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Os portais de notícias veicularam nos últimos dias o caso de Maurílio Rodrigues Araújo, que após semanas de internação na Santa Casa de Ouro Preto devido a complicações da diabetes, teve negado pedido de reserva de vaga em hospital do estado.
O pedido foi formulado em ação por ele ajuizada na Comarca de Ouro Preto, dada a necessidade de que fosse submetido a cirurgia urgente em outra unidade do SUS.
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A negativa se fundamentou na exigência de que Maurílio, ainda internado e com dedo do pé recém amputado, se dirigisse pessoalmente ao fórum para ratificar o seu pedido, sob pena da extinção do feito, por ter o magistrado vislumbrado “grande divergência entre as assinaturas lançadas pelo autor quando do ajuizamento da ação e aquela constante em sua CNH”[1]. O resultado disso foi a desistência da ação por Maurílio, que se viu impossibilitado de comparecer à sede do juízo e de cumprir a decisão judicial[2].
Em nota à imprensa, o magistrado afirmou que o artigo 9º da Lei 9.099/95 exigiria a presença física do requerente no caso de pedidos reduzidos a termo de próprio punho, “pois se trata de uma modalidade de acesso gratuito à Justiça que permite a um cidadão reclamar seus direitos sem a necessidade de um advogado“[3].
O caso suscita inúmeros questionamentos sobre disfunções do nosso sistema de justiça e não se pode deixar de notar que as razões adotadas pelo magistrado para negar o pleito de Maurílio vêm também ecoando em discursos envolvendo a litigância predatória no Brasil.
Os Tribunais, inicialmente de forma pontual, começaram a criar núcleos de monitoramento, também chamados de “centros de inteligência”, como ferramenta de gestão para melhorar a eficiência do Poder Judiciário. O objetivo central era monitorar as ações distribuídas e, a partir desse diagnóstico, traçar estratégias mais eficazes.
Um marco importante foi a criação, em 2016, do Núcleo de Monitoramento de Perfis de Demandas (Numopede), vinculado à Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo, conforme registrado no banco de decisões e notas técnicas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).[4]
A ideia original do Numopede era mapear a litigância no tribunal sob uma perspectiva coletiva, considerando que magistrados isoladamente dificilmente teriam acesso a informações sistemáticas e abrangentes. Com esses dados, buscava-se identificar as causas das ações recorrentes, evitando que o Judiciário apenas “enxugasse gelo” — expressão utilizada para justificar a criação do núcleo.
Entre os fenômenos monitorados destacavam-se os litígios envolvendo grandes demandantes. A proposta era estabelecer um canal de comunicação entre esses litigantes e os magistrados, conscientizando as partes sobre o impacto de suas ações no sistema judicial, além de orientar quanto à racionalização do peticionamento, reduzindo trabalhos desnecessários e replicados.[5]
Outro foco relevante era o combate ao ajuizamento de ações fraudulentas, que configuravam uso indevido do Poder Judiciário e sobrecarregavam o sistema com demandas infundadas.
A partir da criação do Numopede, esses núcleos e centros de inteligência se proliferaram por tribunais de todo o Brasil. Contudo, as notas técnicas que surgiram para orientar o enfrentamento da chamada “litigância predatória” passaram a associar fenômenos sociais subjacentes a práticas fraudulentas, muitas vezes sem a devida distinção. Essa abordagem gerou percepções negativas até sobre ações legítimas, ao mesmo tempo em que sobrecarregou magistrados com recomendações numerosas e, por vezes, controversas.
A título exemplificativo, cita-se a Nota Técnica apresentada pelo Grupo de Trabalho do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (instituído pela Portaria 026/2021-CGJ/TJMT)[6], que, apresentando “boas práticas ara a identificação e tratamento das demandas predatórias e fraudulentas” considera como “indicativo de demanda predatória” ações ajuizadas por “idosos, aposentados, analfabetos e indígenas, com pedidos indistintos de concessão de tutela de urgência inaudita altera pars”.
Neste sentido, a expressão “litigância predatória”, que ainda carece de definição conceitual precisa, ganhou destaque nas diversas discussões envolvendo pautas gerenciais voltadas ao equacionamento dos elevados números de processos em trâmite no Judiciário.
Em suma, há quem sustente, a partir de análise enviesada de dados, que haveria “excesso de litigiosidade” no Brasil, o qual seria provocado pelo uso abusivo e desenfreado da justiça por indivíduos, dotados de um ímpeto excessivamente litigioso e estimulados por advogados oportunistas e políticas facilitadoras de acesso – a exemplo da gratuidade judicial. Tais litigantes, nesse cenário, buscariam obter vantagens indevidas por meio de processos infundados ou fraudulentos[7].
Não seria exagero afirmar que o uso do expediente retórico da “litigância predatória” se tornou um bode expiatório, vinculando automaticamente diversas noções que permeiam a disputa em torno do acesso à justiça no Brasil. A expressão serve, muitas vezes, como justificativa para reforçar preconceitos e explicações simplistas sobre as causas dos problemas do sistema de justiça brasileiro, perpetuando sensos comuns que obscurecem as reais complexidades da questão.
