estadual n° 13.918, de 22/12/2009, foram incluídos os incisos XIII e XIV ao artigo 9º, da Lei Estadual n.º 6.374/89 – reproduzidos nos incisos XIV e XV, do artigo 11, do RICMS/SP -, para atribuir a responsabilidade solidária das plataformas intermediadoras de vendas eletrônicas pelo ICMS relativo às operações que tenham deixado de prestar informações solicitadas pelo Fisco:
“Artigo 9° – São responsáveis pelo pagamento do imposto devido:
XIII – solidariamente, as pessoas prestadoras de serviços de intermediação comercial em ambiente virtual, com utilização de tecnologias de informação, inclusive por meio de leilões eletrônicos, em relação às operações ou prestações sobre as quais tenham deixado de prestar informações solicitadas pelo fisco;
XIV – solidariamente, as pessoas prestadoras de serviços de tecnologia de informação, tendo por objeto o gerenciamento e controle de operações comerciais realizadas em ambiente virtual, inclusive dos respectivos meios de pagamento, em relação às operações ou prestações sobre as quais tenham deixado de prestar informações solicitadas pelo fisco;”
Com o objetivo de extrair as informações que devem ser fornecidas pelos prestadores de serviços relacionados ao comércio eletrônico, o Estado de São Paulo instituiu o Sistema de Informações de Comércio Eletrônico, o SISCOM, por meio do qual todo prestador de serviço de intermediação comercial ou financeira em ambiente virtual é obrigado a enviar arquivos trimestrais com informações específicas.
O SISCOM, atualmente, é regulamentado pela Portaria CAT n.º 156/2010, norma que veicula as inúmeras informações que devem ser fornecidas pelos intermediadores, tais como, informações cadastrais dos clientes, pagamento de comissão, descrição do produto ou operação, quantidade, valor unitário e total da operação, descontos, tipo de pagamento utilizado pelo comprador, dados do comprador, informações sobre hospedagem de website, dados das operações de provimento de soluções para abertura e/ou gerenciamento de lojas virtuais, descrição dos serviços contratados, sem prejuízo de a Fiscalização Tributária solicitar outras informações não previstas no Anexo da CAT n.º 156/2010.
Havendo a entrega de todas as informações previstas de forma genérica e abrangente na legislação tributária, a Portaria CAT 156/2010 prevê o afastamento da responsabilidade tributária prevista nos incisos XIII e XIV ao artigo 9º, da Lei Estadual n.º 6.374/89.
Dado que as autuações envolvendo a responsabilidade tributária dos prestadores de serviços no comércio eletrônico são relativamente recentes, não foram encontrados, na Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas, julgados que discutissem os contornos dos incisos XIII e XIV do artigo 9º da Lei Estadual n.º 6.374/89. Já nas Câmaras baixas e nas Delegacias de Julgamento de primeiro grau foram identificadas algumas decisões que analisaram hipóteses de responsabilidade tributária dos marketplaces.
É o caso, por exemplo, do acórdão proferido no AIIM n.º 5.012.011-6, pela Segunda Câmara Julgadora do TIT/SP, nos termos do voto do juiz relator José Orivaldo Peres Jr.. No caso, a Fiscalização Tributária atribuiu ao marketplace a responsabilidade solidária pelo recolhimento do ICMS incidente sobre operações ocorridas na plataforma digital, com fundamento no artigo 11, inciso XI, do RICMS/SP, que trata da hipótese de responsabilidade das pessoas que tiverem interesse comum na situação que tiver dado origem à obrigação principal.
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Embora conste na descrição da infração, reproduzida no relatório do acórdão, que a responsabilidade tributária estava pautada no artigo 11, inciso XI, do RICMS/SP, fato é que a discussão jurídica do julgado também englobou os contornos dos incisos XIV e XV, do artigo 11, que tratam, especificamente, dos marketplaces e, além disso, consta que a infração tributária foi apurada pelo confronto entre os documentos fornecidos pelo contribuinte principal e as informações constantes no SISCOM, que são fornecidas pela plataforma digital, ou seja, o caso tratou especificamente de todos os elementos contidos na legislação paulista que regulamenta a responsabilidade das plataformas digitais.
