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Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

ACT lança site com informações sobre ação contra fabricantes de cigarros

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A União requer que as maiores fabricantes de cigarros sejam obrigadas ao pagamento dos gastos incorridos pelo SUS no tratamento de 27 doenças comprovadamente atribuíveis ao consumo de cigarros – conforme valores a serem apurados na proporção da participação no mercado de cada empresa. Os detalhes da ação na Justiça Federal estão agora disponíveis de forma didática a operadores do Direito, imprensa, estudantes e a qualquer pessoa interessada na plataforma Quem paga a conta do cigarro, da ACT Promoção da Saúde, lançada nesta segunda-feira (2/12). 

A ACT sustenta que as empresas fabricantes de cigarros expõem, há décadas, seus consumidores e o sistema de saúde brasileiro a riscos efetivos e danos concretos, impondo à União, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), o custeio do tratamento das doenças atribuíveis ao consumo de cigarro que produzem e comercializam.

O tabagismo é causa e agravante de doenças, além de ser uma doença por si mesmo: está incluído no grupo dos transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso de substância psicoativa, na Décima Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10). O tabagismo causa forte dependência em razão da nicotina presente na folha de tabaco e de aditivos usados pela indústria do tabaco que potencializam os seus efeitos.

Em razão disso, o negócio realizado pelas fabricantes de cigarros produz externalidades negativas, como a sobrecarga do sistema de saúde com o tratamento das doenças relacionadas.

“Essas mesmas empresas já pagam essa conta nos Estados Unidos desde o final da década de 1990, por meio de acordos judiciais. Os danos do tabagismo para os sistemas de saúde são os mesmos aqui no Brasil. Elas devem ser responsabilizadas”, diz Adriana Carvalho, diretora jurídica da ACT.

Na plataforma quempaga.contadocigarro.org.br, o público tem acesso a análises de especialistas, registros de experiências internacionais no tema e detalhes sobre os impactos causados pelo consumo de cigarro no país. 

“Esse site é importante para informar a sociedade, trazer transparência ao processo judicial e à tomada de decisão. É preciso saber não apenas da decisão e do julgamento, mas tudo o que está dentro da ação”, diz Fernanda Barbosa, advogada e professora de direito da PUC-RS. 

O site integra o projeto Conta do Cigarro, desenvolvido pela ACT em parceria com a Vital Strategies. Fundada em 2006, a ACT Promoção da Saúde é uma organização não governamental que contribui para políticas públicas para controle do tabaco e do álcool, e para a promoção da alimentação adequada e saudável.  

O processo da ação judicial em debate conta, neste momento, com mais de 40 mil páginas, com documentos, petições e decisões. “Esse é um processo extremamente extenso. Por isso, ter um portal que reúna todas essas informações torna mais palatável não só para a população, como também para jornalistas e meios de comunicação tomarem ciência de tudo o que vem sendo dito pelas partes envolvidas”, comenta Barbosa.

A ação judicial

A ação civil pública foi ajuizada na Justiça Federal em maio de 2019, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), em face de Souza Cruz Ltda. e Britsh American Tobacco p.l.c. (BAT), pertencentes ao mesmo grupo econômico; e Philip Morris Brasil Indústria e Comércio Ltda., Philip Morris Brasil S.A. e Philip Morris International, pertencentes a outro grupo econômico. 

A União busca o ressarcimento pelos danos causados ao SUS, que se traduz numa forma de garantir o direito fundamental à saúde da população por ele atendida. O SUS obedece ao princípio da universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência e por todo o território brasileiro. Portanto, o argumento é que um dano ao SUS impacta toda a sociedade brasileira.

Por meio desta ação, a União procura atribuir responsabilidade à indústria de tabaco. Ela defende que as rés precisam arcar com as externalidades negativas produzidas pelo seu negócio do qual obtêm lucros bilionários. Ressarcir o dano causado ao SUS pelo tratamento das doenças decorrentes do consumo de cigarros retira esse encargo imposto ao Estado e à sociedade brasileira.

Ainda, a ação confere efetividade ao artigo 19, da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco da Organização Mundial de Saúde, tratado internacional de saúde pública, ratificado pelo Brasil por meio do decreto 5.658/2006. O artigo 19 orienta os países signatários à promoção de suas leis vigentes, para tratar da responsabilidade penal e civil, inclusive, conforme proceda, da compensação.

“É uma ação paradigmática por diversas razões: ao buscar ressarcimento ao SUS, ao expor as externalidades negativas da atividade da indústria do tabaco e ao articular os compromissos internacionais assumidos pelo país na Convenção-Quadro”, pontua Eloísa Machado, professora da FGV e advogada.

O processo tramita na 1ª Vara da Seção Judiciária de Porto Alegre (5030568-38.2019.4.04.7100) e seus documentos são públicos. A ACT atua no processo como amicus curiae.

Os efeitos práticos

No contexto brasileiro, uma ação como essa é considerada um passo inédito por não visar um ressarcimento individual. Ela tem o intuito de atribuir responsabilidade civil pelos danos causados pelo consumo de cigarros nos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação e enquanto ocorrerem os gastos do SUS com tratamento das doenças tabaco-relacionadas. 

“Essa é uma ação que se volta ao interesse público para garantir a higidez do sistema público de saúde”, pontua Adalberto de Souza Pasqualotto, doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 

“Isso não coloca em causa o porquê de o fumante escolher fumar ou não abandonar o vício, por exemplo. Não estão em pauta as ações individuais que as empresas alegam e a jurisprudência muitas vezes acolhe. Essa é uma ação em favor do reembolso do SUS  a partir do pressuposto que o cigarro causa uma série de doenças graves aos seus consumidores”, acrescenta.