A aferição da higidez da assinatura da parte para ser representada em um processo, especialmente em casos em que ela também é beneficiária da gratuidade judicial, é questão geralmente utilizada por aqueles que defendem tais pautas para fundamentar a adoção de medidas tendentes a coibir o processamento de demandas[8].
Exemplos recorrentes são o do advogado que ajuíza ação munido de procuração com assinatura falsificada ou antiga, sem que tenha relação atual com o seu cliente, a tentativa de burlar regras de competência mediante falsificação de comprovantes de endereço e o fracionamento de ações — como pedidos de exibição de documentos em demandas separadas — com o objetivo de inflar honorários advocatícios.
Diversas dessas falas estão presentes no âmbito de julgamentos recentes, a exemplo do Recurso Especial 2.021.655/MS (tema 1198), voltado à definição da tese sobre “possibilidade de o juiz, vislumbrando a ocorrência de litigância predatória, exigir que a parte autora emende a petição inicial com apresentação de documentos capazes de lastrear minimamente as pretensões deduzidas em juízo, como procuração atualizada, declaração de pobreza e de residência, cópias do contrato e dos extratos bancários”[9] e do IRDR 91, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que tratou da exigência de prévia tentativa de solução extrajudicial para a configuração do interesse de agir, partindo de considerações feitas sobre a litigância de massa e predatória[10].
No mesmo sentido se movimentou o Tribunal de Justiça de São Paulo, que no curso “Poderes do juiz em face da litigância predatória”, coordenado pela Corregedoria Geral da Justiça em parceria com a Escola Paulista da Magistratura[11], aprovou enunciado em que “constatados indícios de litigância predatória, justifica-se a realização de providências para fins de confirmação do conhecimento e desejo da parte autora de litigar, tais como a determinação da juntada de procuração específica, inclusive com firma reconhecida ou qualificação da assinatura eletrônica, a expedição de mandado para verificação por Oficial de Justiça, o comparecimento em cartório para confirmação do mandato e/ou designação de audiência para interrogatório/depoimento pessoal”.
A Recomendação 159/24 do Conselho Nacional de Justiça também associa algumas de suas “medidas para identificação, tratamento e prevenção da litigância abusiva”[12] à assinatura de documentos e à concessão da gratuidade judicial, sugerindo, por exemplo, “realização de exame pericial grafotécnico ou de verificação de regularidade de assinatura eletrônica para avaliação da autenticidade das assinaturas lançadas em documentos juntados aos autos”[13] como medida a ser adotada quando o magistrado se deparar com a dita prática de litigância predatória.
Nesse sentido, a discussão deixa de ser sobre o indesejável desfecho do caso do Sr. Maurílio ou da conduta de um único juiz para recair sobre a tendência de adoção de políticas judiciárias bem-intencionadas, mas nem sempre bem dimensionadas.
Não se questiona ou discorda de que fraudes devem ser combatidas. O problema está na criação de ferramentas e políticas gerais, amplas, para serem aplicadas a situações de fato completamente distintas ou de forma indiscriminada, de modo a perder de vista a finalidade última da prestação jurisdicional e, assim, a garantia do acesso à justiça às pessoas que mais precisam.
Será que a negativa do pleito de Maurílio foi realmente respaldada pelo intuito de se assegurar a escorreita e eficiente prestação jurisdicional e garantir formalismos que seriam essenciais e ínsitos a essa atividade? Parece que não.
A exigência se deu em procedimento que deveria ser marcado pela flexibilidade – não se pode esquecer de que a jurisprudência, atenta à razoabilidade, dispensa a presença física do autor em determinadas circunstâncias até mesmo mais formais da Lei 9.099/95, como as audiências, admitindo a participação virtual da parte, por exemplo[14]; foi formulada mediante demanda irrazoável e impassível de ser cumprida por quem precisava; e, quando a oportunidade de concessão da tutela em ação movida pelo Ministério Público sem o dito vício se apresentou, insistiu-se na negativa, o que apenas foi remediado pelo próprio SUS.
Utilizar a forma como pretexto para deixar de examinar o mérito da pretensão da parte pode restringir indevidamente o acesso à justiça. Criar políticas a partir de premissas generalizantes (e empiricamente equivocadas) de que o brasileiro é excessivamente litigioso e que benefícios como a gratuidade judicial são os grandes responsáveis pelo alto volume de processos e de fraudes, pode dar margem à sua aplicação indiscriminada pelo uso de ferramentas que terão efeitos colaterais intoleráveis sobre aqueles que efetivamente precisam do sistema de justiça para terem direitos básicos assegurados – o desestímulo ao uso do Judiciário recairá sobre a parte que deveria ser respaldada (como Maurílio, que teve que desistir da sua ação), em detrimento daqueles que usam com frequência e em percentuais exorbitantes o sistema de justiça para as suas atividades (a exemplo da Fazenda Pública, demandada no caso, que é uma das maiores litigantes do país).
