No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

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Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Eficiência e interesse público

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A busca pela fórmula mágica da eficiência governamental está de volta ao noticiário, patrocinada nada menos do que pela dupla Donald Trump e Elon Musk, dois megafones globais com impressionantes poderes de pautarem as mídias, tanto nos Estados Unidos quanto em outros países, como o Brasil.

A criação do Department of Government Efficiency (Doge) foi anunciada com grande repercussão e cercada de elevadas expectativas. Sua missão é desmontar o chamado “Estado Administrativo” (Administrative State), construído a partir dos anos 1930 nos EUA.

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O New Deal talvez tenha sido a maior realização da sociedade estadunidense no século 20, referência mundial de entrega de serviços sociais em escala nacional e de políticas industriais e de inovação tecnológica, mesmo em se tratando de um país com um Estado relativamente pequeno se comparado a outras nações ricas e desenvolvidas.

Eficiência é um imperativo no setor privado. É questão de vida ou morte da empresa, colocada em xeque, permanentemente, pela demanda do mercado e pela competição. Eficiência é uma importante variável no governo. Insere-se no cálculo da governabilidade, juntamente com outras questões como o interesse público, estratégia nacional, déficits de capacidade, patamar tecnológico e a dinâmica governamental, que o exercício da política impõe.

Eficiência não se confunde com cortes de recursos, que são apenas isso, cortes com consequências nem sempre antecipadas. Pode-se ter ganho de eficiência com aumento, estabilização ou corte de recursos, desde que na ponta das entregas a proporção relativa do produto seja maior.

Exemplos: mais gastos com muito mais resultados. Mesmos gastos com mais resultados. Menos gastos, mas com proporção de produto menos atingidas proporcionalmente. Há uma vasta literatura sobre produtividade que data de mais de um século.

Nos Estados Unidos, Frederick Taylor, o pai da administração científica, familiar aos estudiosos da área da administração, economia e engenharia de produção, colocava eficiência no centro de seus estudos. Os campos da administração pública e empresarial nasceram praticamente entrelaçados nos EUA.

A preocupação com eficiência nas ações governamentais possui uma longa tradição na história administrativa estadunidense. No pós-guerra, a Hoover Commission, comitê bipartidário criado para revisar o papel do Estado, foi um importante marco na evolução do governo.

Richard Nixon estabeleceu o Ash Council para promover a reorganização do Poder Executivo em bases paraempresariais. Ronald Reagan criou a Grace Commission e montou uma força-tarefa com 150 executivos no início de sua presidência para “drenar o pântano” do governo, porém os resultados foram desproporcionalmente inferiores às expectativas que produziu.

Nos anos 1990, Bill Clinton lançou o programa Reiventando o Governo, que graças ao Decreto do Desempenho e Resultados Governamentais (Government Performance and Results Act), produziu significativa influência nos esforços de mensuração de resultados das organizações governamentais.

No Brasil a preocupação com eficiência começa com Getúlio Vargas. Em seu segundo mandato presidencial (1934-1937), foram criadas as chamadas Comissões de Eficiência em todos os ministérios. Eram os anos que antecederam a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp), quando a noção de um Estado eficiente proporcionou a base ideológica para o golpe criativamente denominado Estado Novo.

O Dasp – que só viria a ser extinto em 1986 – simbolizou por cinco décadas a ambição e a frustração de se dotar o país de um serviço público profissional e eficiente. O tema voltaria à agenda nacional no governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), com a criação da Comissão de Simplificação Burocrática (Cosb) e da Comissão de Estudos e Propostas Administrativas (Cepa).

No governo João Goulart foi criado o Ministério Extraordinário para Reforma Administrativa, que abrigou os trabalhos da Comissão Amaral Peixoto. No governo autoritário, merece registro a experiência do Ministério Extraordinário da Desburocratização, sob a liderança de Hélio Beltrão, que levou ao debate público a temática dos custos de transação de burocracias ineficientes, para empresas e cidadãos.

O conceito de eficiência foi introduzido na Constituição pela Emenda Constitucional 19, em 1998, como princípio da Administração Pública, no contexto dos esforços da chamada reforma gerencial, empreendida por Bresser Pereira, no governo Fernando Henrique Cardoso.

Nos últimos meses da segunda presidência de Dilma Rousseff foi criado o Comitê de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP) com foco na problematização da qualidade do gasto decorrente implementação das políticas públicas e programas do governo federal.

O CMAP hoje integra uma secretaria no Ministério do Planejamento e Orçamento (Secretaria de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas e Assuntos Econômicos), reforçado pelo governo Lula.

No Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos foi introduzida uma importante inovação com foco na eficientização dos gastos públicos: a criação da Secretaria de Serviços Compartilhados. O ponto de partida foi a Secretaria de Gestão Corporativa, do Ministério da Economia do governo Jair Bolsonaro. Só que no período 2019-2022 fundiram-se ministérios para extinguir políticas públicas – industrial e de emprego –, competências do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e do Ministério do Trabalho e Emprego.

O atual governo aproveitou a estrutura comum aos cinco ministérios fundidos no da Economia, como no governo anterior, para absorver as áreas-meio de mais oito ministérios, além de (re)criar os ministérios da Fazenda e da Gestão. Hoje o MGI provê serviços administrativos para 13 ministérios, quase um terço da Esplanada, com notáveis ganhos de eficiência, qualidade, tempestividade e precisão. A diferença é que todos estes ministérios seguem no comando de suas políticas públicas específicas.

A capa da publicação The Economist do final de novembro traz o retrato do presidente da Argentina, Javier Milei, e uma forte declaração: “Meu desprezo pelo Estado é infinito” (“My contempt for the State is infinite”). Esta visão do setor público está longe de ser isolada ou restrita a um país ou campo político.

O início do governo Trump promete ser brutal e seus efeitos serão duradouros. O experimento estadunidense, disruptivo por design, será didático e transmitido em tempo real para um mundo confuso e volátil. Mas não é porque certas coisas são tendências ou prováveis que são necessariamente boas ou desejáveis.

Existem forças políticas que enxergam no Estado democrático o propulsor do desenvolvimento, da inclusão, da sustentabilidade e do crescimento ao longo do último século.

A criação e a evolução do Estado moderno têm se caracterizado como uma força do progresso destinada a mostrar que os serviços públicos estão do lado da história, que governos importam muito para todos e que a construção da esperança de vidas melhores depende do desenvolvimento de capacidades para o enfrentamento de problemas de ação coletiva. Em tempos de oligopólios midiáticos digitais e inovações tecnológicas vertiginosas, estes desafios não poderiam ser maiores.

Nenhum país se desenvolveu sem o Estado ter desempenhado um papel estratégico decisivo no cumprimento dos seus papéis clássicos. Isto não significa que os Estados modernos não tenham que buscar eficiência continuamente, independentemente de suas matizes ideológicas.

Estados são cheios de problemas, déficits de capacidades e fracassos recorrentes. São também espaços para melhoras e transformações positivas para as pessoas. Vilanizá-los – Estados e seus funcionários – como forma de desmontá-los no interesse de poucos é diferente de criticá-los com vistas a seu melhor desempenho. Da mesma forma, defender um papel robusto para o setor público não significa pactuar com seus bolsões de ineficiência, corporativismos e desigualdades.

O momento exige atenção porque o início da segunda presidência Trump vai cegar a todos com suas terapias de choque. A possibilidade de se confundir interesses públicos e privados é muito grande. O discernimento é chave para que se compreenda o sentido das transformações desejadas e a disputa de agendas transformadoras burocráticas.

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