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A indústria de apostas esportivas no Brasil experimentou um crescimento exponencial, registrando um aumento de 734,6% no período entre 2021 e abril de 2024, conforme levantamento da plataforma de análise de dados Datahub[1].
Essa expansão expressiva, aliada à falta de regulamentação em um setor que movimenta quantidades significativas de recursos financeiros, pode criar um ambiente propício para a realização de atos ilegais. Em resposta a esse cenário, foi promulgada a Lei 14.790, de 29 de dezembro de 2023[2], introduzindo um conjunto de mudanças significativas no panorama das apostas esportivas no país, em especial a sua tributação.
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As apostas esportivas são conhecidas objetivamente como apostas de cota fixa, nas quais o apostador sabe antecipadamente o valor de retorno caso a aposta se concretize. Este sistema oferece transparência e previsibilidade, pois as odds (probabilidades) são estabelecidas antecipadamente pela casa de apostas, refletindo as análises estatísticas e informações disponíveis.
O principal objetivo desse projeto é regulamentar as apostas esportivas com a finalidade de estabelecer um ambiente com um grau maior de segurança jurídica. A regulamentação desse setor proporciona maior controle e transparência sobre o mercado de apostas, promovendo um ambiente mais seguro e regulado para os apostadores. Além disso, segundo a ministra do Esporte à época, Ana Moser, a regulamentação pretende preservar a integridade esportiva, enaltecendo os valores do esporte como referência para toda a sociedade[3].
A lei tem origem no PL 3626/2023, proposta pelo Poder Executivo e aprovada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. A votação do projeto na Câmara ocorreu em 22 de dezembro de 2023 e sofreu alguns vetos em seu texto original[4]. Um dos vetos mais impactantes se deu no dispositivo que isentava os apostadores do pagamento de Imposto de Renda, desde que os ganhos adquiridos não superassem a primeira faixa de isenção da tabela progressiva aplicada ao Imposto de Renta sobre Pessoa Física (IRPF).
Outro ponto de destaque foi o veto à determinação da cobrança do imposto sobre o chamado prêmio líquido, que se refere ao valor do efetivo ganho por um apostador ao longo de um ano, após descontadas todas as perdas do mesmo tipo ocorridas no período. Os vetos em questão foram recomendados pelo Ministério da Fazenda, justificando que tais dispositivos feririam o princípio da isonomia tributária.
No entanto, ambos os vetos supramencionados foram derrubados em sessão conjunta em maio de 2024, por meio de votação de deputados e senadores. Dessa forma, a lei foi por fim promulgada com a isenção do imposto sobre as apostas para ganhos que não excedessem o valor da primeira faixa da tabela progressiva anual do IRPF e com a cobrança do imposto apenas sobre o prêmio líquido, isto é, descontadas as perdas e valores apostados[5].
Em relação a tributação, a nova normativa trouxe uma dinâmica inovadora para as apostas esportivas. Além dos tributos geralmente aplicáveis às empresas, como IRPJ, CSLL, PIS, Cofins e ISS, a lei institui um regime tributário específico para os operadores de apostas esportivas.
Nesse modelo, 88% da receita obtida com as apostas, descontados os prêmios pagos aos ganhadores e o imposto de renda incidente sobre essas premiações, permaneceram com as empresas. Os 12% restantes terão destinações específicas: 2% serão recolhidos como Contribuição para a Seguridade Social, enquanto o restante será alocado para áreas como educação, segurança pública, esporte, turismo, saúde, entre outros setores e fundos específicos. Para os apostadores, incidirá uma alíquota de 15% sobre os prêmios líquidos que ultrapassarem o valor da primeira faixa da tabela progressiva anual do IRPF.
Além disso, as empresas serão obrigadas a obter credenciamento, satisfazer requisitos específicos e pagar taxas para operar legalmente no Brasil. Essas exigências estão estipuladas no art. 7º da Lei 14.790/23, que estabelece, dentre outras imposições, quais condições as casas de apostas devem se adequar para operar legalmente no país.
Dessa forma, o controle normativo e a tributação das empresas aumentam a arrecadação do Estado e combatem as possíveis operações ilegais em um mercado que movimenta uma quantia de recursos significativa.
É importante salientar que os dispositivos retomados com a derrubada dos vetos pelo Congresso Nacional ainda não foram introduzidos na Instrução Normativa RFB 1500, de 29 de outubro de 2014, que permanece com a redação dada pela Instrução Normativa 2191, de 6 de maio de 2024, publicada poucos dias antes da sessão[6], e que veda a dedução das perdas ao longo do ano-calendário, em sentido contrário ao que está garantido na lei.
Isso, pois, a instrução determina que, em caso de lucro por parte dos apostadores, o recolhimento do tributo deverá ocorrer diretamente na fonte sem a realização de deduções, o que está em desacordo com a Lei 14.790/23.
