Reforma tributária do consumo e a omnicanalidade

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As dificuldades tributárias enfrentadas por empresas que atuam na chamada omnicanalidade ou multicanal já foram comentadas pelo autor em outras oportunidades[1] e, com a reforma tributária, esse tema deverá continuar em pauta. Recordando, essas empresas são aquelas que integram os seus canais de venda e de atendimento online e offline, permitindo que o consumidor adquira mercadorias por meios digitais ou presenciais e opte pela forma que lhe seja mais conveniente de retirar ou receber o bem.

Atualmente, considerando a possibilidade de envolvimento de diferentes entes federados, surgem dúvidas sobre a operação multicanal, como: em que momento incide o ICMS; qual o sujeito ativo competente para exigir o imposto; como observar corretamente as obrigações acessórias (a loja vendedora pode estar em um estado, o adquirente ser residente em outro, o destinatário em um terceiro, o local de retirada em um quarto estado e até mesmo a mercadoria pode ser remetida a partir de um quinto local).

Nessa sistemática, as dificuldades são tantas que, em 2019, foi apresentado um Projeto de Lei Complementar (PLP) 148/19 que, em termos gerais, visa alterar a Lei Complementar 87/96, que dispõe sobre o ICMS, bem como definir:

  1. o conceito de operação multicanal;
  2. em quais situações esse modelo se aplicaria; e
  3. a não incidência do ICMS nas remessas aos estabelecimentos credenciados que proporcionam a retirada da compra pelo fornecedor, entre outras coisas.

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Tendo em vista a falta de movimentação deste PLP, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) publicou, em julho de 2022, o Ajuste SINIEF 14, em que restou claro que na hipótese de venda a consumidor final, não contribuinte do ICMS, realizada por meio não presencial, a retirada e a devolução de mercadorias pelos adquirentes poderiam ser efetuadas em pontos de retirada de qualquer estabelecimento do mesmo grupo econômico ou de terceiros, contribuintes ou não do ICMS, além de estabelecer outras regras para tais operações.[2] Embora o ajuste não tenha resolvido todas as questões, garantiu uma certa segurança às empresas que atuam de tal forma.

Não obstante tal melhoria para a sistemática atualmente vigente, como amplamente divulgado, em dezembro de 2023, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 132 (EC 132/23), que altera de maneira substancial o sistema tributário nacional, especialmente no que diz respeito aos tributos que incidem sobre o consumo.

A EC 132/23 prevê a simplificação do sistema pela substituição dos atuais PIS/Cofins, ICMS, ISS e o IPI (exceto para produtos que também sejam industrializados na Zona Franca de Manaus) pela Contribuição Sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União, e pelo Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilhada entre estados e municípios.

De acordo com a emenda, CBS e IBS terão os mesmos fatos geradores, base de cálculo, hipóteses de não incidência, sujeitos passivos, imunidades, regimes específicos e diferenciados, bem como regras de não cumulatividade.

Para além disso, especificamente em relação ao IBS, também restou determinado que o imposto será cobrado pela somatória das alíquotas do estado e do município do local de destino da operação, cabendo à lei complementar dispor sobre os critérios para definição do que seria efetivamente o destino. A ideia a partir dessa definição é destinar o IBS ao local em que o bem é efetivamente consumido. E é justamente essa definição que nos interessa para o presente estudo.

Isso porque, começam a surgir dúvidas se a EC 132/23 e a respectiva regulamentação via lei complementar (e outras regulamentações que surgirão) efetivamente resolverão todas as questões para as operações realizadas nos mais diversos canais possíveis, na medida em que, tal qual como é hoje, podem envolver diversos estados e municípios e dificultar a identificação do sujeito ativo para o IBS, bem como cumprimento de obrigações acessórias. Cumpre destacar que essas dúvidas se aplicam ao IBS e não à CBS, na medida em que esta última é de competência da União, sendo irrelevante o local de destino para fins de determinação do sujeito ativo do tributo.

De acordo com o projeto original de Lei Complementar nº 68 (PLP 68/24), apresentado pelo governo federal para regulamentar a CBS e o IBS, se considerava ocorrido o fato gerador no momento do fornecimento ou do pagamento, o que ocorrer primeiro (art. 10).

No que diz respeito ao local da operação, o PLP 68/24 original determinava que, tratando-se de operação com bem móvel material, deve-se considerar o local da entrega ou disponibilização do bem ao destinatário (art. 11).

