Cenário das apostas e a liminar do STF

Spread the love

As apostas esportivas online se tornaram bastante populares no mundo todo. Usadas como forma de entretenimento, as Bets foram impulsionadas pela expansão do uso dos celulares, pelo desenvolvimento da infraestrutura digital e pelas restrições às atividades esportivas durante a pandemia do Covid-19.

Como verificado em diversos países, a regulamentação dos jogos e apostas gera muitos benefícios. Ao mesmo tempo que traz mais segurança aos jogadores ou apostadores, com a garantia de direitos e medidas disponíveis nas esferas administrativa e judicial, as empresas que operam legalmente no setor passam a ser fiscalizadas e a pagar impostos, além de atuar como catalisadoras do jogo responsável e incentivadoras de medidas para evitar a manipulação de resultados.

Conheça o JOTA PRO Poder, uma plataforma de monitoramento político e regulatório  que oferece mais transparência e previsibilidade para empresas

No Brasil, o fenômeno não é diferente. Embora seja mais recente do que na Inglaterra, a modalidade passou a ser possível no país a partir de dezembro de 2018, sendo regulamentada apenas cinco anos depois pela Lei das Bets (14.790/2023). Nessa regulamentação foi criada a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), dentro do Ministério da Fazenda, que editou normas para que as empresas obtenham a outorga necessária, exigida a partir de 1º de janeiro de 2025. A Portaria 1.231/2024 estabelece as regras e diretrizes para o jogo responsável e as ações de comunicação e marketing, assim como os direitos e deveres de apostadores e dos agentes operadores de apostas.

Com a recente regulamentação, ainda não existem muitos dados sobre o setor no país, especialmente na perspectiva econômica. O Estudo Especial 119/2024 do Banco Central (Bacen) identificou aspectos importantes sobre o tamanho do impacto das apostas e o perfil dos apostadores. De acordo com o Bacen, que apenas considerou valores pagos pelos apostadores via Pix, as Bets estariam arrecadando uma média mensal de R$ 21,1 bilhões, muito acima do que arrecadam as loterias esportivas (R$ 1,9 bilhões mensais). Esse levantamento também mostra que cerca de 24 milhões de brasileiros participam de apostas e jogos de azar, a maioria com entre 20 e 30 anos de idade. A média mensal das apostas por apostadores mais jovens é de R$ 100,00, podendo ultrapassar R$ 3 mil nos mais velhos.

Com relação ao programa Bolsa Família, o estudo do Bacen apontou que a quantidade de beneficiários representa 20% do total de apostadores no Brasil. A estimativa é de que cerca de 5 milhões de pessoas que recebem o auxílio do programa federal enviam apostas (via Pix) de aproximadamente R$ 100,00 em média – totalizando o valor estimado de R$ 3 bilhões.

No entanto, se por um lado o estudo do BACEN identificou o uso dos recursos do Bolsa Família com apostas e parece ser consenso que a utilização desses recursos em apostas e jogos de azar não é compatível com o propósito do programa, qual seja a melhoria da qualidade de vida (por meio da transferência de renda) para famílias em condição de vulnerabilidade social e econômica, por outro, deixou de considerar alguns elementos e premissas relevantes, como a manutenção de dinheiro pelos apostadores nas contas nas Bets, os valores dos prêmios recebidos e a reutilização dos valores já transferidos.

Esses pontos, por sua vez, foram considerados em outros estudos que indicam um panorama menos alarmante. É o caso do estudo conduzido pela LCA Consultoria Econômica.

De acordo com o levantamento, o critério adotado pelo Bacen estaria superestimando o tamanho do segmento por dar ênfase ao volume total das transferências realizadas para as Bets, sem considerar os valores efetivamente desembolsados pelos apostadores e/ou os prêmios pagos. Ao adotar o parâmetro dos “gastos líquidos anuais”, o valor estimado do mercado de apostas passaria a ser em torno de R$ 16,3 bilhões por ano (0,1% do Produto Interno Bruto – PIB), enquanto o valor anual chegaria a R$ 34,9 bilhões (0,3% do PIB) conforme o Bacen. A LCA também destaca que as apostas podem ser enquadradas como despesa pessoal, cultural e recreativa, representando entre 7% e 16% do consumo das famílias com entretenimento.

Adotando critérios similares ao estudo da LCA, também se destaca a análise do Banco Itaú que estimou o gasto líquido anual de R$ 23,9 bilhões destinados a jogos online e apostas (0,2% do PIB), 0,3% do consumo total e 1,9% da massa salarial.