No caso analisado, foi imputada a existência de dolo e fraude por parte do devedor solidário, diante da ausência de prestação de informações de forma consciente e deliberada, o que seria suficiente para aplicar a hipótese do artigo 11, incisos XIV e XV, do RICMS.
Em relação às informações solicitadas ao responsável solidário, consta no acórdão que, independentemente dos tipos de serviços que foram disponibilizados pelo marketplace ao vendedor, os dados que foram solicitados pela Fiscalização estão em controles internos da plataforma e que os repasses financeiros aos usuários dos serviços dos marketplaces permitiriam o fornecimento dos dados das contas bancárias de destino.
Além disso, para justificar a aplicação do artigo 124, do CTN, que trata das hipóteses de responsabilidade solidária na legislação federal, a Câmara Julgadora sustentou que a solidariedade fica caracterizada quando os sujeitos estejam no mesmo polo da relação jurídica tributária, ou, em uma relação jurídica mercantil, quando houver a prática de fraude pelo vendedor, comprador ou terceiro.
Como consequência deste argumento, foi consignado no acórdão que houve interesse comum suficiente para justificar a aplicação do inciso I, do artigo 124, do CTN e, também por esta razão, que os incisos XIV e XV, do artigo 11, do RICMS, são compatíveis com os artigos 121 e 124, do CTN.
Sem adentrar nos detalhes fáticos do caso concreto, é de se ressaltar que existem alguns pontos da discussão jurídica que precisam ser melhor delimitados pelo Tribunal de Impostos e Taxas, especialmente pela Câmara Superior, de modo que a atribuição da responsabilidade tributária das plataformas digitais obedeça aos contornos da legislação Paulista, bem como aos limites impostos pelo Código Tributário Nacional sobre a matéria.
O primeiro aspecto que merece destaque diz respeito às informações que podem ser exigidas das plataformas, já que este é o ponto crucial, previsto nos incisos XIV e XV, do artigo 11, do RICMS, para determinar a possibilidade de ser atribuída a responsabilidade tributária das operações a este agente. Como visto, a Portaria CAT 156/2010 prevê taxativamente as informações que devem ser transmitidas via SISCOM, mas deixa expresso que “na hipótese de procedimento fiscal, a Secretaria da Fazenda poderá, mediante notificação escrita, solicitar outras informações”.
Em que pese a discricionariedade que foi conferida pela Portaria CAT 156/2010, o julgador, ao se deparar com autuação com atribuição de solidariedade da plataforma digital por omissão de informações, deve levar em conta as informações que foram exigidas pela Fiscalização Tributária e que foram eventualmente omitidas pela plataforma. Isso porque, existem informações que estão protegidas pelo sigilo fiscal e que demandam procedimento fiscalizatório próprio e, além disso, que não podem contribuir com a Fiscalização para a constituição do crédito tributário.
Não bastasse a análise finalística das informações, deve-se observar os estudos internacionais que já foram feitos sobre a matéria, como é o caso, por exemplo, do manual elaborado pela OCDE, denominado “VAT digital toolkit for Latin America and the Caribbean”, com orientações para países da América Latina sobre a tributação digital em operações internacionais. Neste estudo, a OCDE faz referência às seguintes informações que podem ser solicitadas aos marketplaces pelas Fiscalizações Tributárias: a identificação do fornecedor, natureza da transação, mercadorias, data e valor, valor do imposto incidente na operação, identificação do transportador, localização do consumidor, documentação fiscal emitida e informações sobre armazenagem e agentes de pagamento[2].
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Outro ponto importante na análise da legalidade da responsabilidade das plataformas digitais diz respeito à verificação dos serviços que foram desempenhados por ela na operação de compra e venda e, ainda, se a sua atuação exerceu algum controle na operação. Isso significa que a atribuição da sujeição passiva não pode estar dissociada da análise das funções que a plataforma exerceu na transação que gerou a autuação fiscal, já que existem marketplaces que desempenham apenas o papel de apenas direcionar o comprador para a página do vendedor ou intermediar a relação entre vendedor e consumidor final ou que apenas processam pagamentos, sem qualquer ingerência sobre as operações praticadas.
