Tributos devolvidos às concessionárias devem ser restituídos ao consumidor

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A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7324, incluída na pauta do plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) de 22 a 29 de novembro de 2024 e relatada pelo ministro Alexandre de Moraes, questiona a constitucionalidade da Lei 14.385/2022, que prevê os termos da devolução de tributos pagos a maior pelos consumidores de energia elétrica.

O julgamento presencial foi iniciado em 4 de setembro de 2024 com a leitura do relatório e voto pelo ministro relator Alexandre de Moraes. A ação já conta com maioria favorável à constitucionalidade da norma, com os ministros concordando com a devolução de valores à coletividade de consumidores por meio da política tarifária para evitar o enriquecimento ilícito das concessionárias. O ministro Flávio Dino acompanhou o relator na improcedência da ação, mas divergiu quanto à prescrição, defendendo que a devolução dos valores pagos indevidamente não deve ter prazo prescricional.

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A divergência atual entre os ministros está na modulação temporal dos valores a serem restituídos, ou seja, o período que a restituição deve abranger. Essa decisão pode estabelecer um precedente importante, importante para reforçar um sistema regulatório mais justo e equitativo para os consumidores.

A Lei 14.385/2022, embora voltada ao setor elétrico, deve servir como baliza a outros setores de concessão pública, como o gás canalizado. A Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (ARSESP) concluiu que a devolução de tributos pagos indevidamente deve se estender a todos os setores regulados, garantindo que benefícios financeiros de decisões judiciais sejam repassados ao consumidor. Essa interpretação alinha-se ao princípio da isonomia previsto no art. 5º da CF, justificando práticas uniformes de correção e devolução entre diferentes setores, promovendo um sistema de concessão que valoriza o equilíbrio econômico e a modicidade tarifária.

Nesse sentido, Kelsen destaca que o legislador e o intérprete devem atuar dentro de uma “moldura” limitada pela norma superior, fundamentando a atuação das agências reguladoras para garantir equilíbrio econômico e devolução justa de valores indevidos, respeitando o direito dos consumidores. A devolução gradual desses valores em setores como energia e outros setores concedidos reflete um “diálogo constitucional,” promovendo coerência e isonomia no tratamento ao consumidor.

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A aplicação da Lei 14.385/2022, fundamentada na Lei de Concessões (Lei 8.987/1995), determina que ganhos financeiros obtidos por alívios tributários ou decisões judiciais beneficiem o consumidor final em vez de serem retidos pelas concessionárias, reforçando o papel das agências reguladoras em manter o equilíbrio econômico-financeiro e promover práticas justas nas devoluções tributárias. O Direito deve ser visto como um sistema interconectado, em que normas se harmonizam para garantir a coerência e integridade do ordenamento, como destacado por Ronald Dworkin, justificando regimes equitativos de política tarifária para a coletividade de consumidores de serviços concedidos.

A preservação do equilíbrio econômico-financeiro, conforme os princípios constitucionais de dignidade e direito ao consumidor (art. 170, inciso V, CF), reforça uma administração pública voltada ao interesse coletivo e à devolução de valores cobrados indevidamente. A retenção desses tributos configura enriquecimento injusto, e a devolução, garantida pela Lei 14.385/2022, estabelece uma política pública essencial para corrigir distorções no setor energético e tutelar os direitos da coletividade de consumidores que arcaram com o ônus de tributos restituídos pelas concessionárias de energia. Esse mesmo princípio deve orientar a atuação nos demais setores regulados pela Lei 8.987/1995, assegurando o equilíbrio econômico e financeiro na execução da política tarifária.
É importante destacar a convergência nas falas dos ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Flávio Dino, que defendem que a não restituição dos valores recebidos pelas concessionárias aos consumidores resultaria em enriquecimento ilícito. Segundo esses ministros, a solução justa é que o ônus suportado coletivamente pelos consumidores com o pagamento dos tributos agora restituídos seja devolvido a eles, garantindo justiça na execução da política tarifária das concessões públicas.

A ADI 7324 tem um impacto econômico relevante para os consumidores, pois a devolução dos tributos pagos a maior implica uma redistribuição financeira significativa, resultando em alívio tarifário e compensação aos consumidores. Embora o foco desta ADI seja o setor de energia, é crucial observar o impacto também em outros serviços sob concessão, como o gás canalizado. Conforme a ARSESP, a Comgás, por exemplo, deve restituir cerca de R$ 1,8 bilhão, cobrindo créditos de R$ 1,014 bilhões de julho de 2008 a fevereiro de 2017, e R$ 786 milhões de março de 2017 a dezembro de 2021. Outras concessionárias, como Naturgy e Gás Brasiliano (GBD), também devem restituir valores, sendo R$ 123,42 milhões e R$ 51,6 milhões, respectivamente. A ARSESP recomenda a devolução gradual ao longo dos ciclos tarifários, visando um impacto equilibrado e a preservação da modicidade tarifária. Nacionalmente, estima-se a devolução de R$ 3,6 bilhões em descontos tarifários aos usuários de gás natural, conforme dados financeiros das próprias distribuidoras.

Nesse contexto, a devolução dos tributos ressarcidos às concessionárias deve ser realizada pelas agências reguladoras via política tarifária, com o direito ao ressarcimento surgindo quando as concessionárias recebem os valores, não podendo se falar de inércia da coletividade de consumidores antes desse recebimento efetivo, ao nosso ver. Assim, esse fato parece essencial para instruir o debate na ADI em tela em torno da modulação temporal.

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A decisão do STF na ADI 7324 e a manutenção da Lei 14.385/2022 consolidam um marco regulatório para o setor de energia e outros serviços públicos concedidos. O julgamento estabelece um precedente ao assegurar que ganhos financeiros de decisões judiciais sejam repassados aos consumidores, evitando o enriquecimento das concessionárias e promovendo um sistema tarifário mais justo, voltado à sustentabilidade econômica e à proteção dos direitos dos consumidores. Para o futuro, recomenda-se que agências reguladoras e concessionárias adotem práticas para garantir a devolução justa e contínua de créditos tributários, como o modelo gradual proposto pela ARSESP, que distribui os valores ao longo dos ciclos tarifários, fortalecendo a confiança no regime jurídico de concessão.


[1]  KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. de João Batista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 261 e 391.

[2]  Os “diálogos constitucionais” promovem a interação entre Judiciário e Legislativo para a aplicação harmoniosa e fundamentada das normas, conforme destaca a doutrina contemporânea. Cf.; MENDES, Conrado Hübner. Direitos fundamentais, separação de poderes e deliberação. Tese de doutorado. São Paulo: USP, 2008; BRANDÃO, Rodrigo. Supremacia judicial versus diálogos constitucionais: a quem cabe a última palavra sobre o sentido da Constituição? Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.

[3]  SAVIGNY, F. C. Los fundamientos de la ciencia jurídica. In.: La ciencia del derecho, s. t., Buenos Aires: Losada, 1949. p. 83/84; SAVIGNY, F. C. Sistema de derecho romano actual. 2ª ed. Madrid: Centro editorial de Górgora, s.d. t. 1, p. 187.

[4] DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 213.

[5] Nota técnica ARSESP, folhas de 8 a 11.

[6] Dados de outubro de 2022.

[7] Comgás, Naturgy, GBD, Gasmig, CEG, CEG-Rio, ESGás, Sulgás, SCGás, Compagás, Bahiagás, Copergás, PBGás, Cegás, Algás, Sergás, MSGás e Cigás.

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