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O jovem século 21 revive ameaças que pareciam distantes dos países tradicionalmente reconhecidos como democracias estabelecidas. Pressões econômicas transformam promessas de bem-estar social no que parece ser um mal-estar generalizado. Novas tecnologias transformam as relações sociais e, sob certas condições, impõem desafios aos regimes que se pretendem democráticos.
Ainda que tenha muitas dificuldades para assegurar direitos fundamentais a seus cidadãos, o Brasil pretende ser um país democrático, realizando o projeto de sua Constituição. Por consequência, vê-se diante dos referidos desafios, potencializados ainda por um estrangulamento econômico que jamais deixou de enfrentar, na condição de país do outrora chamado Terceiro Mundo, país periférico, ou, se desejarmos atenuar nosso drama usando um eufemismo, país em desenvolvimento.
É preciso reconhecer, no entanto, que não existem democracias perfeitas. Há democracias mais ou menos imperfeitas. A democracia é uma construção permanente. Provações são inerentes ao seu próprio funcionamento. O sufrágio universal – e a decorrente alternância de líderes –, a independência dos Poderes e a garantia de direitos individuais e sociais em face do próprio Estado são elementos essenciais das democracias que, a um só tempo, revelam suas virtudes e suas fragilidades.
A experiência recente indica que o desenvolvimento das redes sociais é capaz de interferir decisivamente nos processos eleitorais e no funcionamento das democracias, testando seus limites. Por serem um meio de propagação rápida de ideias e informações, sem qualquer filtro de qualidade, prestam-se facilmente à tarefa de produzir desinformação em massa. A disseminação de notícias falsas ou descontextualizadas, para consumo instantâneo e irrefletido, ou de teorias conspiratórias as mais diversas produz, em uma população descrente das promessas de bem-estar social feitas nos marcos da democracia, terreno fértil para discursos populistas.
Para além disso, é preciso ter em conta que, desde sempre e talvez mais do que nunca, controlar a informação é poder. Já não é mais segredo que a distribuição das informações nas redes sociais não é inocente, mas dirigida por uma inteligência artificial (o tal algoritmo) programada para capturar e reter a atenção dos usuários pelos afetos, reforçando vieses cognitivos. Assim, criam-se “bolhas ideológicas” e movimentos de massa. Quem tem o poder de controlar tais movimentos?
A imperfeita democracia brasileira promete assegurar a seus cidadãos direitos em face do próprio Estado. Tais direitos são também chamados de liberdades públicas, esfera de liberdade a salvo da interferência do Estado. O direito à livre manifestação do pensamento é um desses direitos.
Todavia, há ocasiões em que direitos dessa natureza, de dois ou mais cidadãos, igualmente assegurados, apresentam-se em rota de colisão, de modo que garantir inteiramente um implicaria esvaziar inteiramente o outro. Em tais casos, cabe ao Poder Judiciário fazer a ponderação dos valores envolvidos, para assegurar o exercício de um direito com a menor restrição possível ao outro. Não há lei capaz de prever todas as hipóteses de colisão de direitos. É trabalho do Judiciário construir as soluções em cada caso.
Neste momento, o bilionário que controla a rede social X (antes Twitter) está em rota de colisão com o Brasil. Mister X se levanta contra o Supremo Tribunal Federal, que ordenou a suspensão das contas de usuários do X investigados pela propagação de desinformação, com o propósito de incutir desconfiança sobre nosso processo eleitoral. Mister X apresenta-se como defensor do direito à livre manifestação do pensamento, em caráter absoluto.
Ocorre que a própria rede social X policia as mensagens nela publicadas e suspende contas que violam suas regras de publicação. Vê-se, desde logo, que a liberdade de expressão na rede social X não se dá em caráter absoluto. Se a violação a regras da empresa autoriza a suspensão de contas, por que a disseminação maliciosa de desinformação sobre o nosso processo eleitoral, para infundir desconfiança, afetando valores centrais da nossa democracia, não autorizaria a atuação do Judiciário?
Mais: a rede social X e outras empresas controladas pelo bilionário operam em países que não asseguram a liberdade de manifestação do pensamento na mesma amplitude com que é garantida aqui no Brasil. Mister X não levanta a voz, nesses casos. Ao que tudo indica, Mister X escolheu a dedo onde deseja intervir.
Resta dizer que a lei brasileira assegura recursos e outros meios de impugnação contra decisões judiciais. Mister X pode se valer deles, caso sinta-se prejudicado. Pode continuar operando aqui, com liberdade, mas sob as nossas leis. Todavia, se não quiser assim, get out, Mister X.