No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

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Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

O papel do STF como mediador constitucional

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O Supremo Tribunal Federal tem se destacado como uma instituição essencial não apenas para a interpretação da Constituição, mas também para a mediação de conflitos de alta complexidade e impacto social.

Em diversas ocasiões, o tribunal tem adotado uma postura de vanguarda, incorporando práticas como a escuta ativa de grupos e o diálogo com especialistas, reafirmando seu compromisso com a construção de soluções inclusivas e democráticas.

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Foram enviados para o Núcleo de Solução Consensual de Conflitos do STF (NUSOL) 104 processos, 46 acordos foram homologados, 37 ainda estão em análise[1].

Mediação constitucional e escuta ativa: ausência do monopólio da fala

A mediação no âmbito da jurisdição constitucional apresenta desafios únicos, principalmente em casos que envolvem múltiplos interesses sociais e institucionais. Diferentemente de processos tradicionais, onde há partes claramente definidas, a jurisdição concentrada lida com interessados que representam setores amplos e diversos da sociedade.

Nesse contexto, o estímulo ao diálogo visa encerrar a espiral do conflito, muitas vezes marcada pelo tensionamento entre o constitucionalismo e a democracia, bem como em razão do efeito backlash. Muitas das tensões poderiam ser evitadas, e muitas efetivamente foram, em razão do papel mediador do STF.

Mediações de sucesso são uma realidade, dentre as quais destacamos: 1) o acordo entre União e Pernambuco para gestão compartilhada de Fernando de Noronha (ACO 3.568/PE[2]); 2) o acordo histórico para solucionar conflito fundiário em Mato Grosso do Sul (MS 25.463[3]); 3) o acordo interfederativo[4] para fornecimento de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde  (Tema 06 e Tema 1234)[5]; 4) o acordo de compensação das perdas do ICMS sobre combustíveis  (ADPF 984)[6]; acordo para reparação de danos causados pela tragédia em Mariana, em Minas Gerais (Pet 13.157/DF[7]).

Esses casos são apenas alguns dos inúmeros exemplos que demonstram como a mediação no STF pode ser uma ferramenta eficaz para solucionar impasses complexos e promover a pacificação social.

É importante destacar que processos como os citados, envolvendo questões político-jurídicas de grande relevância, precisam ser tratados de maneira diferente dos métodos tradicionais de resolução de conflitos. Isso é especialmente necessário quando os debates jurídicos são obscurecidos por disputas políticas e falhas na comunicação entre os Poderes. Nesse contexto, uma abordagem de governança colaborativa, conduzida pelo STF, torna-se essencial para gerir os conflitos de forma eficaz.

A espiral do conflito só tem sua interrupção quando se procura atingir a gênese do conflito, ou seja, o âmago do problema, não podendo ocorrer respostas irrefletidas, ainda que sob as formas tradicionais de atuação institucional.

Adotar um enfoque diferenciado, que priorize a pacificação do conflito em vez de apenas enfrentá-lo com decisões judiciais clássicas, é essencial. Esse enfoque deve buscar superar barreiras de comunicação e fomentar o entendimento mútuo por meio de um diálogo colaborativo e construtivo, orientado à construção de soluções práticas e efetivas.

Nesse sentido, a mediação na jurisdição constitucional surge como um instrumento indispensável, capaz de promover consensos e resolver impasses institucionais e jurídicos, fortalecendo o papel mediador do Supremo Tribunal Federal.

Uma decisão plural não pode ser construída com o monopólio de fala. Ninguém pode se autodeclarar representante único dos interesses sociais e constitucionais. O objetivo central da mediação na jurisdição constitucional é assegurar a maior abrangência e especificidade possível para contemplar os diversos interesses envolvidos.

O caso da ADC 87/DF ilustra bem essa abordagem, demonstrando que é possível, e até salutar, organizar a representatividade de maneira ampla e inclusiva, sem a exclusividade de uma única entidade, especialmente quando esta opta por não participar[8]. Esse modelo plural é fundamental para assegurar que todas as perspectivas relevantes sejam devidamente consideradas em processos dessa natureza.

Nos processos estruturais, como o de Mariana (MG), em que há previsão de indenização individualizada, é importante garantir às vítimas voz ativa e direta. Em contrapartida, os processos de controle concentrado de constitucionalidade, por sua natureza objetiva, têm como finalidade primordial a salvaguarda da ordem jurídico-constitucional, não se destinando à proteção de interesses individuais ou subjetivos.

Nessas mediações, realizadas no âmbito das ações de controle concentrado, a participação ocorre por meio de representantes legitimados (art. 2º da Lei 9.868/99) e pode contar com a intervenção de amici curiae e especialistas (arts. 7º, §2º; 8º; e 9º, §1º da Lei 9.868/99, aplicados por analogia às mediações). Essas nuances e distinções são cruciais para compreender as abordagens metodológicas e evitar interpretações equivocadas ou associações indevidas.

A pluralidade de fala não condiz com única representação e nem com a consulta prévia e individualizada a todos os afetados na mediação, pois seria impraticável, desproporcional e contraproducente. Por isso, o modelo adotado se fundamenta na representatividade adequada, garantindo uma composição plural e legítima no processo. Nesse contexto, trata-se um modelo que busca incorporar os interesses de um amplo espectro de representados por meio de uma representação diversificada.