A AGU utiliza como premissa os artigos 927 e 931 do Código Civil brasileiro, os quais tratam da responsabilidade civil por danos causados a terceiros. O primeiro artigo estabelece a obrigatoriedade de indenização por quem comete um ato ilícito, enquanto o outro determina que empresários individuais e empresas devem ser responsabilizados por danos causados pelos seus produtos.

“Esses artigos são importantes e não devem ser lidos separadamente, deve ser feita uma leitura sistemática de todo o ordenamento jurídico brasileiro. A atividade vinculada ao tabaco traz risco para os direitos de outrem e, por isso, deve também responder pelos seus danos a terceiros”, diz Barbosa. 

“O princípio geral da responsabilidade civil é de que todo aquele que causa um dano deve indenizá-lo. Se a indústria produz e vende um produto nocivo à saúde, ele causa um dano de acordo com esse princípio. E, por isso, tem o dever de ressarcir”, endossa Pasqualotto. 

Organizações e movimentos da sociedade civil, sociedades médicas, tanto brasileiras quanto internacionais, apoiaram publicamente a ação judicial movida pela AGU. Até o momento, 47 instituições endossaram o processo, dentre elas o Instituto Nacional do Câncer (Inca), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), o InterAmerican Heart Foundation (IAHF) e a Associação Médica Brasileira (AMB). 

Custos do tabagismo

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 8 milhões de indivíduos morrem anualmente em decorrência do uso do tabaco em todo o mundo.

Estima-se que mais de 50 doenças sejam causadas pelo fumo, tanto diversos tipos de câncer quanto doenças crônicas, como acometimentos pulmonares – principalmente a doença pulmonar obstrutiva crônica – ou do sistema cardiovascular.

Estudo do Instituto de Efectividad Clínica y Sanitaria, organização baseada na Argentina, identificou que, no Brasil, há cerca de 174 mil mortes anuais ou 477 pessoas por dia, e que o tabagismo está relacionado a 12% de todas as mortes que ocorrem em brasileiros acima dos 35 anos.  

As condições clínicas associadas ao tabaco geram altos custos com cuidados de saúde, em especial ao sistema público. Perda de produtividade e mortes prematuras também são consequências relacionadas ao consumo do produto. 

O mesmo estudo também apurou que os custos da assistência médica associados ao tabagismo são estimados em R$ 67,2 bilhões por ano, sendo 7% de todo o orçamento voltado à saúde no país. O montante se soma aos R$ 86,3 bilhões de custos indiretos causados pela perda da produtividade e cuidados informais relacionados ao tabagismo. Na somatória, são por volta de R$ 153,5 bilhões, valor equivalente a 1,55% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. 

Enquanto isso, para fins de comparação, a arrecadação de impostos federais com a venda dos cigarros está próxima a R$ 8 bilhões. 

Experiência internacional: Estados Unidos e Canadá

Nos Estados Unidos, no início dos anos 1990, diferentes estados moveram açõescontra fabricantes de cigarros para buscar ressarcimento dos gastos públicos com os tratamentos de doenças causadas pelo tabagismo. 

Em novembro de 1998, foi firmado o acordo Master Settlement Agreement (MSA) entre 46 estados, procuradores gerais – chamados de attorneys general – e cinco das maiores fabricantes de cigarros dos Estados Unidos, como a Phillip Morris e uma subsidiária da British American Tobacco. 

A partir do documento, as empresas passaram a ter a obrigação de efetuar pagamentos anuais para recompensar os gastos públicos com saúde, além de restrições rigorosas para a publicidade de cigarros. Entre 1999 e 2023, foram pagos mais de US$ 159 bilhões pelas empresas submetidas ao MSA. 

Assim como nos Estados Unidos, a ação judicial em vigor no Brasil busca a responsabilização de empresas por meio da indenização ao sistema público pelo dano causado à população consumidora. Caso haja uma eventual condenação dos réus, o valor da indenização deverá ser apurado em uma fase posterior, denominada liquidação de sentença.

O MSA é considerado o maior acordo indenizatório que já atingiu a indústria do tabaco. “Sem dúvidas o MSA pode e deve servir de exemplo para o Brasil. Nesse caso, houve responsabilização da indústria em um país que é exemplo de liberdade de expressão e de respeito ao livre arbítrio das pessoas. Nos Estados Unidos, esses argumentos não serviram para eximir a indústria de sua responsabilidade pelos danos causados às pessoas”, opina Barbosa. 

No Canadá, um juiz do Tribunal Superior de Quebec reconheceu que fabricantes de cigarros sabiam desde a década de 1950 das ligações entre cigarros e câncer, mas não alertaram seus clientes. A decisão histórica foi confirmada pelo tribunal superior da província em 2019.

Em meados de outubro de 2024, portanto quase 10 anos após a decisão de 2015, Philip Morris, British American Tobacco e Japan Tobacco apresentaram uma proposta de acordo no valor de C$ 32,5 bilhões (US$ 23,6 bilhões), nos termos de um acordo apresentado por um mediador judicial.

Se aprovado, o plano seria o maior acordo desse tipo fora dos Estados Unidos, e fará com que as três empresas – Imperial Tobacco Canada Ltd. (subsidiária da British American Tobacco), JTI-Macdonald Corp. e Rothmans, Benson & Hedges (subsidiária da Philip Morris) – paguem US$ 24,7 bilhões aos sistemas de saúde das províncias e territórios. 

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