O critério territorial do ITCMD sobre heranças

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A competência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) é um tema que tende a receber pouca atenção; talvez por conta da aparente simplicidade das regras de sua definição, tal como previstas pelo art. 155, 1º, incisos I e II, da CF/88.

Na realidade, tratando-se de um imposto de competência estadual, a aplicação dessas normas não apresenta qualquer conflito, quando todo o patrimônio do de cujus estiver situado dentro da mesma unidade da federação na qual ele era domiciliado. Mas, como já indicado em outra ocasião, quando a esfera jurídica do sujeito falecido se estende para além das fronteiras de um único estado, a aplicação das regras de competência do ITCMD adquire um grau de complexidade normalmente ignorado.

Veja-se o caso em que o de cujus era domiciliado no estado A, mas também tinha bens imóveis situados no estado B. A interpretação mais costumeira que se faz das regras constitucionais impõe que se tribute pelo estado B os imóveis ali localizados, em atenção à regra do art. 155, §1º, inciso I, da CF/88; enquanto todos os demais bens que compõem a massa hereditária deveriam ser tributadas pelo estado A, onde o falecido tinha domicílio, nos termos do art. 155, §1º, inciso II, da CF/88, conforme redação dada pela EC nº 132/2023[1].

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;

[…]

§ 1º O imposto previsto no inciso I:

I – relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, compete ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal;

II – relativamente a bens móveis, títulos e créditos, compete ao Estado onde era domiciliado o de cujus, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal;

No entanto, essa interpretação comete dois equívocos: 1) ela ignora a diferença entre o ITCMD-mortis causa e o ITCMD-donationis causa; e 2) ignora a natureza jurídica do próprio bem que é transmitido com a sucessão hereditária.

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A diferença entre o imposto mortis causa e o imposto donationis causa refere-se ao critério material do tributo. Nos termos do art. 155, inciso I, da CF/88, o ITCMD não terá incidência na realização de qualquer transmissão de bens, mas apenas quando essa transmissão se der à causa de morte (causa mortis) – isto é, à transmissão da herança ou do legado – ou quando decorrer de um contrato de doação.

As doações e as transmissões de legados são hipóteses de transmissões a título singular, subtraindo-se do patrimônio uma determinada posição jurídica. As transmissões causa mortis de heranças, por outro lado, são hipóteses de sucessão a título universal; por meio da qual, em vez de se alterar o titular de uma dada posição jurídica, altera-se o titular de todo um patrimônio. Conforme esclarece F. San Tiago Dantas[2]: “Toma-se o patrimônio no seu conjunto, na sua inteireza, transferindo-se este patrimônio a um novo titular”, que é, no caso, o herdeiro.

O que se transfere na sucessão hereditária não são os direitos individuais dos bens que compõem o acervo hereditário; pois, conforme dispõe o art. 1.791 do CC/02, “a herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros”. Do exato momento em que o autor da herança falece, seu patrimônio transmite-se aos herdeiros “como um todo unitário”, é dizer, como uma comunhão em que cada um é igualmente titular da herança e não dos bens concretos; daí o art. 1.791, parágrafo único, do CC/02 dizer que “até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio”.

Havendo múltiplos herdeiros, tão logo ocorra o falecimento do de cujus cada herdeiro receberá um direito indivisível à posse e à propriedade dos bens que componham o acervo hereditário; isto é, receberão uma fração ideal (quinhão) da universalidade de direito chamada herança.

Como a base de cálculo de qualquer tributo deve expressar o critério material da hipótese de incidência, a base de cálculo do ITCMD deve corresponder ao bem efetivamente transmitido pela sucessão. Consequentemente, o ITCMD não incide sobre os bens individuais que componham o acervo, porque a transferência ocorre sobre a essa fração ideal da universalidade hereditária.

Somente após a liquidação e partilha que a comunhão hereditária se dissolve, e o herdeiro receberá como pagamento de seu quinhão os bens que integravam o espólio; razão pela qual o art. 2.023 do CC/02 dispõe que “julgada a partilha, fica o direito de cada um dos herdeiros circunscritos aos bens do seu quinhão”.

Daí que não há um fato gerador do ITCMD para cada um dos bens integrantes do espólio, mas um fato gerador incidente sobre a transmissão de cada fração ideal da comunhão hereditária.

Isso tem um impacto direto na competência do ITCMD, porque, nos termos do art. 80, inciso II, do CC/02, o direito à sucessão aberta deve ser considerado como um bem imóvel para efeitos legais[3]. Assim – qualquer que seja a composição do acervo hereditário e independentemente de onde estiverem localizados os bens que o integrem – o bem transmitido aos herdeiros será necessariamente um bem imóvel, atraindo a incidência do art. 155, §1º, inciso I, da CF/88.

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Segundo essa disposição normativa, o ITCMD “relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, compete ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal. Como a transmissão causa mortis da herança refere-se única e exclusivamente a um bem imóvel, então toda e qualquer sucessão hereditária deverá ser tributada pelo estado ou Distrito Federal da situação do bem.

Com isso, cabe definir o lugar da situação da herança, que é indicado pelo art. 1.785 do CC/02, segundo o qual “a sucessão abre-se no lugar do último domicílio do falecido”. Consequentemente, quando se tratar de sucessão de herança, a competência será sempre a do local do último domicílio do falecido, pois este é o critério territorial de todo fato jurídico de herança.

Desse modo, mesmo que o de cujus resida no estado A, mas deixe bens imóveis no estado B, o ITCMD-causa mortis deverá ser integralmente devido ao estado A; pois, para fins legais, a herança é um bem imóvel que se situa no lugar do último domicílio do falecido.

Isso não significa, porém, que o art. 155, §1º, inciso II, da CF/88 não tenha qualquer incidência, porque ainda haverá transmissões de bens móveis, nas transferências a título de doações ou legados. Consequentemente, nem toda sucessão mortis causa será integralmente tributada no estado de domicílio, porque quando o falecido houver deixado algum bem imóvel localizado em outra unidade da federação como legado a um beneficiário, haverá a constituição de um fato gerador do ITCMD-causa mortis cujo critério territorial será o local de situação do bem transmitido.  


[1] Sobre os problemas de competência nas hipóteses de múltiplos domicílios em mais de um Estado da Federação, cf.: Costa, Gabriel. Conflito de competência na reforma tributária: O caso do ITCMD, in JOTA, disponível on-line em https://www.jota.info/artigos/conflito-de-competencia-na-reforma-tributaria-o-caso-do-itcmd [acessado em 21/10/2024].

[2] Direito de Família e das Sucessões, 2ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1991, P. 444.

[3] Pontes de Miranda, Francisco Cavalcanti, Tratado de direito privado – Parte Especial – Tomo LV – Direito das Sucessões – Sucessão em Geral. Sucessão Legítima, 2ª ed., Rio de Janeiro, Borsoi, 1968, §5.589, 2, 38.

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