A participação dos amici curiae e terceiros especialistas nas mediações nacionais deve ser avaliada sobre o prisma da “aptidão contributiva”, suficiente para a participação no caso. Não é preciso novos regramentos para tratar desta participação nas mediações nacionais, já há previsão no art. 7º, §2º e art. 9º, §§ 1º e 3º, da Lei 9.868/99, que deve ser aplicada por analogia na mediação na jurisdição constitucional[9].

Esse modelo equilibra a viabilidade prática com a pluralidade de visões e inclusão, alinhando-se aos princípios de mediação constitucional e governança colaborativa que têm orientado casos de grande relevância política e social no STF.

Inovação e diálogo constante

Como ocorre em qualquer mudança de paradigma, a introdução de práticas de mediação na jurisdição constitucional enfrenta críticas. Muitas delas decorrem do desconhecimento sobre a dinâmica da mediação e da ideia equivocada de que haveria um monopólio na representação de interesses[10].

Para que a mediação nesse contexto se desenvolva, é essencial manter um diálogo constante e estar aberto a aprimoramentos. O STF, ao implementar essas inovações, tem equilibrado a escuta ativa das diversas vozes envolvidas, especialmente em conflitos de grande impacto social.

Essas práticas, no entanto, não apenas ampliam a legitimidade das decisões do tribunal, mas também fomentam um modelo de governança mais inclusivo e democrático. A mediação constitucional representa, assim, uma ferramenta poderosa para lidar com litígios estruturais e os litígios nas ações de controle abstrato de constitucionalidade, nos quais as técnicas tradicionais do processo comum frequentemente se mostram insuficientes para superar os conflitos.

Escuta ativa como instrumento transformador

Uma das inovações mais significativas na atuação do STF tem sido a realização de audiências de escuta ativa. Esses espaços permitem que grupos, como comunidades indígenas, quilombolas e outras populações, apresentem suas perspectivas diretamente ao tribunal. Essas audiências representam um avanço no reconhecimento do protagonismo dessas comunidades na construção de soluções que afetam diretamente suas vidas.

A escuta de especialistas tem se revelado uma prática fundamental e plenamente alinhada aos requisitos estabelecidos pelo art. 9º, §1º, da Lei 9.868/99, que regula o processo e julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade e declaratórias de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.

Nesse contexto, o STF convocou especialistas para uma audiência na ADC 87, fomentando o que se pode chamar de Diálogo Intercultural. Essa iniciativa permitiu que experts apresentassem diferentes perspectivas e esclarecessem questões relacionadas ao tema em debate[11]. Além dessas audiências, o STF tem adotado a audiência de contextualização, como um importante papel dialógico na jurisdição constitucional[12].

No âmbito da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 87, o Supremo agendou sessões específicas para aprofundar a compreensão sobre a demarcação de terras indígenas. Em 16 de dezembro, antropólogos apresentarão exposições detalhadas sobre os laudos utilizados nos processos demarcatórios.

Já em 18 de dezembro, o espaço será dedicado exclusivamente aos representantes das comunidades indígenas, permitindo-lhes expressar livremente temas de interesse de suas etnias. Essas iniciativas refletem o compromisso da Suprema Corte em promover um diálogo efetivo, inclusivo e respeitoso, assegurando que todas as vozes sejam ouvidas e consideradas na mediação[13].

A escuta ativa também contribui para a compreensão mais aprofundada da realidade dos grupos vulneráveis e não vulneráveis, permitindo que todos os envolvidos tomem decisões informadas e sensíveis às especificidades culturais e sociais. Esse modelo, ao promover o diálogo direto, reforça o papel do STF como mediador constitucional e facilitador de consensos.

Um novo paradigma na jurisdição constitucional

Ao adotar práticas mediadoras, o STF sinaliza uma mudança de paradigma na forma como conflitos são tratados no Brasil. Essa abordagem não apenas fortalece o papel do tribunal como guardião dos direitos fundamentais, mas também demonstra que a jurisdição constitucional pode ser um espaço de diálogo, inclusão e construção conjunta.

A inovação, contudo, traz consigo a necessidade de investigação contínua e de constante aperfeiçoamento. Críticas e questionamentos são naturais em processos de transformação, e cabe ao STF manter-se atento às demandas da sociedade, ajustando práticas e promovendo o diálogo entre todos os atores envolvidos.

Nesse sentido, casos como a ADC 87, além dos demais já mencionados neste artigo, ilustram o potencial da mediação constitucional para lidar com questões de grande complexidade social. Ao reunir uma diversidade de representantes, realizar audiências públicas e valorizar a escuta ativa, o tribunal reafirma seu compromisso com a democracia e com a construção de soluções que reflitam os valores constitucionais.

Mais do que um tribunal de decisões, o STF se posiciona como um espaço de construção coletiva, capaz de conciliar a técnica jurídica com a sensibilidade social. Esse modelo de mediação constitucional, ao ser aprimorado continuamente, tem o potencial de se consolidar como uma ferramenta transformadora para a promoção da paz social e da justiça no Brasil.

