Proteção e prevenção absoluta: hora do STF garantir segurança de crianças na internet

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O Supremo Tribunal Federal (STF) se prepara para julgar a partir desta quarta-feira (27) a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, uma decisão com implicações diretas para a proteção dos direitos de crianças e adolescentes no ambiente digital no Brasil.

Considerando os perigos que eles sofrem diariamente nas plataformas digitais, essa análise deve ser orientada pela interpretação conforme o artigo 227 da Constituição Federal, que estabelece a prioridade absoluta à infância e à adolescência, assegurando que não sejam submetidos à negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão – nem mesmo no universo digital.

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O art. 19 do Marco Civil da Internet é frequentemente invocado por empresas para justificar a sua inação frente a conteúdos violadores dos direitos de crianças e adolescentes; que, segundo uma interpretação restritiva da lei, só poderiam ser objeto de moderação após o recebimento de ordem judicial específica. O texto constitucional, porém, não é omisso quanto aos deveres que cabem a esses atores: ele exige que empresas, como parte da sociedade, assumam um papel ativo na proteção, prevenção e cuidado de crianças e adolescentes.

Seria ilógica, nesse sentido, a necessidade de aguardar uma decisão judicial para remover conteúdos ou corrigir práticas que claramente violam direitos fundamentais desse público. Quando plataformas digitais negligenciam medidas preventivas, promovem conteúdos inapropriados ou ignoram denúncias, elas tornam-se responsáveis por omissões e atos próprios que perpetuam danos à população mais vulnerável: crianças e adolescentes.

O campo minado digital

A internet, para muitos, aparenta ser um parque de diversões colorido e gratuito. Mas, para as crianças e adolescentes, é frequentemente um campo minado. Conteúdo inapropriado, contato com criminosos abusadores, cyberbullying, e exploração comercial fazem parte de um modelo de negócios bilionário que capitaliza sobre sua vulnerabilidade.

Dados alarmantes revelam a dimensão do problema. Relatórios internacionais, como o da Internet Watch Foundation, mostram o aumento vertiginoso de abusos online, incluindo a sextorsão e o compartilhamento de materiais ilegais envolvendo crianças e adolescentes. Segundo a pesquisa Tic Kids Online, no Brasil, 93% das crianças e adolescentes de 9 a 17 anos usam a internet, e muitos relatam terem sido expostos a situações nocivas.

Esse cenário não é um acidente, mas uma falha sistêmica na arquitetura dos produtos e serviços digitais. As empresas pouco ou nada pensam na proteção dos mais vulneráveis, submetendo-os aos riscos gerados por seus modelos de negócios para maximizar a capitalização de sua atenção e dados pessoais.

A culpa não é da família ou da escola

A responsabilidade não pode recair exclusivamente sobre famílias ou escolas. O verdadeiro poder está nas mãos das grandes empresas de tecnologia, as Big Techs. Elas projetam plataformas com design viciante, monitoram cada movimento das crianças e lucram com a coleta de seus dados. A liberdade de expressão, também tão importante, não pode ser usada como escudo para negligenciar o dever constitucional de proteger os mais vulneráveis, por meio, por exemplo, de medidas e ferramentas preventivas de identificação de conteúdos nocivos, muitos já previstos nos termos de uso das plataformas.

Conforme o parecer da professora Ana Frazão, renomada especialista em Direito Civil, os modelos de negócios das plataformas digitais baseiam-se na coleta massiva de dados e no direcionamento micro segmentado de publicidade. Esse sistema, que se aproveita da vulnerabilidade de crianças e adolescentes, reforça o dever dessas empresas de proteger os direitos fundamentais dessas pessoas, em especial no que tange à sua segurança no ambiente digital.

A Constituição, o ECA e outras normas nacionais e internacionais, como o Comentário Geral 25 do Comitê dos Direitos da Criança da ONU e a recente Resolução 245 do Conanda, deixam claro que o ambiente digital deve ser desenhado com os direitos das crianças em mente. Quando empresas hospedam, circulam e promovem conteúdos prejudiciais ou deixam de implementar medidas de proteção, violam diretamente esses direitos.

O STF como guardião da infância e adolescência

O julgamento do artigo 19 do Marco Civil da Internet é uma oportunidade histórica para que o STF reafirme o compromisso constitucional com a infância e adolescência com absoluta prioridade. A interpretação conforme o artigo 227 da Constituição é não apenas necessária, mas urgente.

Empresas devem ser responsabilizadas por sua negligência e pela falta de mecanismos de proteção adequados, como verificação de idade, identificação de conteúdos nocivos de maneira automática e proibição, nos termos de uso, de conteúdos inerentemente ilícitos, como a publicidade infantil.

Esse julgamento vai além de regulamentações tecnológicas: trata-se de proteger a saúde e o desenvolvimento das crianças no presente, para que tenham um futuro sem as sequelas desse campo minado digital. Afinal, a internet que queremos é aquela que educa, conecta e promove desenvolvimento – sem explorar comercialmente nossos filhos, netas, sobrinhas e todas as crianças brasileiras.

O Marco Civil da Internet não pode ser interpretado de maneira que afaste essas responsabilidades do setor empresarial, devendo, isso sim, ser compatibilizado com o vasto arcabouço de proteção às crianças e adolescentes positivado no Brasil.

É chegada a hora de dizermos, com firmeza, que a proteção das crianças no mundo digital não é negociável. Não devemos afastá-las da internet, mas sim garantir que estejam nela de forma segura, para que cresçam com dignidade e liberdade.

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