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Com o fim das eleições, um fato que não surpreende voltou a chamar a atenção: o poder do dinheiro, em especial o dinheiro público, no resultado das campanhas eleitorais.
As motivações que levam os eleitores a escolherem seus candidatos nas eleições são inúmeras e diversas. A influência desses múltiplos fatores na decisão de voto varia de acordo com cada indivíduo, sendo moldada por aspectos territoriais, culturais, geográficos e outros, que não apenas diferem entre si, mas também têm pesos distintos a cada nova eleição.
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Mas é certo que a maior quantidade de recursos, públicos e privados, investidos na campanha é um fator importante e, na maioria das vezes, decisivo, o que tem motivado muitas alterações na legislação eleitoral ao longo do tempo com o objetivo de, se não eliminar – o que é claramente impossível –, ao menos atenuar a influência do poder econômico nas eleições.
Especial destaque é dado à preocupação com o uso de recursos públicos, que pertencem a todos e devem ser prioritariamente destinados a objetivos finalísticos voltados a atender às necessidades públicas.
O último pleito que se encerrou permite constatar que as medidas nesse sentido ainda não foram capazes de produzir bons resultados. “Centrão garante a hegemonia na cidades campeãs de emendas parlamentares” é o título da reportagem de André Shalders[1]; “Partidos com maiores fatias do orçamento secreto somam ganhos nas eleições”, afirma a reportagem de Marcela Matos na Veja[2]; “98% dos prefeitos mais turbinados com emendas se reelegem”, noticia a Folha de S. Paulo[3].
Os fatos, como evidenciado pela mídia, não deixam dúvidas de que o poder do dinheiro público nas eleições é muito forte e, sem dúvida, está interferindo nos resultados, privilegiando aqueles que conseguem instrumentalizá-lo para obter benefícios eleitorais.
Que o dinheiro é poder já se sabe desde tempos imemoriais, e não faltam aqueles que já explicitaram essa ideia. Há uma verdadeira coleção de pensamentos famosos a respeito: “Dinheiro é poder”, escreveu Andrew Jackson[4]; “A parte mais sensível do corpo humano é o bolso”, uma frase famosa atribuída ao ex-ministro da Fazenda Delfim Netto, falecido recentemente; “Quando eu era jovem, pensava que o dinheiro era a coisa mais importante do mundo. Hoje, tenho certeza”, afirmou Oscar Wilde; “O dinheiro compra até amor verdadeiro”, disse Nelson Rodrigues com seu humor ferino. A sabedoria popular é rica em provérbios, frases e pensamentos que comprovam o poder do dinheiro.
Entretanto, isso não condiz com os princípios da democracia. Os interesses da sociedade, que cabe ao Estado atender, devem ser representados por aqueles eleitos para, de fato, exercerem essa função em nome dos cidadãos. Não por indivíduos que alcançam posições de poder por meio de recursos financeiros que lhes permitem eleger-se sem a devida legitimidade.
No que tange ao uso de recursos públicos para essa finalidade, os instrumentos que viabilizam essa distorção democrática podem ser encontrados e explicados no âmbito do Direito Financeiro. Conhecê-los é o primeiro passo na busca de alternativas que aperfeiçoem o sistema e corrijam as imperfeições que, como se observa, continuam presentes no cenário eleitoral.
Um desses instrumentos está ocupando espaço na mídia nesse período eleitoral, como se pode notar nas notícias mencionadas anteriormente: trata-se das emendas parlamentares. Objeto de acaloradas discussões há anos, especialmente nos debates sobre o “orçamento impositivo”, sua relevância se intensificou ainda mais após a divulgação do que ficou conhecido como “orçamento secreto”[5].
As emendas parlamentares ao processo de elaboração do orçamento federal foram objeto de demandas judiciais no STF[6], de emendas constitucionais que a regulamentaram e motivaram a publicação da mais recente lei complementar, a LC 210, no último dia 25 de novembro.
Trata-se da principal forma pela qual os parlamentares colaboram na elaboração da lei orçamentária, caracterizada pela destinação de recursos a programas governamentais que podem abranger políticas públicas de diversas naturezas, como obras públicas, serviços de interesse público, transferências a entidades públicas, privadas, do terceiro setor, entes da federação ou qualquer outra legalmente permitida. Por meio dessas emendas o parlamentar exerce boa parte de sua função, alocando recursos para onde se espera que atendam aos interesses de suas bases eleitorais.
A questão é antiga[7], já que a participação dos parlamentares no processo orçamentário é não apenas necessária, mas também obrigatória, sendo uma exigência do Estado democrático de Direito. Nesse contexto, a divisão de poder entre os Poderes Executivo e Legislativo em matéria de finanças públicas é fundamental para manter íntegro o sistema de freios e contrapesos.
