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Apesar de o bilionário Elon Musk se definir como um “absolutista da liberdade de expressão” e ter protestado contra o que definiu como “tanta censura” do ministro Alexandre de Moraes, o empresário tem cumprido, sem reclamar, centenas de ordens de remoção de conteúdo vindas dos governos da Índia e da Turquia.
Na Índia, o X (ex-Twitter) removeu links para o documentário da BBC “Índia: A questão Modi” após determinação do governo do primeiro-ministro Narendra Modi, no ano passado. O documentário retrata o papel de Modi em um massacre de quase mil muçulmanos no estado de Gujarat, em 2002. Modi governava o estado e é acusado de omissão.
“Vídeos compartilhando a propaganda hostil da BBC World e lixo anti-Índia, disfarçados de ‘documentário’ no YouTube, e tuítes compartilhando links para o documentário da BBC foram bloqueados sob as leis e regras soberanas da Índia”, disse na época Kanchan Gupta, assessor do Ministério de Informação e Radiodifusão da Índia. Ele acrescentou que tanto o YouTube quanto o Twitter, já sob o comando de Musk, tinham cumprido a ordem.
Indagado três meses depois sobre as publicações removidas pelo X, Musk afirmou que não poderia descumprir as leis do país –ao contrário do que prometeu fazer no Brasil sobre liberar contas bloqueadas pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
“As regras na Índia sobre o que pode aparecer nas redes sociais são muito estritas e nós não podemos violar as leis do país”, disse, em entrevista em abril de 2023.
A Índia tem visto uma crescente erosão na liberdade de expressão sob o governo do primeiro-ministro Modi, da direita fundamentalista hindu.
Nos últimos meses, o X tem removido sistematicamente publicações contrárias ao governo e banido contas de jornalistas críticos na Índia. Em outubro, por exemplo, bloqueou as contas de dois grupos de defesa de direitos humanos com sede nos EUA –o Hindus for Human Rights (Hindus pelos Direitos Humanos) e o Indian American Muslim Council (Conselho Muçulmano Indo-Americano), críticos a Modi.
Não há números exatos, pois a empresa deixou de publicar relatórios sobre contas suspensas por decisão judicial desde que foi comprada por Elon Musk em 2022.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, de 2012 a 2022, o Twitter publicou dados semestrais detalhados por país sobre pedidos de informação por parte de governo e exigências legais para remover ou reter conteúdo. O relatório mais recente foi divulgado em 28 de julho de 2022, com dados do segundo semestre do ano anterior.
O bilionário tampouco protestou contra pedidos de remoção na Turquia, outro país com governo autocrático de direita. Lá, o X restringiu o alcance de centenas de tuítes por ordem do governo de Recep Erdogan nas vésperas da eleição presidencial de 2023.
Em resposta às críticas de um jornalista sobre a restrição de alcance das publicações, Musk disse, pelo X: “A escolha é estrangularem completamente o Twitter ou limitar acesso a alguns tuítes. O que você prefere?”
Além disso, Musk processou a organização Center for Countering Digital Hate (CCDH, centro para combate ao ódio digital) por causa de um estudo que apontava alta no faturamento com anúncios ligados a discurso de ódio após a compra da plataforma pelo empresário. No fim de março, um juiz da Califórnia arquivou a ação, afirmando se tratar de uma tentativa de Musk de silenciar seus críticos. “Essa ação é uma tentativa de punir os réus por causa de seu discurso”, disse o juiz Charles Breyer.
À Folha de S.Paulo o presidente do CCDH, Imran Ahmed, afirmou: “Elon Musk se vende como um herói da liberdade de expressão, mas ele moveu uma ação para silenciar minha organização quando fizemos uma pesquisa sobre discurso de ódio na plataforma e determinamos que esse tipo de conteúdo explodiu após ele assumir o X”.
Segundo Khan, Musk “é um hipócrita e um valentão, e não o paladino defensor da Constituição que ele diz ser”.
Uma reportagem do site Rest of the World mostrou que, entre 27 de outubro de 2022 e 26 de abril de 2023, o X recebeu 971 pedidos de governos e sistemas judiciais para remover conteúdo, contas ou fornecer informações privadas de perfis. O X cumpriu 808 deles -uma taxa de mais de 80%. Antes disso, a taxa de cumprimento de ordens de governos pelo X estava em cerca de 50%, segundo a Rest of The World,
Procurada, a assessoria de imprensa do X não respondeu.
No último domingo (7), Moraes determinou a inclusão de Musk como investigado no inquérito que apura a existência de milícias digitais antidemocráticas e seu financiamento.
Naquele dia, o empresário havia dito que o magistrado deveria renunciar ou sofrer impeachment. Um dia antes, um perfil oficial da plataforma havia declarado que bloqueou “determinadas contas populares no Brasil”, e Musk retuitou mensagem em que disse que estamos revendo “todas as restrições” e que “princípios importam mais que o lucro”.
Posteriormente, o empresário disse que Moraes se tornou o “ditador do Brasil” e deveria ser julgado por seus crimes.
Por Patrícia Campos Mello
O post Musk cumpriu centenas de ordens de remoção de conteúdo do X fora do Brasil sem acusar censura apareceu primeiro em Mais Brasília.