Além da análise da efetiva atuação dos marketplaces nas operações, deve-se observar os contornos que a legislação federal confere ao legislador ordinário para determinação da responsabilidade tributária das plataformas digitais. Embora haja hipótese legal específica para a sujeição passiva por solidariedade dos marketplaces, verifica-se a tentativa da autuação fiscal em atribuir a responsabilidade com base no inciso I, do artigo 124, do CTN, que trata da existência de interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, o que vem reproduzido no inciso XI, do artigo 9º, da Lei Estadual 6.374/1989 e artigo 11, inciso XI, do RICMS/SP.
Em relação ao interesse comum, vale relembrar que o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou no sentido de que a aplicação da hipótese de responsabilização solidária depende da existência do interesse jurídico na operação que ensejou a caracterização do fato gerador, não sendo suficiente a existência de interesse econômico[3]. No caso das plataformas digitais, deve-se perquirir se a simples intermediação das transações é suficiente para atrair a hipótese de sujeição passiva, ou seja, o interesse em concretizar a transação comercial se confunde com “interesse comum” na infração fiscal, que visa a sonegação fiscal?
Neste aspecto, é de se observar que, a Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas, contrariando o que já foi decidido pelo STJ, possui entendimento pacífico no sentido de que, em termos de direito tributário, as partes envolvidas nas transações comerciais (vendedor e comprador) se encontram no polo subjetivo passivo de relação jurídica tributária, de modo que o interesse comum na concretização desta relação é de todos que dela participam, o que atrai a hipótese de responsabilidade tributária prevista no inciso I, do artigo 124, do CTN[4].
Embora a Câmara Superior não tenha se deparado, ainda, sobre os limites do interesse comum nas operações envolvendo plataformas digitais, a perspectiva é que seja dado igual tratamento, já que os julgados partem do pressuposto de que todos os agentes das transações comerciais ocupam o mesmo polo subjetivo da relação jurídico-tributário. Contudo, o que não se pode perder de vista é que a responsabilização dos marketplaces ocupam hipótese específica na legislação estadual paulista, de modo que o Tribunal de Impostos e Taxas não poderia convalidar autuações que utilizam o inciso I, do artigo 124, do CTN, como carta em branco para atribuição da sujeição passiva por solidariedade a estes agentes.
Como se verifica, embora a atuação das plataformas digitais não seja recente no mercado brasileiro, fato é que o Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo não firmou, até o momento, precedentes sobre os contornos da responsabilidade tributária do setor. É importante que o TIT, especialmente por meio da Câmara Superior, atue como controlador da legalidade da constituição do crédito tributário, sem dar espaço para subjetividade das informações que são exigidas das plataformas digitais, respeitando os padrões internacionais que já trataram sobre o tema, além de observar o grau de envolvimento destes agentes nas transações objeto de autuações tributárias.
Além disso, é importante que, desde já, não sejam disseminadas decisões sem análise precisa dos limites impostos pela própria legislação, de modo a permitir que as plataformas digitais permaneçam como fomentadores do crescimento e modernização do varejo brasileiro, além de possibilitar acesso ampliado ao mercado de pequenos negócios, viabilizando a fiscalização destas operações.
Autoria:
Maria Aline Buratto Aun, pesquisadora do Projeto Repertório Analítico de Jurisprudência do TIT – NEF-FGV/SP. Especialista em Direito Tributário (IBDT). Juíza do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo. Advogada.
Coordenação:
Eurico Marcos Diniz de Santi
Eduardo Perez Salusse
Kalinka Bravo
Lina Santin
[1] https://dados.abcomm.org/previsao-de-vendas-online
[2] https://web-archive.oecd.org/temp/2023-02-06/592324-vat-digital-toolkit-for-latin-america-and-the-caribbean.htm
[3] REsp n. 1.273.396/DF, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, julgado em 5/12/2019, DJe de 12/12/2019
[4] AIIMs: 4073553-9, 4016102-0, 4051723-8, 4049873, 4107721, 4085263-5, 4088767-4, 4050114, 4067395, 4094042-1 e 4091524-4 e https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/observatorio-do-tit-o-interesse-comum-na-responsabilizacao-tributaria-solidaria