Aval para temporários na Saúde expõe fragilidade no controle de repasses

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Ao anunciar a contratação de 300 temporários, no dia 14/11, o Ministério da Saúde jogou luz sobre o histórico de falhas na prestação de contas e no controle do dinheiro que é repassado pela União para estados e municípios.

Esses trabalhadores devem ser chamados em processo seletivo simplificado, por quatro anos, prorrogáveis por novo período. Segundo o Executivo, o edital sairá em até seis meses. E a função deles será cumprir “as determinações do Acórdão 1283/2021, do Tribunal de Contas da União (TCU)”.

Ao se debruçar sobre o acórdão 1283/2021, o JOTA e a newsletter Por Dentro da Máquina identificaram que esse batalhão deve analisar anos e anos de instrumentos de repasse que não tiveram a devida prestação de contas. Segundo o TCU, um reflexo de falhas de controle que dificultam a punição de irregularidades na ponta.

O acórdão 1283/2021 estabelecia prazos de 90 dias para que a secretaria-executiva do Ministério da Saúde elaborasse e enviasse ao TCU “plano de ação para efetiva análise de todas as prestações de contas referentes às transferências com prazo de apresentação estipulado até 31 de dezembro de 2016 e entre 1º de janeiro de 2017 e 30 de junho de 2021”.

Ainda determinava que, em 120 dias, o plano de ação permita “a instauração, instrução e remessa das tomadas de contas especiais/inscrição de débitos inferiores decorrentes da reprovação dessas prestações de contas ou da omissão do dever de prestá-las”.

Ocorre que esses prazos nunca foram cumpridos, e o que se viu ao longo dos anos foi uma repetição de pedidos do Ministério da Saúde em busca de mais tempo para cumprir a determinação da Corte de Contas.

Pronunciamento da área técnica do TCU, obtido pelo JOTA, revela que, desde 2018, o Ministério da Saúde já pedia a prorrogação de prazo para a análise da prestação de contas das transferências. O primeiro pedido, referente a outro acórdão (3007/2018), foi de prorrogação por sete anos. O TCU concedeu dois anos.

Desde então, já foram protocolados ao menos três pedidos de dilação de prazo em relação às prestações de contas da Saúde, o que fez com que o TCU tivesse que discutir, inclusive, quando começaria a contagem. A última prorrogação, de 36 meses, foi concedida este ano, no acórdão 217/2024, “a contar do prazo final estabelecido pelo Acórdão 1.283/2021-TCU-Plenário, em 31/12/2022”.

O que o TCU já verificou

Embora o processo que subsidia o acórdão esteja com acesso restrito, bem como a exposição de motivos para contratar os temporários, a newsletter conseguiu, por meio de outro documento, entender a dimensão do trabalho a ser realizado. O acórdão 2077, de outubro de 2023, é um relatório de acompanhamento. Ali, o TCU verifica prazos de prestações de contas de transferências legais de recursos do SUS e das transferências voluntárias e afere a efetividade da cobrança administrativa dos valores. Também cita o acórdão 1283/2021.

Relatado pelo ministro Augusto Nardes, o documento traça um histórico das dificuldades do Ministério da Saúde para definir quem é responsável pela prestação de contas e para responder “qual é o volume de recursos reavidos por meio de cobrança administrativa” e “qual o volume de transferências encaminhadas para Tomadas de Contas Especial no TCU”.

O acórdão determina a adoção de medidas administrativas para solucionar questões como “inexistência de mapeamento de todas as transferências nas quais ocorreram irregularidades ensejadoras de débito para que se possa identificar, caso a caso, quais as providências adotadas até o momento para a recuperação do prejuízo ao erário, inclusive quanto a prescrição para o exercício das pretensões punitiva e de ressarcimento”.

Menciona a inexistência de “prazo para a emissão, por parte dos conselhos estaduais e municipais de saúde, de parecer conclusivo sobre o teor do Relatório Anual de Gestão”.

E trata ainda da “inexistência de informações sobre entes subnacionais e seus respectivos secretários de saúde que deixaram de apresentar, a partir de 31/3/2019, os respectivos Relatórios Anuais de Gestão aos conselhos estaduais e municipais de saúde, situação essa que caracteriza omissão do dever de prestar contas”.

Vale notar que o relatório cita avanços e ressalta a implementação e o aprimoramento da plataforma Transfere-Gov como passo importante para aumentar o controle dos recursos.

Revela ainda que uma força tarefa chegou a ser implementada na saúde para atender às determinações do TCU. “Ainda que o escopo de trabalho não abrangesse a totalidade de casos com necessidade de instauração de TCE, a iniciativa adotada conseguiu finalizar apenas 1/3 do conjunto que lhe foi encaminhado”, relata.

A médica Ligia Bahia, professora da UFRJ e especialista em saúde pública, destaca que as transferências da União para estados e municípios seguem regras bem estruturadas. O problema é a precariedade do controle sobre o uso desse dinheiro na ponta.

“Espero que esses 300 trabalhadores possam fazer um bom diagnóstico e apontar possíveis lacunas. O problema não é quando o município recebe os recursos, é quando paga às OSs, por exemplo. O Siops [Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde] dá uma foto esfumaçada e precisa melhorar. Ter mais dinheiro para a saúde é prioridade, mas o monitoramento também deve ser. Transparência é democrático e republicano”, avalia a pesquisadora.

O JOTA pediu esclarecimentos ao Ministério da Saúde sobre o acórdão 1283/2021 e o processo que levou ao pedido de contratação dos temporários. E questionou sobre o tamanho da tarefa que será dada aos temporários. Em nota, a pasta afirmou:

“A contratação de colaboradores temporários será realizada para cumprir a determinação do Tribunal de Contas da União (TCU). O Acórdão nº 1283/2021 – Plenário, do TCU, estabeleceu um novo prazo para que o Ministério da Saúde analise cobranças de prestação de contas de recursos transferidos a estados e municípios. Os colaboradores contratados farão um levantamento sobre a situação dos instrumentos de repasses de verbas do Ministério da Saúde”.

O JOTA também solicitou informações sobre o tema ao gabinete do ministro Vital do Rêgo, do TCU, e à Controladoria Geral da União. Porém, ambos não se manifestaram.

(Colaborou Daniel Haidar)

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