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O desenvolvimento do mercado de gás no estado do Rio Grande do Sul pode sofrer um duro revés, podendo gerar um precedente perverso para todo os demais estados da Federação.
Uma recente decisão da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (AGERGS), onde tramita a Revisão Tarifária Ordinária da Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul (Sulgás) de 2024, altera flagrantemente componentes do contrato de concessão, que afetam a receita bruta requerida da distribuidora e impactam a capacidade de investimento da concessionária.
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É com essa receita tarifária, vale ressaltar, que a distribuidora paga suas despesas, cumpre suas obrigações com funcionários, colaboradores e fornecedores, e tem a devida remuneração pelos serviços prestados.
Não é demais lembrar que, em média, essa receita representa 20% da tarifa final cobrada dos usuários, que ainda é afetada pelos custos de aquisição do gás e do transporte (50-60%), além dos impostos (~20%).
E a decisão da AGERGS altera dois pontos essenciais que interferem radicalmente no equilíbrio econômico-financeiro da concessão:
1. Exclusão da parcela associada aos tributos sobre a renda do cálculo do custo de capital (denominada ‘Parcela de IR’);
2. Utilização do volume realizado para fins de estabelecimento da margem bruta.
No primeiro item, a decisão da AGERGS vai na direção oposta à da segurança jurídica: a exclusão da parcela associada aos tributos sobre a renda do cálculo do custo de capital (denominada Parcela de IR).
É uma decisão flagrantemente contraditória com o entendimento firmado pela própria agência em 2023. Há pouco mais de um ano, a área técnica da AGERGS dispôs o seguinte sobre o tema:
“O imposto de renda é considerado um custo de capital no contrato de concessão porque ele afeta diretamente a rentabilidade dos investimentos realizados pela concessionária. Nesse tipo de contrato, as concessionárias investem recursos financeiros significativos em infraestrutura, equipamentos e tecnologias para a distribuição de gás canalizado aos consumidores. Esses investimentos exigem alto nível de financiamento, com captação de recursos em bancos e outras instituições financeiras, além do próprio capital da empresa. Nesse sentido, o imposto de renda afeta diretamente a rentabilidade desses investimentos, sendo considerado um custo de capital. A tributação sobre os lucros reduz o montante de recursos disponíveis para reinvestimento na empresa, o que pode afetar sua capacidade de ampliar a prestação dos serviços ou de realizar novos investimentos”.
Em resumo: para a revisão anual de 2023, a agência inseriu a componente IR no cálculo do custo de capital e, em palavras próprias, reconheceu que haveria um impacto para o Contrato de Concessão caso não fosse respeitada essa parcela nos investimentos. A fórmula de cálculo da margem bruta havia sido replicada corretamente naquele documento pela própria AGERGS, com a abertura do componente custo de capital, conforme disposto no Contrato de Concessão, onde está muito clara a inserção do IR para fins regulatórios.
O segundo item traz mais um caso de contrariedade a uma visão pacificada pela própria agência durante a revisão tarifária do ano passado, em 2023, quando a AGERGS reconheceu que, para fins de estabelecimento da margem bruta, deveria ser preservado o valor abordado no Contrato de Concessão, ou seja, 80% das previsões atualizadas das vendas de gás para o período de um ano.
Na ocasião, a Diretoria Técnica indicou que “não seria possível uma mudança para 100% do volume sob risco de causar insegurança jurídica, por obrigar uma alteração que não tem respaldo contratual.”
Vejam bem: são palavras da própria AGERGS!
O posicionamento de 2023 é taxativo em relação à prevalência do estabelecido em contrato.
E qual o impacto da decisão tomada em sessão no dia 19 de novembro de 2024?
Essa nova visão é frontalmente contrária ao disposto em contrato e, no mínimo, pediria uma discussão muito mais aprofundada sobre os riscos envolvidos, em fórum adequado e exógeno ao processo de revisão tarifária anual.
Em uma abordagem mais cuidadosa, a agência deveria resguardar o disposto entre as partes do Contrato – Poder Concedente e Concessionária –, sem sucumbir a pressões externas pontuais que se opõem ao crescimento da Concessão e à disponibilidade dos serviços de gás canalizado a mais usuários.