Ocorre que o PLP original 68/24 determinava também que, em operação realizada de forma não presencial (o que acaba abrangendo uma parte das operações multicanal), assim entendida aquela em que a entrega ou disponibilização ao destinatário não ocorra no estabelecimento do fornecedor, considerava-se local de entrega ou disponibilização o destino final do bem, ainda que o transporte seja contratado pelo adquirente ou destinatário (art. 11, § 1º, inciso I).

Vale notar que a própria exposição de motivos do PLP 68/24 reconhece a existência das mais diversas modalidades de operação ao destacar que “a definição de destinatário é importante para aplicação das regras de local do fato gerador e do destino da operação, uma vez que o adquirente de bem ou serviço pode estar localizado em determinado ente federativo, enquanto o destinatário – aquele a quem o bem ou o serviço é fornecido – pode estar em um local diferente”. (…) Com base nessas duas regras, se o bem é entregue presencialmente ao destinatário no estabelecimento do fornecedor, o local será o da entrega, ou seja, o do estabelecimento do fornecedor. Caso haja a aquisição do bem de forma não presencial, ou seja, sem a presença do adquirente no estabelecimento do fornecedor, o local será o destino final para o qual o fornecedor remeter o bem, mesmo que o transporte seja contratado pelo adquirente ou destinatário.”[3]

Assim, temos que, pelo texto original, o sujeito ativo do IBS nesses casos seria o estado e município em que se verificasse o destino final do bem. Todavia, referida determinação era bastante vaga, na medida em que, por destino final do bem, poderia se entender uma infinidade de localizações nas operações multicanal.

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Imagine que um adquirente, no município A, compra um produto em uma plataforma digital e requer sua entrega em uma loja, localizada no município B, para que um terceiro, residente em um município C (destinatário final do bem), retire o bem. Vale notar que essa possiblidade de entrega em loja/parceiro para retirada é bastante comum atualmente. Inclusive, esse local de retirada pode ser um estabelecimento que sequer tem relação com a operação de venda (é um mero prestador de serviço para guarda e retirada do bem pelo destinatário).

Nesse caso, surgiriam algumas dúvidas: o IBS seria devido ao município B (e ao seu respectivo estado), onde foi disponibilizado o bem para retirada ou para o município C (e ao seu respectivo estado) onde reside o terceiro e onde o bem será efetivamente utilizado?

Talvez, por essa razão, o texto do PLP 68/24, recentemente aprovado na Câmara dos Deputados e que agora está em análise no Senado Federal, tenha sido objeto de uma sensível (porém importante) alteração sobre esse tema.

Pela regra aprovada na Câmara dos Deputados, em operação realizada de forma não presencial, novamente assim entendida aquela em que a entrega ou disponibilização não ocorra na presença do adquirente ou destinatário no estabelecimento do fornecedor, considera-se local da entrega ou disponibilização do bem ao destinatário o destino final indicado pelo adquirente:

  1. ao fornecedor, caso o serviço de transporte seja de responsabilidade do fornecedor; ou
  2. ao terceiro responsável pelo transporte, caso o serviço de transporte seja de responsabilidade do adquirente.

Com isso, há uma nítida melhora do texto, na medida em que o destino final deixa de ser um termo vago (como no projeto original), para passar a considerar aquilo que for indicado pelo adquirente ou ao fornecedor no ato da compra.

Assim, no nosso exemplo acima, em que um adquirente, no município A, compra um produto em uma plataforma digital e requer sua entrega em uma loja, localizada no município B, para que um terceiro, residente em um município C (destinatário final do bem), retire o bem, o destino final será considerado aquele indicado pelo comprador e o IBS será devido ao respectivo estado e município, exaurindo assim eventuais dúvidas.

Nesse cenário, a Câmara dos Deputados caminhou bem ao realizar a mencionada alteração no texto do PLP 68/24, na medida em que há uma tendência de redução das possíveis discussões sobre o tema (embora seja possível que no futuro surjam outras formas de integração de canais que possam dificultar a aplicação da mencionada regra).

Conforme já mencionado, o texto está em análise no Senado Federal, onde pode sofrer novas alterações. Além disso, dependendo da regulamentação posterior da matéria, novas dúvidas e dificuldades podem surgir.


[1]https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/omnicanalidade-pandemia-e-o-plp-148-2019-19052020

[2]https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/ajuste-sinief-14-22-facilita-operacoes-do-omnichannel-e-dos-marketplaces-27072022

[3]https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2430143&fichaAmigavel=nao

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