De qualquer forma, independentemente da discussão sobre qual é o efetivo tamanho do mercado nacional de Bets, a pesquisa do Bacen se mostra relevante por ser a primeira análise oficial sobre o tema. Também traz visibilidade e enseja debates, em especial no que se refere à ausência de um monitoramento sobre a utilização dos recursos do programa Bolsa Família.

Embora seja preciso não se perder de vista que as apostas no geral – seja através das loterias federais, jogo do bicho, apostas informais, bingos, máquinas de caça níquel ou em sites e aplicativos – integram o cotidiano do brasileiro; não é por ser um costume que é justificável o uso de recursos de natureza assistencial para finalidade diversa.

Estamos diante de um mercado em franca expansão e que passou a integrar o cotidiano não só do brasileiro, mas de diversas nacionalidades. Em 2025, o mercado global de apostas regulamentadas é estimado em US$ 770 bilhões de turn over (volume total apostado) e em US$ 106 bilhões em prêmios de apostas, pelo relatório da Associação Internacional de Integridade de Apostas (IBIA – International Betting Integrity Association).

Dito isso, é imprescindível ter muita cautela com as informações divulgadas sobre o mercado de jogos e apostas e seu impacto, até por se tratar de conclusões iniciais.

Esse ponto, inclusive, ficou muito claro durante os dois dias de audiência pública realizada no STF, nos dias 11 e 12 de novembro, sobre o mercado de jogos e apostas e a Lei 14.790/23.

Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas diariamente no seu email

A audiência pública foi marcada pelo Ministro Luiz Fux em razão da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7721, que discute a Lei das Bets, proposta pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), com base em preocupações quanto aos impactos da popularização das apostas online e da realização de apostas pela sociedade (inclusive por crianças e adolescentes) no desenvolvimento socioeconômico das famílias. Na visão da CNC, a prática reiterada pode evoluir para um comportamento compulsivo em uma parcela dos apostadores (transtorno do jogo patológico) e no comprometimento do orçamento familiar. A essa ADI, seguiram-se outras duas, uma proposta pelo Solidariedade (ADI 7723); outra, pela Procuradoria Geral da República, no próprio dia 11 de novembro (ADI 7640).

Após serem ouvidos 48 especialistas sobre a Lei das Bets, nota-se uma preocupação sobre aspecto e impacto social da questão e um claro desconhecimento do conteúdo de todas as Portarias editadas pela Secretaria de Jogos e Apostas, pois, muitas dessas preocupações já estão contempladas na regulamentação.

Diversas medidas mitigatórias, de fiscalização e punição mencionadas durante a audiência pública para impedir abusos com, por exemplo, publicidade, já estão previstas nas Portarias existentes e, inclusive, um valioso mecanismo junto à ANATEL que permite à SPA bloquear sites de Bets ilegais e formas de punição das empresas que atuam de forma irregular no setor.

Tanto é assim que o Ministro Fux, no dia 13 de novembro, concedeu parcialmente liminar pleiteada pela CNC determinando a aplicação imediata das medidas de fiscalização, monitoramento e sanção que envolvam a vedação da publicidade e propaganda que tenham como público-alvo crianças e adolescentes, previstas na Portaria 1.231/24, que ocorreria só a partir de 1º de janeiro de 2025, bem como a implementação de medidas também imediatas para impedir o uso dos recursos advindos do Bolsa Família e outros programas sociais em apostas.

Outros pontos que também ficaram evidentes foram a divisão existente no próprio Governo Federal sobre a questão, afinal, apenas o Secretário Regis Dudena foi favorável à legislação, e que as empresas de Bets sérias e responsáveis estão preocupadas com os apostadores e querem fazer parte da solução.

Justamente por isso, entendemos que a manutenção da Lei de Bets e uma regulamentação mais rígida deve ter uma tendência conciliatória de todos os interesses envolvidos para não inviabilizar a atuação legalizada das Bets, pois, afinal, a mera proibição ou declaração de inconstitucionalidade da Lei não vai fazer com que as apostas desapareçam. E, assim como já endereçado pelas Bets nas audiências públicas, também entendemos que o melhor caminho parecer ser o Brasil contar com um mercado regulado, como o atual, ao invés de conviver com a um mercado ilegal, no qual não haverá qualquer mecanismo de controle, fiscalização e sanção à disposição do próprio Governo.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *