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O paradigma de atuação da administrativa pública vem sendo substancialmente alterado ao longo das últimas décadas. Princípio democrático, complexidade e pluralidade de interesses a serem tutelados no exercício da atividade administrativa, busca pela eficiência e efetividade das decisões administrativas. São estes, conjugados, apenas alguns dos elementos que fazem com que o uso das tradicionais prorrogativas públicas, que marcavam a forma de a administração pública se relacionar com particulares, seja colocado de lado e passe a assumir protagonismo a adoção de formas de atuação marcadas pelo diálogo e consensualidade.
É justamente nesse contexto que a discussão em torno da possibilidade de celebração de acordos administrativos pelas Agências Reguladoras se insere.
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A ideia de formalização de acordos administrativos pautados pela consensualidade sofreu, historicamente, resistência. Soluções ditadas unilateralmente pela administração eram encaradas, por muitos, como se naturais e, até mesmo, desejáveis fossem. Esse modelo de atuação, contudo, passa a mostrar suas fragilidades na medida em que a decisão proferida de forma unilateral, com base em soluções prescritas em lei, passa a não ser capaz de resolver de forma adequada e efetiva problemas que surgem diante de situações fáticas que se revestem de maior complexidade ou que requerem a adoção de medidas específicas não antevistas no plano normativo.
Embora o fundamento para a celebração de acordos administrativos no Brasil já pudesse ser inferido de normas há muito em vigor, foram editadas leis diversas com o objetivo de solapar quaisquer dúvidas remanescentes com relação à possibilidade de celebração de tais acordos.
Nesse sentido, vale fazer menção às importantes alterações introduzidas pela Lei Federal 13.655/2018 ao Decreto-Lei 4.657/1942 (“LINDB”). A lei é expressa no sentido da ampla admissibilidade acordos administrativos para “eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença” (art. 26). Além disso, são previstas balizas que trazem densidade normativa suficiente para a celebração de acordos administrativos, independentemente da edição de regulamentos infralegais específicos (parágrafo primeiro do art. 26).
Não bastando os preceitos estabelecidos pela Lei Federal 13.655/2018, houve, no caso específico das Agências Reguladoras, a incorporação de dispositivo na Lei Federal 13.848/2019 (“Lei de Agências Reguladoras”) autorizando, de forma expressa, a realização de termos de ajustamento de condutas (art. 32). A esse preceito somam-se outros estabelecidos por legislações setoriais específicas.
Embora não deva remanescer dúvida quanto à possibilidade de celebração de acordos administrativos pelas agências reguladoras, nota-se que, em diversos setores, não se trata de prática recorrente.
Tem havido esforço no sentido da edição de normas infralegais para disciplinar o procedimento de negociação de acordos e hipóteses de cabimento. Neste sentido, vale fazer menção à Resolução 5.823/2018 da ANTT, Resolução 24/2020 da ANA, Resolução 818/2021 da ANP e Resolução 92/2022 da ANTAQ. Há agências, por outro lado, que não dispõem de regulamentação infralegal e tampouco tem utilizado estes instrumentos, como é o caso da ANEEL, ANM e ANVISA.
A ausência de regulamentação ou a previsão infralegal de celebração de acordos em hipóteses restritas é encarada, por muitos agentes públicos, como circunstâncias que impediriam a celebração de acordos administrativos de forma ampla, a despeito da existência de permissivos legais para sua realização. Tal prática acaba por perpetuar, em muitos casos, soluções ditadas de forma unilateral e que impedem a adoção de soluções verdadeiramente efetivas, adequadas e eficientes para a resolução das controvérsias submetidas à apreciação das Agências.
Um dos principais atributos e benefícios inerentes à celebração de acordos administrativos é, justamente, a maior flexibilidade inerente a este instrumento para a consecução das finalidades pretendidas e a possibilidade de experimentação. Além de não ser possível, tampouco se mostra desejável disciplinar, de forma exaustiva, em normas, todos os aspectos a serem considerados para a celebração de acordos. Em casos nos quais a solução mais adequada, do ponto de vista da efetividade dos interesses a serem tutelados e das finalidades desejadas, não puder ser atingida por meio da mera adoção de soluções unilaterais, a via consensual poderá ser o melhor caminho.
Não se trata de impedir, para todo e qualquer caso, a adoção de decisões unilaterais, mas sim de manejar os instrumentos mais adequados à luz das particularidades envolvidas em cada caso concreto.
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Somente com a experiência prática na celebração de acordos administrativos será possível acumular erros e acertos capazes de demonstrar o que funciona, ou não, para determinado setor e situação, a qual pode servir de base, inclusive, para a edição de eventual regulamento futuro estabelecendo o detalhamento para a formalização de acordos, se necessário.
Impossibilitar que o caminho da consensualidade seja percorrido, certamente não será a forma mais promissora para que se chegue ao destino final por ele viabilizado – o qual, para muitos casos, poderá proporcionar resultados mais adequados, eficientes e efetivos.