A execução fiscal (não tão) administrativa do substitutivo ao Projeto de Lei 2.448/22

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A execução fiscal tem como objetivo precípuo o pagamento forçado do devedor do crédito tributário através da expropriação de seu patrimônio, cujas etapas procedimentais são conduzidas pelo Poder Judiciário. 

Há mais de uma década está em debate a reforma na legislação para instituição da execução fiscal na via administrativa, que tem como algumas vantagens a agilidade no processo, a redução da carga no Judiciário, o menor custo e a facilidade de cobrança.

Tal debate orbita na seguinte questão:, a condução do Estado-administração no processo de expropriação, sem acionar o Estado-juiz, acarretaria por si só uma lesão ao princípio do devido processo legal?

A luz da premissa da presunção de legalidade e a auto-executoriedade dos atos administrativos, a execução administrativa é plenamente compatível com os preceitos constitucionais, inclusive com o princípio do devido processo legal, assim como se opera na fase de constituição do crédito tributário.

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Nesse ponto, inclusive, a PGFN já possui sistemática própria de exercício de direito de petição do contribuinte, o PRDI, cujo sucesso na promoção da defesa e contraditório na seara administrativa fiscal é inquestionável, demonstrando amadurecimento do órgão quanto ao devido processo legal.

Partindo desse raciocínio, não haveria diferença entre os dois processos administrativos, de constituição e execução do crédito tributário, que faria com que a lei autorizasse um e impedisse o outro, sendo o segundo um desdobramento do primeiro decorrente dos atributos de liquidez e certeza do título, motivado pela exigibilidade efetiva mas pendente em razão da inadimplência.

O que se deve compreender é que a expropriação dos bens do devedor ocorre na via judicial por uma opção legislativa e não por um pressuposto lógico de validade do ato expropriatório. Dessa forma, estabelecidas plenamente as balizas legais e o procedimento a ser seguido, não há qualquer afronta ao devido processo legal a possibilidade de expropriação administrativa do crédito tributário, sendo esse princípio cogente no processo administrativo, assim como no judicial. 

Os críticos ao instituto, ao apresentarem os pontos negativos, restringem-se aos riscos de abusos e limitação do controle judicial na defesa do contribuinte. Entretanto, tratam-se de argumentos que podem tranquilamente ser afastados uma vez que a atividade jurisdicional não é obstada e, ante abusos da administração, estes podem ser revistos judicialmente, assim como ocorre na fase de constituição do crédito tributário.

Nesse sentido, assusta projetos como o substitutivo ao Projeto de Lei 2.448/22, recentemente aprovado no Senado, em que, não obstante a tentativa de avanço legislativo quanto a uma execução fiscal administrativa, optou por uma versão mesquinha e avessa ao verdadeiro conceito de “âmbito administrativo” que deveria ser levado em consideração.

Isto porque administrativo, aqui, consiste na transferência da execução fiscal, enquanto método processual de expropriação forçada dos bens do devedor, para a esfera da Administração Pública – Fazenda Pública. Ao avesso disso, no entanto, o referido substitutivo, em seu artigo 19, transfere para os cartórios de protesto a possibilidade de execução fiscal administrativa da dívida ativa de pequeno valor, limitada a 60 salários mínimos.

Aqui esbarramos em dois problemas graves ao avanço da matéria.

O primeiro deles é a manutenção do poder expropriatório em órgão de certa forma afeto ao Judiciário (sob a tutela do CNJ), indicando ainda desconfiança do legislativo (e das entidades associativas interessadas) em reconhecer a possibilidade e viabilidade de transferência legal desse munus para a Fazenda Pública, seja ela da esfera que for. 

Ora, não há dúvidas do avanço realizado, ao menos, pela PGFN nos últimos anos, especialmente desde o Regime Diferenciado de Cobrança do Crédito Público e todas as inovações daí decorrentes. A PGFN, hoje, tem profundo conhecimento sobre o seu crédito, a natureza e viabilidade de cobrança do mesmo, assim como a possível taxa de sucesso/retorno em virtude da existência de bens ou outros indicadores econômicos.

Isso se deve ao acesso às bases de dados da RFB e todo o fluxo de informações financeiras daí decorrentes, já catalogadas e acessíveis de forma digerida para o procurador da Fazenda Nacional. Mais que isso, hoje os sistemas da PGFN possuem informatização suficiente para defrontar-se com os indicadores econômicos e gerar para o procurador uma demanda de trabalho que lhe indique a possibilidade de penhora de determinado valor ou bem.

Tal inovação aplicada à uma execução fiscal administrativa gerida pela própria instituição com base em premissas de garantia do devido processo legal administrativo, sem descuidar do acesso à justiça conforme previsto na CF/88, sem dúvidas significaria em verdadeiro avanços nessa seara, seja em termos de efetividade da execução fiscal, mas também em desafogamento do Judiciário. 

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Outro ponto de melhoria que identificamos no substitutivo ao Projeto de Lei 2.448/22 é a limitação da execução fiscal administrativa para créditos tributários até 60 salários mínimos. Esse valor encontra-se dissociado das práticas atuais da PGFN, cujo ajuizamento seletivo tem buscado o ajuizamento de execuções fiscais com valores totais superiores a R$1 milhão de reais. 

Tal patamar foi estabelecido a partir de estudos técnicos, os quais indicaram o retorno financeiro da execução fiscal quando o montante executado seja superior a R$1 milhão, racionalizando a atuação da PGFN. As CDAs com valores inferiores a este patamar não são ajuizadas de pronto, mas submetidas às medidas administrativas de cobrança. 

Ora, se a PGFN já possui estrutura suficiente e efetiva de cobrança administrativa para valores inferiores a R$ 1 milhão, qual interesse haveria, a priori, para submeter as CDAs de até 60 salários mínimos a uma cobrança via cartório de protesto com a transferência do munus na condução do procedimento para outra instituição, imposição de prazos e procedimentos, com a manutenção de outras discussões na seara judicial? Não parece que tal medida caminha ao mesmo passo que todas as tentativas de racionalização e efetividade de atuação da PGFN.

Estes pontos de atenção merecem ser levados em consideração, partindo-se da viabilidade doutrinária de transferência da atividade expropriatória para a seara administrativa, compreendendo aqui o âmbito da Fazenda Pública. Percebe-se, portanto, que o substitutivo ao Projeto de Lei 2.448/22 perdeu a oportunidade de avançar de fato no assunto.

Portanto, entendemos que, mais que possível, é necessário dentro do sistema legal brasileiro o avanço da instituição da execução fiscal na via administrativa, ante a previsão de mecanismos que validam tal processo como os princípios da legalidade, eficiência, impessoalidade e, por óbvio, do devido processo legal, de observância não exclusiva da atividade jurisdicional.

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