Escolhido por minorias, Trump ainda traz o nacionalismo branco no coração do populismo

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Donald Trump voltou à Casa Branca com muito mais votos no colégio eleitoral e apoio popular que se esperava. Isso tem feito muitos analistas afirmarem que o argumento de que ele representaria uma forma de nacionalismo branco ou até mesmo tendências fascistas não se sustenta mais. De fato, latinos — em particular entre os eleitores do sexo masculino — e outras minorias — inclusive afro-americanos — somaram-se em maior proporção aos eleitores tradicionais do candidato republicano.

Essa tendência já era verificada parcialmente em 2020, quando Trump perdeu sua primeira tentativa de reeleição para o democrata Joe Biden, o qual encerra seu mandato em baixa. Porém, é interessante notar que Trump não perdeu apoio entre brancos de classe média baixa identificados como perdedores da globalização: esse permanece o coração do seu movimento e é para ele que o presidente eleito vai governar acima de tudo, exceto, claro, as grandes corporações. Sim: o partido Republicano virou antissistêmico sob o trumpismo, mas ainda segue a rédea curta dos capitalistas — desde que, claro, sejam anti-woke.

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Portanto, no governo Trump 2, o que vier de lucro para os segmentos da sociedade além da população branca que, em média, não cursou o ensino superior é consequência de políticas que serão focadas para esse grupo. Do ponto de vista material, não tenho dúvidas de que Trump vai cumprir suas promessas e, por meio de instrumentos típicos do populismo econômico, buscará melhorar as condições de vida da classe trabalhadora branca, ainda que, no longo prazo, ela venha a pagar o preço que as tarifas de importação devem impor por meio de um aumento da inflação.

Ao mesmo tempo, do ponto de vista cultural e comportamental, Trump não dará trégua à guerra que também é empreendida por outros líderes populistas de direita ao redor do mundo. Sua cartilha inclui a reafirmação de uma América WASP —branca (white), anglo saxã e protestante. Alguém pode contra-argumentar e perguntar por que um latino católico votou em Trump? Fatores econômicos, como a inflação acumulada no começo do governo Biden, sem dúvida estão entre eles. Porém, parafraseando James Carville, marqueteiro do democrata Bill Clinton em 1992, “ainda é a identidade, estúpido”.

Acima de tudo, o núcleo duro do trumpismo é um identitarismo de direita, cujo cerne é reagir à noção de uma América pós-racial e, por isso, menos centrada na branquitude. Eleitores que integram grupos minoritários parecem ter feito uma escolha pouco sábia, pois guiaram-se com a promessa de Trump de prosperidade econômica fácil, ainda que Biden tenha levado os Estados Unidos a uma situação de quase pleno emprego. Porém, conforme citado acima, com a inflação acumulada ainda que hoje os índices estejam em viés de baixa, a maioria dos que compareceram às urnas não votaram na chapa republicana por achá-la melhor que a dupla democrata Kamala Harris e Tim Walz, mas porque queriam punir Biden.

De todo modo, a adesão crescente de minorias a Trump é um sinal de que as políticas ditas identitárias como promovidas pelo partido Democrata encontraram o seu limite. As pessoas não querem dignidade reconhecida de modo simbólico se não puderem pagar a conta de aluguel ou se não conseguirem comprar alimentos. Dito isso, não podemos nos livrar da armadilha da identidade: ela é um elemento necessário da ação política — ainda mais nos EUA.

O trumpismo promove uma América majoritariamente — mas não exclusivamente— branca e cristã em detrimento da lógica pós racial que foi abraçada principalmente a partir do mandato de Barack Obama (2009-2017). Então por que que analistas insistem em dizer que o identitarismo está morto? Oras, pois quando a maioria é quem promove sua identidade, tal processo não recebe o rótulo de identitarismo. Ou seja, orgulho racial nos olhos dos outros é refresco. Pergunte ao presidente eleito se ele vai se afastar dos neonazistas do Proud Boys. A política de deportação em massa prometida por Trump. Ele carrega em si uma lógica xenófoba, de limpeza étnica, ainda que minorias apoiem a proposta de controlar a população migrante.

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Nesse cenário, espera-se uma corrosão paulatina do tecido institucional no sentido de superar a multiculturalidade dos Estados Unidos. Novamente, não se trata de eliminar identidades, mas de reafirmar aquilo que está na origem daquele país, formado por homens brancos detentores de terras e escravos que, mais do que acreditar na democracia, buscava um pacto entre elites sem a mediação de forças externas. Com um governo que diz representar o povo mas vive em simbiose com grandes corporações, encontrou-se uma nova versão elitismo, só que com o verniz de democracia e inclusão em que o trumpismo vende com maestria invejável, inclusive por populistas que buscam emulá-lo ao redor do mundo.

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