Também neste item, a AGERGS, no julgamento da sessão, deveria prever a aplicação dos dispositivos conforme disposto em Contrato de Concessão.
Os dois itens aqui explicados, desse modo, não deveriam estar sujeitos à interpretação regulatória em virtude da sua clareza e objetividade, o que fica evidente por posicionamentos técnicos anteriores da própria agência, que delimitavam bem a impossibilidade de alterações sem que houvesse quebra da segurança jurídica contratual.
Toda a infraestrutura de distribuição pleiteada pela proposta da distribuidora representa aproximadamente 20% da composição da tarifa final. Ou seja, aquele elo que efetivamente vem se propondo a atingir mais mercados para permitir a diluição dos custos e consequente modicidade tarifária, por meio destes investimentos para a expansão dos serviços e, também, da segurança operacional e garantia energética que atrai mercado, pode ser muito impactado com essa decisão tomada de forma abrupta.
Com a decisão, a AGERGS pode comprometer consideravelmente o crescimento da distribuição de gás canalizado, que visa atingir novos mercados possibilitando que indústrias, comércios e residências tenham acesso ao gás natural e biometano, ambos com resultados comprovados para a redução de emissões de carbono.
Um contrato de concessão nada mais é do que um ato jurídico perfeito. É legítimo afirmar, portanto, que mudanças súbitas e unilaterais em contratos de concessão, sobretudo em cláusulas econômicas, representam uma grave ameaça ao equilíbrio econômico-financeiro da concessão.
Tal equação econômica não pode ser tocada por entendimentos posteriores na medida em que o contrato foi concebido em conformidade com a legislação então vigente. Nesse contexto, foi incorporado ao patrimônio jurídico da concessionária, de modo a fundamentar o próprio equilíbrio econômico-financeiro da concessão, que deve ser preservado nos termos do artigo 37, XXI, da Constituição da República.
A preservação das cláusulas econômicas de um contrato de concessão é fundamental, pois está em consonância com os princípios da boa-fé e da confiança legítima, que devem orientar as relações entre o Poder Público e seus contratados.
Isso inclusive demanda um acompanhamento nacional, pois o entendimento até então firmado pela agência é similar ao adotado em muitos outros estados da Federação. Portanto, qualquer eventual alteração indevida e abrupta em sua estrutura certamente servirá como um grave precedente que poderá comprometer todos os investimentos em gás canalizado no País.
Eventuais entendimentos divergentes, sejam quais forem, exigiriam um debate em separado e mais aprofundado, na medida em que eventuais impactos econômico-financeiros demandam o necessário reequilíbrio e a consequente adequação contratual, de forma a preservar um dos princípios básicos da concessão previsto constitucionalmente, possibilitando a sustentabilidade do próprio contrato.
Possíveis evoluções no mercado devem ter base em análises econômicas, jurídicas e de impacto regulatório. É imperativo que todos os agentes examinem cuidadosamente os efeitos de uma eventual exclusão de garantias contratuais.
Decisões unilaterais que desconsiderem cláusulas contratuais entre o poder concedente e o concessionário certamente extrapolam o ambiente da distribuição de gás canalizado, podendo impactar outros setores regulados do Rio Grande do Sul, que precisam realizar investimentos essenciais para a reconstrução do Estado, após o desastre climático desse ano.
Isso fica ainda mais grave se consideramos, na prática, a AGERGS está alterando o contrato de concessão durante a aplicação do próprio plano regulatório em vigência. Os investimentos vêm sendo planejados e executados exatamente em linha com plano pactuado. Mudar as regras de jogo durante a vigência do contrato de concessão, abruptamente, lança a execução desse plano em um poço sem fundo.
Rever o entendimento da sessão de 19 de novembro de 2024 é indispensável para evitar que investidores vejam o Rio Grande do Sul como um destino pouco atrativo e inseguro para a alocação de recursos em setores relacionados a serviços públicos e infraestrutura, que demandam capital intensivo.
Para além disso, estar-se-ia prevenindo efeitos deletérios, tanto para a concessionária local quanto para seus consumidores e todos os agentes envolvidos na cadeia, de modo a garantir a preservação das noções de ato jurídico perfeito, segurança jurídica e confiança legítima.