Décadas atrás, a participação dos parlamentares no processo orçamentário era bastante informal (e ainda é em muitos entes da Federação), envolvia negociações políticas e pouco regulamentadas. No âmbito federal, dada a alta complexidade, grande número de parlamentares envolvidos e, principalmente, os valores expressivos, surgiram as primeiras regras sobre o tema, em normas próprias do Congresso Nacional.
Institucionalizou-se a “cota” do orçamento destinada especificamente a acolher as emendas, e, a partir daí, o detalhamento das regras e a destinação dos recursos se intensificaram, passando, inclusive, a integrar o texto da Constituição.
Com o avanço mais recente das discussões sobre o mencionado “orçamento impositivo”, surgiu a emenda constitucional 86, de 2015, que foi seguida por outras[8], fazendo com que as emendas parlamentares assumissem um protagonismo inédito no processo orçamentário. Isso resultou em um aumento significativo nos valores a elas destinado, bem como o respectivo enforcement, tornando-as poderosos instrumentos de distribuição de recursos públicos.
Paralelamente a isso, também o sistema de transferências intergovernamentais passou por alterações importantes. Os meios pelos quais os recursos públicos transitam entre os entes da federação, e entre esses e outras entidades, foram sendo aperfeiçoados, surgindo novas possibilidades.
O sistema de transferências é fundamental nesse contexto, uma vez que, em regra, as emendas parlamentares têm como objeto as diversas espécies de transferências, e os parlamentares as utilizam como meio de alocar recursos às suas bases e setores de interesse.
As transferências voluntárias estão superficialmente regulamentadas em âmbito nacional, com a referência feita pelo art. 25 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), sendo várias as formas pelas quais se operacionaliza.
A elas somam-se as transferências especiais e as transferências com finalidade definida, introduzidas pela Emenda Constitucional 105[9], formando uma ampla gama de instrumentos pelos quais os recursos públicos são distribuídos. As emendas parlamentares, por sua vez, utilizam esses mecanismos para convertê-los em dividendos eleitorais.
Um sistema que, como se vê, está sendo aperfeiçoado, mas ainda há um longo caminho a percorrer, já que os resultados não têm se mostrado satisfatórios. A democracia não pode ter no dinheiro, especialmente quando é público, um instrumento que coloca os interesses da sociedade em segundo plano.
[1] https://www.estadao.com.br/politica/centrao-garante-a-hegemonia-nas-cidades-campeas-de-emendas-parlamentares/, publicada em 7.10.2024
[2] https://veja.abril.com.br/politica/partidos-com-maiores-fatias-do-orcamento-secreto-somam-ganhos-nas-eleicoes/?utm_source=pushnew, publicada em 12.10.2024
[3] https://www1.folha.uol.com.br/poder/2024/10/98-dos-prefeitos-mais-turbinados-com-emendas-se-reelegem.shtml, publicada em 8.10.2024
[4] Andrew Jackson, pocket veto message (Dec. 4, 1833), in Sen. J. 20, 30 (Dec. 5, 1833)
[5] Sobre o qual já escrevi em várias oportunidades, sendo a última na coluna publicada neste mesmo espaço dia 27.6.2024: Orçamento Secreto 3.0: a saga continua (https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-fiscal/orcamento-secreto-3-0-a-saga-continua).
[6] Como as ADPF 850, 851, 854, 1014 e ADI 7688, entre outras.
[7] Há mais de dez anos me referi ao tema no texto Emendas ao orçamento e o desequilíbrio de poderes, publicado em 2012, que integra o livro Levando o Direito Financeiro a sério – a luta continua, 3ª. ed., Blucher, 2019, pp. 219-222, com edição eletrônica gratuita (https://www.blucher.com.br/levando-o-direito-financeiro-a-serio_9788580394023)
[8] Emendas nº 86/2015, nº 100/2019, nº 102/2019, nº 105/2019 e nº 126/2022.
[9] Ver coluna Emenda constitucional 105: presente de Natal ou uma aposta na liberdade com responsabilidade?, publicada neste mesmo espaço, e que integra o livro A luta pelo Direito Financeiro, 2ª ed., 2024, Blucher, pp. 3-7, em versão eletrônica gratuita (https://www.blucher.com.br/a-luta-pelo-direito-financeiro-9786555503326), e também MASCARENHAS, Caio G. Orçamento impositivo e as transferências do art. 166-A da Constituição. In Revista Eletrônica da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro – PGE-RJ, Rio de Janeiro, v. 6 n. 1, jan./abr. 2023.