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A arbitragem tem sido cada vez mais utilizada na comunidade internacional para resolução de litígios entre países, como questões climáticas, ambientais (exploração de recursos naturais) e de fronteiras. O mecanismo é usado até mesmo para tentar solucionar disputas entre Estados que estão em guerra. No entanto, no Brasil o uso do procedimento arbitral ainda não é tão comum nestas situações.
Com o fim da 2ª Guerra Mundial, em 1945, imaginou-se que com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Corte Internacional de Justiça (CIJ), as guerras fossem substituídas por processos pacíficos num tribunal permanente internacional como meio de resolução de litígios entre os países.
No entanto, não foi isso que aconteceu. De lá para cá, inúmeros conflitos armados eclodiram em diversas partes do mundo e, com isso, houve um enfraquecimento dos mecanismos multilaterais de solução de litígios, como a própria ONU e a Organização Mundial do Comércio (OMC). Neste cenário, especialistas apontam que a arbitragem tem se destacado como ferramenta de superação de disputas entre Estados.
“Estes organismos foram idealizados como espaços neutros. No entanto, temos assistido a uma utilização destes fóruns, principalmente a ONU, por alguns países que impõem uma pauta ideológica. Isto enfraquece estes fóruns, que passam a ser olhados como instituições parciais. Este descrédito abre espaço para a arbitragem, que oferece flexibilidade, rapidez e um processo mais adaptado às necessidades específicas das partes envolvidas naquela discussão específica. Além disso, a arbitragem não depende diretamente de instituições supranacionais, sendo construída a partir do consenso entre os Estados envolvidos na disputa, o que pode ser visto como uma vantagem em um cenário de fragmentação multilateral e fortalecimento de relações bilaterais”, afirma Gabriel Zugman, sócio do Domingues Advogados.
A arbitragem é um mecanismo extrajudicial de solução de litígios. Por ser menos burocrático, o processo arbitral costuma ser mais ágil do que uma ação judicial. Na arbitragem, as partes em disputa concordam, em uma cláusula de arbitragem, em submeter a controvérsia a um árbitro ou a um tribunal privado, que, ao final do processo, deve decidir quem tem razão.
Instituída em 1899 e sediada em Haia, na Holanda, a Corte Permanente de Arbitragem (CPA) foi criada para facilitar a arbitragem e outras formas de resolução de conflitos entre países. Nos anos 30 do século XX, passou a realizar arbitragens entre Estados e particulares. Em 2023, a CPA administrou 246 casos, 82 dos quais tiveram início no mesmo ano, de acordo com o relatório anual da entidade.
Os processos em tramitação na corte no ano passado referem-se a uma variedade de assuntos. Um deles é uma arbitragem entre o Azerbaijão e a Armênia, sobre o Tratado da Carta de Energia (acordo multilateral que entrou em vigor em 1988 sobre proteção do investimento, de resolução de diferendos, de trânsito e de comércio no setor da energia).
O Qatar e os Emirados Árabes Unidos são partes num procedimento arbitral sobre a Constituição da União Postal Universal. Num outro caso, uma arbitragem entre Paquistão e Índia discute o Tratado das Águas do Indo, numa controvérsia sobre a construção de hidrelétricas no rio. Outra arbitragem entre esses dois países refere-se à Convenção sobre a Conservação da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais da Europa, de 1979.
Questões climáticas e ambientais são cada vez mais fonte de conflitos entre Estados. O “Relatório de Litígios Climáticos Globais 2023” do Programa da ONU para o Meio Ambiente mostra que o número de processos que tratam de alterações climáticas passou de 884 em 2017 para 2.180 em 2022. Estas ações tramitam em 65 órgãos em todo o mundo: em tribunais internacionais, regionais e nacionais, procedimentos especiais da ONU e tribunais de arbitragem.
O desentendimento entre Rússia e Ucrânia, por exemplo, é alvo de um procedimento arbitral na Corte Permanente de Arbitragem desde 2016, quando a Federação Russa anexou a península da Crimeia. Os dois países estão em guerra desde fevereiro de 2022, quando tropas russas invadiram localidades próximas a Kiev, capital ucraniana.
“Embora o Direito Internacional Público enfrente sempre desafios para consolidar uma forma consistente de solucionar conflitos entre Estados, dada a sua soberania individual, a história humana já mostrou que a voluntária submissão dos Estados a Tribunais Arbitrais produz melhores resultados – políticos, econômicos e sociais – que a tentativa autônoma e soberana de encetar soluções. Quando a diplomacia não dá conta do conflito, evitar a guerra ou mesmo cessá-la por meio da arbitragem internacional é o método mais racional de resolver disputas”, conclui Brahim Bitar, sócio de resolução de disputas e arbitragem do Fonseca Brasil Advogados.
Para Hugo Tubone Yamashita, sócio do escritório Sacramone, Orleans e Bragança Advogados, as últimas duas décadas marcaram a consolidação definitiva da arbitragem como método de resolução de disputas no Brasil. Mas ainda não estamos em pé de igualdade com outros grandes centros arbitrais fora do país em relação à arbitragem internacional e principalmente com relação a disputas envolvendo Estados.
“O Brasil não é parte do International Centre for Settlement of Investment Disputes, um dos principais fóruns para debates sobre arbitragens envolvendo entes estatais e investidores. Assim, ainda é necessário investir mais em capacitação, treinamento e parcerias com órgãos estrangeiros para ampliar o corpo de profissionais atuantes em disputas internacionais, especialmente no que toca a disputas entre Estados”, avalia.
Para fortalecer a arbitragem em conflitos envolvendo o Brasil, Rodrigo Sluminsky, sócio do Gaia Silva Gaede Advogados, sugere incentivar a inclusão de cláusulas arbitrais em acordos bilaterais, reconhecendo a arbitragem como um mecanismo efetivo para a resolução de disputas.
“Além disso, é essencial fortalecer as câmaras de arbitragem brasileiras, para que possam atuar com celeridade e eficiência. Com o aumento de casos envolvendo temas transnacionais, certamente podemos enxergar aqui uma alternativa bastante interessante”, afirma.
Gabriel Zugman, do Domingues Advogados, concorda:
“Em comparação com os países de vanguarda de arbitragem, como França e Estados Unidos, por exemplo, ainda estamos engatinhando. Precisamos incentivar a formação de árbitros e advogados especializados em arbitragem internacional e comercial, com foco em litígios envolvendo o Brasil. Isso poderia posicionar o Brasil como um ator mais relevante no cenário arbitral global.”
Hugo Yamashita, do escritório Sacramone, Orleans e Bragança Advogados, ressalta que não é necessária nenhuma alteração legislativa para fomentar o uso da arbitragem entre o Brasil e outros países. Segundo ele, a Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996) positivou a arbitragem como método de solução de disputas, inclusive em âmbito internacional. Além disso, o Brasil atuou na formação da Corte Permanente de Arbitragem e foi signatário das convenções que lhe deram origem.
“O Brasil é ainda signatário da Convenção de Nova Iorque de 1958, acerca do reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras em disputas comerciais, bem como de diversos Acordos de Cooperação e Facilitação de Investimentos, os quais preveem a arbitragem como mecanismo de solução de disputas. Portanto, o Brasil não apenas já é um importante ator no âmbito da arbitragem internacional, como também conta com arcabouço legal bastante sólido. Evidentemente, sempre há espaço para melhorias, como, por exemplo, o fortalecimento de regras a respeito de transparência em disputas envolvendo estados e a adoção de padrões internacionais nesse sentido, como as regras da Comissão de Direito Comercial Internacional das Nações Unidas (UNCITRAL, na sigla em inglês).”