Alternativas à criptografia segura

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Há quase nove anos o WhatsApp teve seu bloqueio determinado por decisão judicial. O pano de fundo era o seguinte: as autoridades buscavam o conteúdo decriptado (tal como recebemos em nossos celulares; legíveis, portanto) de conteúdos trocados por determinados investigados.

O aplicativo, porém, aplica criptografia de ponta a ponta, ou seja, embaralha as mensagens com códigos numéricos longuíssimos, que só podem ser desembaralhadas pelo receptor, a partir de chaves trocadas prévia e automaticamente pelos participantes da conversa. Por meio dessa técnica, o conteúdo trafega pelos servidores do WhatsApp criptografado, isto é, ilegível.

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O tema da criptografia já foi enfrentado por diversos ângulos. O professor Miguel Reale Júnior, em texto de 2017, o tratou à luz da segurança pública; mostra com clareza como existe ali um falso dilema: sem criptografia segura, as pessoas estariam muito mais expostas à prática de delitos.

Já sob a ótica da privacidade e da proteção de dados (inserida no art. 5º em 2022), há consenso na comunidade acadêmica e profissional que a criptografia segura é o único método capaz de dar concretude a tais garantias constitucionais. Por fim, a defesa nacional, nos termos, entre outros, da Política de Segurança da Informação para o Sistema Militar de Comando e Controle, de 2023, demanda referida técnica, “para a proteção de documentos considerados sigilosos” (item 3.4.1, “b”).

À título exemplificativo, recentemente, hackers afiliados à China comprometeram redes de várias empresas de telecomunicações, conforme divulgado pelo governo dos EUA. Este incidente ressalta a importância de manter a criptografia segura como uma defesa essencial contra ameaças cibernéticas sofisticadas, que podem comprometer segurança nacional e a proteção dos direitos individuais.

Em breve, o Supremo Tribunal Federal dará seguimento a duas ações constitucionais ajuizadas em 2016, que já tiveram votos favoráveis à criptografia e, por coerência, contrários a bloqueios pela não produção de mensagens decriptadas às autoridades públicas, dos relatores ministros Edson Fachin e Rosa Weber.

Quero, aqui, propor um outro ângulo – ainda que articulado com os anteriores: qual a alternativa? Dito de outra maneira: qual o dia seguinte de um banimento do emprego de criptografia segura por aplicativos de mensageria?

Um cenário seria a remoção da segurança diretamente pelos aplicativos de mensageria – o que só se pode fazer em escala global, o que nos leva aos argumentos do professor Miguel Reale Jr.

Imagine-se, porém, um segundo cenário: para não mudar a espinha dorsal dos aplicativos de mensageria, a criptografia, decide-se por não mais operar no Brasil.

Longe de criar uma especulação ad terrorem, a intenção aqui é apenas chamar a atenção para o que é a criptografia: é um método de codificação; no limite, uma operação matemática. Proibir a criptografia, com algum exagero, mas não muito, seria como proibir a regra de três. Importante relembrar que o código-fonte do Signal, por exemplo, é público e gratuito.

Assim, é um fato inconteste que hoje é muito simples e barato a confecção de um aplicativo por organizações criminosas, protegido por criptografia segura. Sem sede, sem representante legal, sem conta bancária no Brasil. Só restaria às autoridades, nesses casos, banir os aplicativos do ambiente virtual, com todas as reconhecidas dificuldades, e sem nenhum ganho investigativo.

O WhatsApp é reconhecido por sua cooperação diuturna com as autoridades de persecução criminal, produzindo valiosos metadados. Atendendo à ponderação do Marco Civil da Internet (não há obrigação de armazenar as conversas, porém há a de guardar e fornecer metadados às autoridades), armazenam-se, por exemplo, logs de conexão de IPs por seis meses, permitindo-se localizar geograficamente investigados e mapear suas conexões virtuais.

O uso criminoso de aplicativos de mensageria é marginal à luz da infinidade de benefícios sociais (comunicação segura e barata), econômicos (quem nunca comprou ou vendeu produtos e serviços via aplicativo de mensageria?) e institucionais (a exemplo do chatbot feito em parceria com o Tribunal Superior Eleitoral).

E, curiosamente, para os órgãos de persecução criminal também é vantajoso que essa esmagadora minoria empregue aplicativos que guardam e entregam às autoridades metadados valiosos. A alternativa? Ou bem fragilizar todas as comunicações no Brasil, abrindo-se flanco para mais crimes, ou bem convidar o crime organizado a ambientes fechados, protegidos por criptografia segura, à margem de qualquer controle estatal.

Decididamente, a criptografia segura é bem social, econômico e institucional, vetor de concretização de diversas garantias constitucionais. E não se entrevê nenhuma alternativa que torne o ambiente virtual mais seguro.

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