Manifestações contra jornada 6×1 são oportunidade para governo recuperar apoio popular

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Para alguns analistas e personagens da política nacional, as manifestações pelo fim da jornada de trabalho 6×1, que prevê seis dias de trabalho semanais para um de folga, que tomaram as redes sociais e as ruas do Brasil nas últimas semanas surgiram como um raio em um céu azul. No entanto, para os observadores mais atentos do cenário político, não há muita surpresa no desenrolar dos fatos que tomam o país atualmente. 

Surgido há pouco mais de um ano em setembro de 2023, o movimento VAT (Vida Além do Trabalho), cuja bandeira é o fim da jornada 6×1 e implementação da escala 4×3 (quatro dias de trabalho para três folgas semanais), foi criado pelo ex-balconista e tiktoker Rick Azevedo. Eleito nas últimas eleições para vereador pelo PSOL do Rio de Janeiro, Azevedo foi o candidato mais votado do partido. Com mais de 29 mil votos, ele ficou à frente de nomes tradicionais que não conseguiram se eleger. Apesar de ter contado com poucos recursos partidários em sua campanha, Azevedo conseguiu ficar em 12º lugar entre os candidatos mais votados da cidade. 

O político soma 351 mil seguidores no Instagram e há cerca de um ano criou um abaixo-assinado pelo fim do regime 6×1 que atualmente conta com mais de 2,9 milhões de adesões. Do total de assinaturas, 1,3 milhão foi coletado apenas nas duas últimas semanas, quando o movimento obteve maior exposição por meio de “tuitaços” nas redes sociais e matérias em veículos jornalísticos. Até então, a Lei da Ficha Limpa era o projeto de lei que havia obtido mais apoio popular, contando com cerca de 1,6 milhão de assinaturas.

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Nessa última sexta-feira (15), em decorrência do crescimento do tema nas mídias, o movimento realizou manifestações pelo país levando milhares de pessoas às ruas de dezenas de cidade, incluindo capitais como São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, Fortaleza, Curitiba, Aracaju, Belém, Vitória e Porto Alegre. 

Os protestos tiveram como objetivo apoiar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da deputada federal Erika Hilton (PSOL) contra a escala 6×1, que abraçou a causa e conseguiu até agora 231 assinaturas de deputados em apoio ao projeto, número superior às 171 necessárias para ser protocolada na Câmara dos Deputados. Pela proposta, a jornada semanal será reduzida de 44 horas para 36 horas e o número máximo de dias trabalhados por semana passaria a ser quatro sem redução dos salários.

Portanto, os acontecimentos atuais fazem parte de um processo que teve início há mais de um ano e se inserem em um contexto maior iniciado em junho de 2013 com as manifestações pelo Passe Livre. Aqueles protestos representaram uma ruptura do pacto de conciliações que havia marcado a Nova República desde o seu início e, como já discuti nesta coluna em artigos anteriores, revelaram um esgotamento do sistema político e uma revolta da população em prol de mudanças estruturais na sociedade que se estendeu pelos anos seguintes. Essa tensão, todavia, não foi resolvida e vem se acumulando desde então, o que resultou no crescimento da extrema-direita, que adotou o discurso antissistema e conseguiu capturar a insatisfação popular.  

Segundo o filósofo Vladimir Safatle, aquele “foi o momento no qual seria possível ter posto uma outra agenda de debates mais vinculada ao aprofundamento da democracia direta, das políticas de combate à desigualdade, e no entanto, a posição da esquerda institucionalizada brasileira foi completamente reativa”.

Caminhando na contramão da história, Luiz Marinho (PT), ministro do Trabalho e Emprego, adotou posição recuada diante das reivindicações pelo fim da jornada 6×1 e disse que ela deveria ser “tratada em convenções e acordos coletivos de trabalho”

Em outra amostra de incompreensão do cenário político atual, o governo Lula vem discutindo ainda um enorme pacote de corte de gastos de R$ 70 bilhões nas áreas da Previdência, Desenvolvimento Social, Trabalho e Emprego, Saúde e Educação para os próximos dois anos. Na última quarta-feira (13), Fernando Haddad (PT), ministro da Fazenda, disse que o pacote está pronto, mas que não há previsão de data de divulgação.

Embora os detalhes finais ainda não tenham sido divulgados, é evidente que essas medidas fazem parte de uma estratégia de austeridade que aprofunda o novo arcabouço fiscal e ataca diretamente conquistas sociais históricas. O objetivo do governo é impor o mesmo teto de gastos do arcabouço, aprovado em 2023, às despesas obrigatórias – como benefícios previdenciários, abono-salarial e seguro-desemprego. 

O pacote de austeridade anunciado é a segunda fase desse programa e consiste em um ataque direto aos direitos sociais, buscando comprimir e até eliminar o que é garantido pela Constituição para que se cumpra o novo teto de gastos. Essa estrutura fiscal, inclusive, gera uma incompatibilidade entre os pisos constitucionais da saúde e educação, que também se encontram sob ataque, algo que nem mesmo o governo de Jair Bolsonaro (PL) se atreveu a fazer.

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Isso, porém, gerou manifestos contra esse pacote assinados inclusive por partidos e movimentos sociais da base do governo, dentre eles o próprio PT. Outro manifesto, que reúne quase 40 mil assinaturas por enquanto de intelectuais, sindicalistas, militantes de movimentos sociais e parlamentares, condena o conjunto das medidas de cortes sociais e defende que o novo arcabouço fiscal seja alterado ou revogado.

Segundo este documento, “ao abandonar investimentos em áreas essenciais, o governo abre caminho para o avanço de discursos autoritários e reacionários que se alimentam do desespero e da frustração popular. Essa estratégia é exatamente o que a extrema direita espera: um governo enfraquecido, incapaz de responder às demandas sociais e cada vez mais submetido aos interesses financeiros”.

Agora, portanto, o governo encontra-se diante de um impasse que pode resultar em uma nova jornada de manifestações como as de 2013, com consequências imprevisíveis. Entretanto, até agora, Lula não parece ter compreendido a revolta popular e corre o risco de entregar o poder de mão beijada à extrema direita em 2026. 

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