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Nove aldeias indígenas localizadas em Roraima, do subgrupo Ninam, do povo Yanomami, estão contaminadas por mercúrio, aponta um estudo divulgado na última quinta-feira (4/4) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto Socioambiental (ISA). Os maiores níveis de exposição ao mercúrio foram identificados em indígenas que moram nas aldeias mais próximas aos garimpos ilegais de ouro. A pesquisa identificou a presença do metal em amostras de cabelo de 287 pessoas analisadas, incluindo crianças e idosos.
Dessas 287 amostras examinadas, 84% registraram níveis de contaminação por mercúrio acima de 2,0 µg/g. Outros 10,8% ficaram acima de 6,0 µg/g, índice considerado alto, que requer atenção especial e investigação complementar. Em ambas as faixas de contaminação, segundo a Fiocruz, há a necessidade de notificar os casos ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), a fim de se produzir estatísticas oficiais sobre o problema na região.
O estudo também detectou que os indígenas com níveis mais elevados de mercúrio no corpo apresentam déficits cognitivos e danos em nervos nas extremidades, como braços e mãos, pés e pernas, com maior frequência.
“Esse cenário de vulnerabilidade aumenta exponencialmente o risco de adoecimento das crianças que vivem na região e, potencialmente, pode favorecer o surgimento de manifestações clínicas mais severas relacionadas à exposição crônica ao mercúrio, principalmente nos menores de 5 anos”, explica Paulo Basta, médico e coordenador do estudo.
Uma orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que níveis acima de 6 microgramas de mercúrio por grama de cabelo (μg.g-1) podem trazer sérias consequências à saúde, principalmente a grupos vulneráveis. Assim, indica que não existe um limite seguro para exposição ao Hg.
Além da detecção da presença do metal pesado, o estudo fez exames clínicos a fim de identificar doenças crônicas não transmissíveis, como transtornos nutricionais, anemia, diabetes e hipertensão. Ao realizar o cruzamento dos dados, os pesquisadores observaram que, nos indígenas com pressão alta, os níveis de mercúrio acima de 2,0 µg/g são mais frequentes do que nos indígenas com pressão arterial normal.
Também foram realizados no estudo testes para estimar a prevalência de doenças infecciosas e parasitárias, incluindo malária e e infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) como HIV/Aids, sífilis e hepatites B e C.
A pesquisa ainda revela que mais de 80% das pessoas analisadas relataram ter tido malária ao menos uma vez na vida, com uma média de três episódios da patologia por indivíduo. Em 11,7% dos examinados, por exemplo, o estudo detectou casos de malária vivax e falciparum sem manifestações clínicas evidentes, características comuns em áreas de alta transmissão da doença.
Risco para as crianças
De acordo com o estudo, mais de 25% das crianças menores de 11 anos tinham anemia e quase metade delas apresentou desnutrição aguda. Além disso, 80% delas apresentaram déficits de estatura para idade, o que sugere um estado de desnutrição crônica conforme os parâmetros da OMS.
Um outro dado considerado alarmante aos pesquisadores é referente à cobertura vacinal desse grupo. Na região em que foi feita a pesquisa, somente 15,5% das crianças estavam em dia com as vacinas do calendário nacional de imunização.
Também foram analisadas 47 amostras de peixes, sendo 14 de água e sedimentos do rio Mucajaí e afluentes. De acordo com os resultados da pesquisa, todas as amostras apresentaram algum grau de contaminação por mercúrio, sendo as maiores concentrações detectadas em peixes carnívoros, em espécies muito apreciadas na Amazônia, como o mandubé e piranha.
A análise do risco atribuível ao consumo de pescado revelou que a ingestão diária de mercúrio excede em três vezes a dose de referência preconizada pela Agência de Proteção Ambiental do governo estadunidense (U.S.EPA). A análise das amostras de água não revelou contaminação por mercúrio. Por outro lado, duas amostras de sedimentos apresentaram níveis de mercúrio acima do nível 1 da resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que trata do tema.
