Como a Justiça tem decidido sobre a taxa de fiscalização sobre parques eólicos

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Uma controvérsia sobre a tributação dos parques de energia eólica tem ganhado espaço no Judiciário brasileiro. Empresas do setor questionam a legalidade e a constitucionalidade dos valores de uma taxa de fiscalização que alguns municípios cobram para supervisionar os aerogeradores. A alegação é a de que o valor cobrado pelas prefeituras é desproporcional aos gastos efetivos com a fiscalização.

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Um levantamento feito pelo escritório L.O. Baptista Advogados encontrou 125 decisões relacionadas ao assunto — algumas referentes ao mesmo processo em diferentes fases recursais. A maior parte delas são originárias dos Tribunais de Justiça dos estados do Rio Grande do Norte, Pernambuco e Paraíba.

De acordo com a análise do escritório, as discussões sobre as taxas começaram a ganhar relevância na Justiça em 2016. Os advogados do L.O. Baptista também notaram que a maioria dos casos era desfavorável ao pedido dos contribuintes até 2022, cenário que começou a mudar desde então.

Sem consenso

A análise feita pelo escritório mostra que, mesmo com a mudança de tendência em 2022, as decisões da Justiça sobre as taxas de fiscalização ainda não pendem para nenhum lado. Há aproximadamente 50% de vitória para os contribuintes e 50% para os municípios. Em alguns casos, os contribuintes conseguiram demonstrar que a taxa era abusiva; em outros, os magistrados entenderam que os valores cobrados não eram excessivos.

Em alguns casos, a variação ocorre dentro do mesmo tribunal. Na apelação cível 0801571-20.2021.8.20.5105, o município de Guamaré, no Rio Grande do Norte, por exemplo, conseguiu reverter uma sentença que o impedia de cobrar uma taxa de fiscalização da empresa New Energy Options Geração de Energia S.A.

Por unanimidade, os desembargadores da 2ª Câmara Cível do TJRN deram provimento à apelação argumentando que não havia comprovação de que a taxa de R$ 1.500 por aerogerador era desproporcional e que teria comprometido a atividade econômica do contribuinte.

Já no julgamento da apelação cível 0100082-93.2017.8.20.0104, interposta pelo município de Parazinho, também no Rio Grande do Norte, a decisão dos desembargadores da 1ª Câmara Cível do TJRN foi na direção oposta.

O município apelava contra decisão da 1ª Vara da comarca de João Câmara, que declarou que a cobrança da taxa de R$ 1.000 por unidade de transmissão da empresa Santa Clara V Energias Renováveis era inconstitucional. Ao julgar o caso, os desembargadores mantiveram a decisão de 1º grau por entenderem que o valor cobrado estava “dissociado do custo efetivo da atividade estatal” e acarretava em “onerosidade excessiva”.

“Fica evidente que as Cortes não adotam um critério objetivo para determinar um valor ou método justo para a definição da taxa em questão”, diz o tributarista Wendell R. Dos Santos, do L.O. Baptista. Para o advogado, o que as decisões revelam é uma prevalência do entendimento de que a Taxa de Fiscalização e Funcionamento de Aerogeradores deve estar vinculada ao custo efetivo da atividade.

Santos acredita que a falta de definição de critérios mais objetivos, assim como a inexistência de decisões do STF e do STJ sobre o tema, gera insegurança jurídica para as empresas do setor, que não conseguem prever o quanto irão gastar com tributos.

Validade da taxa

A Taxa de Fiscalização e Funcionamento de Aerogeradores é criada pelos municípios para custear o trabalho de monitoramento dos parques eólicos, de modo a garantir que eles atuem em conformidade com as normas e regulações vigentes.

Especialistas ouvidos pelo JOTA defendem que a cobrança da taxa é válida, desde que o valor cobrado seja condizente com os custos das atividades de fiscalização. O próprio Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Tema 217 da Repercussão Geral, estabeleceu que é “constitucional taxa de renovação de funcionamento e localização municipal, desde que efetivo o exercício do poder de polícia, demonstrado pela existência de órgão e estrutura competentes para o respectivo exercício”.

Na Justiça, as empresas afirmam que, ainda que a cobrança da taxa seja constitucional, alguns municípios estão descumprindo o entendimento do STF de que o valor cobrado tem que ser proporcional ao custo que administração tem para exercer o poder de polícia. Outra queixa é a de que falta clareza sobre os critérios utilizados para estipular o valor cobrado.

Como cada município tem liberdade para decidir como calcular o valor, as taxas variam muito entre cada cidade. O município de Baraúna, na Paraíba, por exemplo, define o valor da taxa com base na potência instalada da central geradora de energia. Já em Guamaré, no Rio Grande do Norte, a taxa é calculada a partir de um valor fixo estipulado por aerogerador.

Mesmo em locais em que a base de cálculo é a mesma, os valores variam consideravelmente. Em Bonito, na Bahia, são cobrados anualmente R$ 12.500 por aerogerador. Já em Mataraca, na Paraíba, o valor anual é fixado em R$ 1.500 por aerogerador.

Santos, do L.O. Baptista, diz que a solução não necessariamente seria fixar um valor para a taxa, já que cada ente tem liberdade para estipular as próprias cobranças. “A taxa não pode ser colocada de forma arbitrária. É preciso que o município faça um estudo e tenha a cobrança lastreada em despesas”, diz o advogado. “Às vezes o município não tem corpo técnico para a fiscalização, não tem um engenheiro no quadro, e cobra a taxa”, acrescenta.

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Procurada pelo JOTA, a Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica) informou que tem recebido “queixas recorrentes” de seus associados sobre o assunto. “O progressivo aumento de maneira abrupta, recorrente e imprevisível tem assustado os investidores, que acabam recorrendo ao Judiciário com frequência”, diz Francisco Silva, diretor técnico regulatório da ABEEólica.

Outro problema que a associação tem percebido “com frequência” é o município condicionar a liberação de funcionamento dos parques eólicos ao pagamento das taxas de fiscalização, o que é considerado ilegal pelos advogados ouvidos na reportagem.

Origem das taxas

Escritórios de advocacia contratados pelas empresas do setor perceberam um fator comum entre os municípios que cobram a taxa: a presença de consultores externos auxiliando o Executivo local na instituição e cobrança dos valores de fiscalização. “Os consultores firmam contratos com as prefeituras e apresentam um pacote pronto, até com a lei que deve ser aprovada para instituir a taxa”, diz João Colussi, sócio do Mattos Filho.

O advogado conta que chegou a encontrar anúncios na internet dos consultores dizendo que lavram autos de infração e redigem decisões para a prefeitura cliente, o que ele considera usurpação da função pública. “Seria importante haver uma conscientização dos municípios pelo órgão regulatório lembrando que eles incorrem em crimes quando contratam os consultores”, afirma Colussi, que defende se tratar de usurpação da competência de funcionário público.

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Guilherme Tostes, sócio de Tributário do Bichara Advogados, diz ter encontrado o mesmo problema. “Alguns consultores externos fizeram turnês pelos municípios que têm parques eólicos vendendo a tese de que era possível ‘morder’ o dinheiro que vem das empresas com essas taxas”, diz.

A preocupação do tributarista é que essa prática se estabeleça, sendo comum a todos os municípios com parques eólicos, o que levaria a um aumento do custo de geração de energia eólica no país.

Na visão de Tostes, o problema é ainda mais grave: para ele, os municípios não têm a competência para fiscalizar a atividade de geração de energia. A fiscalização, na sua visão, deveria ser feita pela União. Procurada, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) não se manifestou até a publicação desta reportagem.

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