Além de estar contrária à lei, a Instrução Normativa também vai de encontro o posicionamento da Associação Nacional de Jogos e Loteria[7], que indica que a cobrança anual é considerada uma forma de tributação mais justa para todos os envolvidos. Esse método leva em conta um período mais longo, mais adequado à realidade dos apostadores e ao conceito de renda.
Ademais, outro estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR)[8] indicou que a apuração mensal pode resultar em uma má calibragem da carga efetiva incidente sobre os resultados líquidos, ocasionando um afastamento dos jogadores do mercado formal de apostas.
Diante disso, há uma expectativa por parte das empresas de apostas de que o fisco adeque a instrução normativa ao texto aprovado pelo Congresso, alinhando-se à proposta de apuração anual.
Faz-se necessário, portanto, observar uma importante mudança no cenário das apostas esportivas no Brasil. A introdução da tributação dos prêmios, com alíquotas diferenciadas e a necessidade de declarar os ganhos líquidos, reflete o esforço do governo em aumentar a arrecadação e regularizar um mercado em crescimento. A derrubada de vetos e a constante discussão do tema em ambiente parlamentar demonstram a relevância que essa atividade passou a ter no cenário econômico fiscal brasileiro.
Em suma, a Lei 14.790 não apenas regulamenta um mercado em expansão, mas também inaugura uma nova era de responsabilidade e transparência nas apostas esportivas.
Os usuários e as empresas de apostas esportivas terão a obrigação de se adequar às determinações estabelecidas em lei, o que alinha aos interesses governamentais, com uma nova fonte de arrecadação, por meio da implementação de novas exações e a definição de parâmetros que asseguram uma maior segurança jurídica. Resta saber se essas medidas resultarão em melhorias efetivas para a sociedade brasileira ao longo dos anos.
[1] NAKAMURA, João. Setor de apostas online cresceu 734% desde 2021, aponta pesquisa: número de empresas abertas no setor até abril deste ano é maior que resultado de todo 2022. CNN Brasil, São Paulo, 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/negocios/setor-de-apostas-online-cresceu-734-desde-2021-aponta-pesquisa/. Acesso em: 2 dez. 2024.
[2] BRASIL. Lei nº 14.790, de 29 de dezembro de 2023. Dispõe sobre a modalidade lotérica denominada apostas de quota fixa; Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 29 dez. 2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14790.htm. Acesso em: 2 dez. 2024.
[3] BRASIL. Governo Federal anuncia a regulamentação do mercado de apostas esportivas: Ministérios da Fazenda e do Esporte são coautores das propostas, sanando quatro anos de ausência de regras. Ministério da Fazenda, 25 jul. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2023/07/governo-federal-anuncia-a-regulamentacao-do-mercado-de-apostas-esportivas. Acesso em: 2 dez. 2024.
[4] CÂMARA DOS DEPUTADOS. Câmara aprova projeto que regulamenta apostas on-line. Agência Câmara de Notícias, 2024. Reportagem: Carol Siqueira; Edição: Pierre Triboli. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/1029089-camara-aprova-projeto-que-regulamenta-apostas-on-line#:~:text=A%20C%C3%A2mara%20dos%20Deputados%20aprovou,da%20arrecada%C3%A7%C3%A3o%2C%20entre%20outros%20pontos. Acesso em: 2 dez. 2024.
[5] BRASIL. Congresso retoma isenção de IR para ganhos com apostas esportivas. Agência Senado, 09 maio 2024, 17h40. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/05/09/parte-dos-vetos-a-lei-das-apostas-esportivas-e-rejeitada-pelo-congresso. Acesso em: 2 dez. 2024.
[6] BRASIL. Receita Federal regulamenta tributação de apostas de quota fixa. Receita Federal, 07 maio 2024, 16h57. Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/noticias/2024/maio/receita-regulamenta-tributacao-de-apostas-de-quota-fixa. Acesso em: 2 dez. 2024.
[7] DI CUNTO, Raphael; RIBEIRO, Marcelo; TONET, Caetano. Congresso aprova imposto de renda anual para prêmios de apostas esportivas. Valor Econômico, Brasília, 09 maio 2024, 16h01. Disponível em: https://valorinveste.globo.com/mercados/brasil-e-politica/noticia/2024/05/09/congresso-imposto-de-renda-apostas-esportivas-bets.ghtml. Acesso em: 2 dez. 2024.
[8] LCA CONSULTORIA ECONÔMICA. Simulação do impacto da tributação sobre os rendimentos dos jogadores nas apostas de quota fixa. Estudo Econômico para o Instituto Brasileiro do Jogo Responsável – IBJR, 2024. Disponível em: https://bnldata.com.br/wp-content/uploads/2024/04/Impacto-da-Tributacao-sobre-Apostadores_LCA_IBJR_2024-04-11.pdf. Acesso em: 2 dez. 2024.