O estudo realizou as coletas na região do Alto Rio Mucajaí, em outubro de 2022. Há décadas a região é alvo do garimpo ilegal, o que contribuiu para causar e agravar a destruição ambiental, insegurança, violência e prejuízos à saúde dos indígenas.
“O garimpo é o maior mal que temos hoje na Terra Yanomami. É necessário e urgente a desintrusão, a saída desses invasores. Se o garimpo permanece, permanece também a contaminação, devastação, doenças como malária e desnutrição e isso é o resultado dessa pesquisa, é a prova concreta!”, enfatiza Dário Vitório Kopenawa, o vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY).
Recomendações dos pesquisadores
Baseando-se no cenário encontrado durante os estudos, os pesquisadores recomendam ações emergenciais, como a retirada imediata do garimpo e do uso do mercúrio, bem como a desintrusão de invasores e a construção de unidades de saúde em pontos estratégicos da Terra Indígena (TI) Yanomami.
“Não é a primeira vez que a Fiocruz faz uma pesquisa na Terra Yanomami e que comprova que os nossos parentes estão contaminados pelo mercúrio. Isso é muito grave! As nossas crianças estão nascendo doentes. As mulheres estão doentes, os nossos velhos estão doentes! O nosso povo está morrendo por causa do garimpo”, analisa Dário Kopenawa.
Como ações estruturais, os pesquisadores propõem que haja a atualização da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (Pnaspi), que seja assegurada a presença regular de profissionais de saúde e que também se invista na formação continuada de agentes indígenas de saúde.
Além disso, indicam como necessárias ações específicas para as populações expostas e potencialmente expostas ao mercúrio, como: rastreamento de comunidades cronicamente expostas ao mercúrio, para a realização de diagnósticos laboratoriais tempestivos a fim de avaliar pessoas com quadros sugestivos de intoxicação por mercúrio já instalados.
Também propõem a elaboração de protocolos e rotinas apropriadas para diagnóstico e tratamento de pacientes com quadro de intoxicação por mercúrio estabelecido e criação de um centro de referência para acompanhamento de casos crônicos e/ou com sequelas reconhecidas.
Ações governamentais na TI Yanomami
No início de 2023, após a deflagração da crise humanitária dos povos indígenas Yanomami, o Ministério da Saúde anunciou a retomada de políticas públicas de saúde indígena e o cuidado com essa comunidade. Em fevereiro deste ano, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, a secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, Ethel Maciel, e o secretário de Saúde Indígena, Weibe Tapeba, conversaram com a imprensa para anunciar medidas para a TI Yanomami.
De acordo com a pasta da Saúde, como resultado das ações de saúde no território Yanomami, houve aumento de 53% no número de profissionais em atuação no território, passando de 690 profissionais para 1.058 entre 2022 e 2023. Entre os profissionais do Mais Médicos, o número passou de 9 para 28 em atividade.
Com isso, segundo os dados divulgados pelo Ministério da Saúde em fevereiro, 10 mil atendimentos foram registrados e 3,8 mil pacientes tiveram alta da Casa de Saúde Indígena (CASAI). Também foram realizadas 3.407 remoções de pacientes que precisavam de atendimento médico, por meio terrestre ou aéreo, com a Operação Gota registrando 59 mil vacinas aplicadas em 2023.
Em março, a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) realizou uma oficina em Brasília (DF) planejamento das ações locais e estabelecimento de compromisso político e técnico para a eliminação da malária nos territórios indígenas, incluindo a TI Yanomami. No mesmo mês, o Ministério da Saúde anunciou a incorporação da Tafenoquina 150mg, o medicamento em dose única para a cura da malária, sendo o território Yanomami a primeira região no Brasil a receber a oferta do remédio.
Apesar das ações no território, no último dia 26, o Ministério dos Povos Indígenas divulgou estimativas que apontam que cerca de 7 mil garimpeiros ilegais ainda continuam em atividade na TI Yanomami. Segundo os dados oficiais divulgados, o número de invasores ilegais diminiu em 65%, se comparado ao período de início das ações do governo federal – em que foi registrada a presença de cerca de 20 mil garimpeiros na região.