O caso aqui comentado caiu como uma luva para se exemplificar o que tanto já alertávamos em nível acadêmico: o discurso criado para “proteger o judiciário” dos “litigantes predatórios” (que podem ser partes e/ou advogados) pesaria nas costas dos hipossuficientes em benefício do grande litigante (no caso, o Estado). É ele, o grande litigante, quem precisa da proteção estatal? A quem queremos proteger?
[1] Disponível em: https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2024/12/07/paciente-transferencia-negada-justica-consegue-vaga-em-outra-unidade.ghtml. Acesso em: 07/12/2024.
[2] Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2024/12/06/o-paciente-que-pode-ser-obrigado-a-amputar-o-pe-por-causa-da-decisao-de-um-juiz.ghtml. Acesso em: 07/12/2024.
[3] Disponível em: https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2024/12/07/paciente-transferencia-negada-justica-consegue-vaga-em-outra-unidade.ghtml. Acesso em: 07/12/2024.
[4] Disponível em: https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/litigancia-predatoria/. Acesso em: 09/12/2024.
[5] Documento disponível em: <https://formularios-corregedoria.cnj.jus.br/index.php?gf-download=2023%2F10%2FParecer-CGJ-506-2016-criacao-do-Numopede-no-TJSP.pdf&form-id=57&field-id=9&hash=9e5165b8cf6ed0084fa2bc85b14b7c6685af271b9c4db6d9e071386c8087acaa>. Acesso em: 9 nov 2024.
[6] https://centrodeinteligencia-mc.tjmt.jus.br/portalcentrodeinteligencia-arquivos-prod/cms/Nota_Tecnica_NUMOPEDE_Prov_26_2021_CGJ_f3116bb807.pdf
[7] ASPERTI, Maria Cecília de Araújo. COSTA, Susana Henriques da. Julgamento em extinção? O estudo do ¨Vanishing Trial¨ de Marc Galanter e a transformação da atividade jurisdicional no Brasil, Revista do Mackenzie, 2022 | v. 16 | n. 1 | p. 1-44 | ISSN 2317-2622. http://dx.doi.org/10.5935/2317-2622/direitomackenzie.v16n115326, pp. 16-22 e SILVA, Paulo Eduardo Alves da. Acesso à justiça e direito processual. Curitiba: Editora Juruá, 2022, pp. 173-174.
[8] Como exemplo: Litigância predatória envolve 330 mil ações e gera impacto de R$ 2,7 bilhões ao ano. Dez. 2023. Disponível em https://www.conjur.com.br/2023-dez-06/litigancia-predatoria-envolve-330-mil-acoes-e-gera-impacto-de-r-27-bilhoes-ao-ano/
[9] https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2024/21022024-Relator-admite-que-Justica-exija-documentos-para-evitar-litigancia-predatoria–vista-suspende-julgamento.aspx . Acesso em: 07/12/2024.
[10] https://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/informes/delimitacao-das-causas-de-suspensao-do-irdr.htm.
[11] https://www.tjsp.jus.br/Download/Corregedoria/pdf/LITIGANCIA-PREDATORIA-ENUNCIADOS_Lista_Final.pdf
[12] BRASIL, Conselho Nacional de Justiça. Recomendação 159/2024. Out. 2024. Disponível em https://atos.cnj.jus.br/files/original2331012024102367198735c5fef.pdf .
[13] https://atos.cnj.jus.br/files/original2331012024102367198735c5fef.pdf
[14] “Autora residente no exterior – Extinção do processo, sem resolução do mérito, ao argumento de que a parte autora não pode residir em outro país e COMPARECER AOS ATOS NECESSÁRIOS, PREVISTOS NA LEI N. 9.099/95. Necessário comparecimento pessoal da PARTE autora pode ser atendido designando-se audiência virtual, pois a presença da parte não necessita ser “física” mas apenas “pessoal”, privilegiando-se os princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando-se, sempre que possível, a conciliação ou a transação – Interpretação literal da Lei 9.099, promulgada no ano de 1995, quanto ao comparecimento pessoal, desconsidera o avanço tecnológico e a permissão de realização de audiências virtuais, quando justificado o pedido da parte, como ocorre no presente caso – Recurso provido para o fim de determinar o prosseguimento do feito, independente do local em que reside a autora, designando-se audiência virtual de tentativa de conciliação ou instrução, caso o Juízo entenda necessária a prática destes atos”. (TJSP; Recurso Inominado Cível 1008341-86.2023.8.26.0003; Relator (a): Carolina Bertholazzi; Órgão Julgador: 1ª Turma Recursal Cível – Santo Amaro; Foro Regional III – Jabaquara – 1ª Vara do Juizado Especial Cível; Data do Julgamento: 24/10/2023; Data de Registro: 24/10/2023).