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Há quem desconfie da relação harmoniosa existente entre o Poder Judiciário e o Poder Legislativo, a despeito de positivação no texto constitucional neste sentido. Por outro lado, é certo que a tensão não é onipresente – e é justamente o que se verifica na compreensão do regime jurídico de servidores integrantes da Administração Pública, sedimentado recentemente na ADI 2.135.
Sabe-se que, na origem, o artigo 39 da Constituição Federal previa o regime jurídico único no âmbito da Administração Pública Direta, autárquica e fundacional. Por força de justificativas de ordem burocrática, técnica, política e social, foi editada a Emenda Constitucional nº 19/1998, que alterou a redação do dispositivo, para extinguir o regime jurídico único e permitir a coexistência de servidores estatutários e celetistas nas pessoas jurídicas de direito público integrantes da Administração.
Este foi cenário vigente até 2007, quando o Supremo Tribunal Federal concedeu medida cautelar na ADI 2.135, em razão de suposta inconstitucionalidade formal no processo legislativo que resultou na elaboração da EC nº 19/98, para suspender seus efeitos, o que acarretou o reestabelecimento do regime jurídico único.
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A despeito disso, durante o interstício temporal de 2007 até o presente ano, foram proferidas decisões pelo Supremo que mitigaram o entendimento de que as pessoas jurídicas de direito público deveriam lançar mão do regime estatutário, por força de sua compatibilidade com as atividades típicas de Estado. A título de exemplo, menciona-se a ADI 5.615, na qual a Corte entendeu pela constitucionalidade da criação de empregos públicos na Universidade de São Paulo, uma autarquia estadual, sob o argumento de que o texto constitucional não excluiu a possibilidade de ser adotado o regime de emprego público para as autarquias. Ainda, foi esclarecido que, enquanto não fosse editada pelo Estado norma específica instituindo o regime jurídico único de seus servidores da administração direta, autárquica e fundacional, não seria possível censurar as normas que estipulassem um ou outro regime.
Outro caso paradigmático é a ADI 5.367, na qual a Corte entendeu que os Conselhos Profissionais, autarquias federais, poderiam contratar funcionários pelo regime da CLT, dada sua natureza sui generis de pessoa jurídica de direito público não estatal. Ainda, cita-se a ADI 4.247, em que o Supremo entendeu pela constitucionalidade de lei que dispõe sobre a criação de fundação pública com personalidade jurídica de direito privado, destinada à prestação de serviços de saúde, observado o regime jurídico da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Soma-se à lista o precedente firmado no RE 633.782, no qual o Tribunal entendeu inexistente qualquer incompatibilidade entre o regime celetista nas estatais prestadoras de serviço público em regime de monopólio e o exercício de atividade de polícia administrativa pelos seus empregados, à luz do Tema 532 da repercussão geral.
Destacou-se que o regime celetista aplicado à administração indireta possui características que afastam o argumento da instabilidade de empregados públicos, tais como a regra do concurso público, a dispensa motivada, além dos princípios constitucionais que norteiam a atuação administrativa. Corrobora esta conclusão o recente entendimento da Corte no bojo do RE 688.267, segundo o qual as estatais, sejam prestadoras de serviço público ou exploradoras de atividade econômica, têm o dever jurídico de motivar a demissão de seus empregados concursados.
Em clara harmonia, no ano de 2019, a Lei 13.822/2019 alterou a redação do artigo 6º, §2º, da Lei 11.107/2005, que dispõe sobre a contratação de consórcios públicos. A partir disso, o referido dispositivo passou a prever que o consórcio público, com personalidade jurídica de direito público ou privado, terá seu pessoal regido pela CLT.
Nesta perspectiva, estreitadas as justificativas que afastavam o regime celetista da Administração Pública, a superação do regime jurídico único tornou-se previsível. Dezessete anos depois, o Supremo concluiu definitivamente, no bojo da ADI 2.135, pela inexistência de inconstitucionalidade formal na elaboração da EC nº 19/98. Independentemente de estar certa ou errada a decisão do ponto de vista do procedimento legislativo, o Judiciário parece ter veiculado a tendência dos últimos tempos, inclusive do Legislativo. Há um nítido diálogo institucional.
O impacto dessa decisão é incalculável para o momento, inclusive para a própria organização administrativa. A título de exemplo, em decorrência da extinção da obrigatoriedade do RJU, as sempre contestadas fundações públicas de direito privado devem desaparecer. Afinal, o que justificará a criação de tais entidades diante da possibilidade de contratação de celetistas nas fundações públicas de direito público? O Executivo será obrigado a se reorganizar.
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A decisão não tem o condão de atingir carreiras típicas de Estado, no entanto, abarca uma série de atividades que poderão ser exercidas por celetistas, servidores públicos estatutários ou, simultaneamente, pelos dois. Nesta medida, a problemática não decorre do fim do regime jurídico único em si, mas de eventual multiplicação de situações de coexistência de regimes para o desempenho de funções idênticas, o que implica em distinções remuneratórias, além de direitos e vantagens.
Este é o cenário que se identifica nas circunstâncias em que há fundações ou organizações sociais que administram hospitais públicos. Sabe-se que o inverso também acontece: casos em que os celetistas pleiteiam benefícios estatutários. Os pedidos de equiparação com características cada vez mais estranhas tendem a se multiplicar. Este é o desafio que enfrentarão os Três Poderes nos próximos tempos.
Sem a pretensão de exercitar a futurologia, parece recomendável que, na conjuntura acima mencionada, haja a adoção uniforme de um único regime jurídico, a partir da iniciativa do Executivo, seja estatutário ou celetista, a fim de evitar disparidades expressivas de remuneração e outros direitos funcionais.
Seja como for, os próximos desafios perpassam o cumprimento dialogado do artigo 2º da Constituição Federal, são poderes harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.