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O Supremo Tribunal Federal (STF) continua nesta quinta-feira (28/11) o julgamento de três ações que envolvem a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Até o momento, os ministros apenas ouviram a leitura dos relatórios e o início das manifestações dos amici curiae, que, de forma geral, pediram regras claras sobre responsabilização e dever de monitoramento. As diretrizes do dispositivo são mais amplas que a garantia à liberdade de expressão ou a publicações de opinião. O artigo também tem sido usado como ferramenta para fundamentar responsabilização das plataformas em relação a casos que envolvem conteúdo comercial, incitação à violência e disseminação de desinformação.
De maneira mais direta, o artigo 19 estabelece que as redes e sites não devem responder automaticamente sobre publicações de terceiros, ou seja, seus usuários. As plataformas são corresponsabilizadas pelo conteúdo somente depois de determinação judicial que considere sua ilicitude.
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A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pela manutenção de anúncios do Mercado Livre sobre colchões sem certificação é, por exemplo, uma das mais recentes respaldadas pela norma. Em setembro, a Corte determinou que a empresa não seria obrigada a excluir conteúdos denunciados por violação dos termos de uso do site.
O caso chegou ao STJ depois de a empresa pedir que fosse reconsiderada uma multa aplicada contra a plataforma pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR). O processo iniciou após um anunciante de colchão pedir ao Mercado Livre, por meio de notificações extrajudiciais, que fossem excluídos anúncios de vendedores de colchões magnéticos sem certificação do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). As publicações, segundo o usuário da plataforma, violariam os termos e as condições gerais de uso do site, e requereu que fossem excluídos. O provedor não atendeu ao pedido e a ação foi ajuizada.
No STJ, o entendimento foi de que as plataformas têm responsabilidade subjetiva por conteúdo de terceiros. A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, avaliou que não há previsão legal que imponha a exclusão dos anúncios. “Os provedores de aplicações não têm a obrigação de excluir publicações realizadas por terceiros em suas páginas, por violação aos termos de uso, devido à existência de requerimento extrajudicial”, concluiu no Recurso Especial 2.088.236.
Segurança jurídica e ambiente de negócios
O caso é um exemplo da garantia de segurança jurídica proporcionada pela norma às empresas. Para a advogada Antonielle Freitas, integrante da comissão de Privacidade, Proteção de Dados e Inteligência Artificial da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), o trunfo do artigo está em “evitar remoções arbitrárias” do conteúdo.
“O artigo 19 traz segurança jurídica ao estabelecer que a remoção de conteúdos ilícitos por plataformas só pode ser exigida mediante ordem judicial, exceto em casos de conteúdo envolvendo imagens de nudez ou sexo sem consentimento”, afirma. “A clareza legislativa protege tanto usuários quanto provedores de internet contra decisões arbitrárias ou abusivas, assegurando um equilíbrio entre direitos fundamentais”, completa.
Outro reflexo, segundo Antonielle, está em como o artigo influencia o ambiente de negócios ao delimitar a responsabilidade das plataformas e incentivar o ajuste de políticas para garantir conformidade. “E-commerce, como OLX ou Mercado Livre, enfrentam desafios para equilibrar a remoção de produtos ilegais, como itens falsificados ou contrabandeados. Aplicando o artigo 19 e, desde que cooperem com autoridades quando necessário, essas empresas têm margem para evitar serem responsabilizadas sem ordem judicial”, declara.
Em julho deste ano, o Mercado Livre, por exemplo, destacou o artigo 19 do Marco Civil da Internet ao buscar a Justiça para suspender decisão da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) contra venda de celulares piratas. A resolução determina que as plataformas façam a validação do código de homologação dos telefones cadastrados para venda e impeçam o cadastramento de novos telefones celulares cujo código de homologação não esteja correto. Para o Mercado Livre, o despacho, entre outros, atenta contra o dispositivo, por responsabilizar a plataforma por conteúdo de terceiros.
Desresponsabilização em casos de ‘inequívoco ato ilícito’
Por outro lado, o dispositivo isenta a responsabilidade das plataformas em questões associadas a conteúdos de incitação ao ódio e violência. O advogado Luiz Carlos D’Urso, presidente da Comissão Nacional de Cibercrimes da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim), relembra o caso Baleia Azul, entre 2016 e 2017. O “jogo”, com desafios associados a automutilação, se alastrou nas redes sociais e foi considerado um incentivo ao suicídio de jovens e adolescentes. Para ele, embora as publicações sobre o tema se tratassem de “inequívoco ato ilícito e criminoso”, as plataformas eram isentas de moderar e excluir os conteúdos.
Outro tipo de conteúdo, segundo D’Urso, em recorrente tensionamento com a norma são as postagens de difamação e disseminação de desinformação. Ele exemplifica publicações com ataques a pessoas e empresas. “Há casos de bancos em que pessoas contraíram empréstimos, tinham que pagar uma conta milionária, e criaram um fórum de debate no Facebook para atacar o banco, embora sem provas”, afirma.
O caso é similar ao do recurso levado pelo Google ao STF. A empresa põe em questão se provedores de internet devem ou não fiscalizar ofensas de usuários. O recurso está ligado a uma ação sobre a rede Orkut, filiada à big tech e desativada em 2014. Uma professora de ensino médio pediu a exclusão da comunidade “Eu odeio a Aliandra”, criada em 2009, para veicular conteúdo difamatório contra ela.
O pedido foi negado pelo Google, mas o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) deu razão à professora. Em resposta, a empresa alegou que a exclusão da comunidade antes da decisão judicial violaria a liberdade de expressão dos usuários. A ação, uma das julgadas pelo Supremo, é o Recurso Extraordinário (RE) 1057258.
A Corte também julga outras duas ações que tratam do Marco Civil da Internet. No RE 1037396, o Facebook, autor do recurso, questiona decisão da Segunda Turma Recursal Cível do Colégio Recursal de Piracicaba (SP) que condenou a rede social a excluir o perfil falso de uma pessoa que entrou com ação na Justiça e a pagar indenização por danos morais. Já na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 403, o partido Cidadania questiona a validade de decisões judiciais que determinaram o bloqueio do WhatsApp.