Superar a espiral dos conflitos é um chamado à nossa identidade coletiva: um Brasil onde as diferenças se encontram no diálogo, e a convivência pacífica reflete o espírito que nos une como nação.

É na união de nossas diversidades que o Brasil se torna mais forte e justo, e é pela atuação da jurisdição constitucional que o diálogo se transforma em construção democrática, fortalecendo nossas instituições e promovendo a paz social.


[1] Dados obtidos são do NUSOL/STF. Disponíveis em https://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=cmc&pagina=apresentacao Acesso em 24/11/2024.

[2] Íntegra do acordo de Fernando de Noronha disponível em https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/Homologac807a771o_Acordo_Fernando_de_Noronha_aco3568.pdf Acesso em 24/11/2024.

[3] Íntegra da ata de audiência em que o acordo fundiário foi realizado no STF disponível em https://noticias-stf-wp-prd.s3.sa-east-1.amazonaws.com/wp-content/uploads/wpallimport/uploads/2024/09/25223027/eDOC-91-MS-25.463-ata_de_audiencia_de_conciliacao_25_09_2024.pdf Acesso em 24/11/2024.

[4] Um acordo interfederativo é um acordo entre os entes federados, como municípios, estados e o Distrito Federal

[5] “O Supremo Tribunal Federal (STF) realizou, nesta quinta-feira (17), uma cerimônia que marcou a conclusão do julgamento de dois recursos com repercussão geral (Temas 6 e 1234) ligados ao fornecimento de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O evento também celebrou a homologação de um acordo interfederativo que representa uma transformação na atuação da Justiça e do Estado para melhorar ações e serviços públicos na área da saúde.” Informação obtida em https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-celebra-conclusao-de-julgamento-sobre-fornecimento-de-medicamentos-de-alto-custo/ Acesso em 21/11/2024.

[6] Íntegra do acordo no ADPF 984 sobre o ICMS sobre os combustíveis disponível em https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=768957897 Acesso em 24/11/2024.

[7] Íntegra do acordo de Mariana/MG disponível em https://noticias-stf-wp-prd.s3.sa-east-1.amazonaws.com/wp-content/uploads/wpallimport/uploads/2024/11/06102728/Pet-13.157-homologacao-de-acordo_Assinado.pdf Acesso em 24/11/2024.

[8] A APIB não detém legitimidade exclusiva ou soberana sobre todos os povos indígenas. Embora seja uma entidade de relevância, sua saída do processo de mediação não invalida a representatividade do restante dos envolvidos. Pelo contrário, sua ausência demonstra a que um modelo de representação diversificada, onde várias vozes indígenas e institucionais estejam presentes é mais plural e democrático.

[9] “A participação de amicus curiae nas negociações nacionais também não precisa ocorrer durante todas as sessões de negociação e ao longo de todo o processo de busca pela solução consensual. O status de amicus se encerra quando se esgota sua potencialidade de contribuição ou sugestão. Em negociações multipolares, assim consideradas aquelas em que há diversos grupos de interesses, é possível a participação de um amicus curiae para contribuir com uma questão pontual da negociação nacional. Sua participação também não precisa ser presencial. Ela pode ocorrer por meio da emissão de parecer técnico. (…) A participação é importante, mas pode não ser necessária em todas as fases da negociação, devendo ser delimitado o momento de atuação de cada amicus curiae para evitar dispersão do foco nos interesses negociados. Não seria aceitável que as negociações fossem se tornando cada vez maiores, inflando o número de participantes nas sessões de mediação, quando a intervenção só é relevante para um dos pontos da negociação.”. VEIGA, Guilherme. Mediação nas cortes superiores: da teoria à prática. Editora Thoth, 2023.p 108-109

[10] A ausência da APIB na mediação da ADC 87 foi alvo de críticas, que, no entanto, não parecem guardar coerência com os valores constitucionais, considerando que a entidade não possui, nem poderia possuir, o monopólio de representação dos povos indígenas. Diversas outras entidades representativas fizeram questão de participar, enriquecendo o debate democrático e promovendo um diálogo construtivo na jurisdição constitucional. Além dos partidos políticos que representam os indígenas, a mediação conta com a participação de representantes de povos indígenas de todas as regiões do país, da FUNAI e do Ministério dos Povos Indígenas, assegurando uma ampla diversidade de vozes. Nesse contexto, o diálogo busca construir alternativas viáveis para um país mais justo e para a redução dos conflitos fundiários no Brasil.

[11] Para mais informações https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-convoca-especialistas-para-proxima-audiencia-sobre-lei-do-marco-temporal/ Acesso em 24/11/2024.

[12] Maiores informações em https://www.jota.info/artigos/audiencia-de-contextualizacao-um-novo-formato-de-dialogo-processual . Acesso em 24/11/2024.

[13] Informações das sessões específicas sobre a ouvida ativa antropólogos e indígenas obtidas em https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/audiencia-discute-pontos-da-decisao-do-stf-sobre-o-marco-temporal-para-terras-indigenas/ Acesso em 24/11/2024.

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