No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

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Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Como a economia digital está moldando a tributação global

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A tributação da economia digital é tema central no cenário internacional, dado o crescimento do número de empresas de tecnologia e sua relevância no contexto global.

Recente estudo do Ministério da Fazenda[1] mostra como empresas de tecnologia passaram a dominar a geração de valor na economia mundial, atingindo patamares sem precedentes e superando setores tradicionais como petróleo, financeiro, farmacêutico, construção, alimentos e bebidas, telecomunicações e varejo.

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Do ponto de vista tributário, a natureza intangível de produtos e serviços oferecidos remotamente (isto é, sem presença física no local de consumo) e a alavancagem de ativos de terceiros, stakeholders de ecossistemas digitais, geram desafios para a identificação da jurisdição competente para tributação.

Evolução das 10 maiores empresas negociadas em Bolsa, por valor de mercado (USD)

Desde o lançamento da Ação 1 do BEPS[2] e do VAT/GST Guidelines[3] pela OCDE, diversas iniciativas foram adotadas na tentativa de assegurar uma divisão mais justa dos tributos entre os países onde essas empresas operam, geram valor e onde se dá o consumo. Apontamos neste artigo sete iniciativas que estão moldando o ambiente regulatório internacional e seus reflexos no Brasil.

Pilar 1 da OCDE: realocação de lucros

O Pilar 1 do projeto BEPS da OCDE propõe uma nova estrutura para a alocação de lucros de multinacionais e definição da jurisdição competente para tributá-los. A proposta busca transferir parte dos lucros para os países dos usuários, independente da presença física da empresa, redefinindo o critério de conexão para permitir que o país do mercado consumidor tenha direitos sobre a tributação de lucros.

Ainda não há um consenso sobre como viabilizar essa proposta. Enquanto isso, diversos países (como França, Itália, Espanha, Áustria e Turquia) instituíram um Digital Service Tax (DST) como medida temporária para tributar as receitas das big techs, o que gerou instabilidade no cenário global e até retaliações por parte dos Estados Unidos.

O Brasil não implementou propriamente um DST, muito embora tenha discutido o assunto e enviado propostas legislativas ao Congresso, a exemplo da CIDE-Digital.[4] Nova onda de discussão surgiu sob o comando do ministro Fernando Haddad, mas sem uma proposta concreta.

Pilar 2 da OCDE: Imposto mínimo global

Com o Pilar 2, a OCDE propôs uma alíquota mínima global de 15% sobre o lucro das empresas multinacionais, incluindo as do setor digital, a ser aplicada sobre lucros oriundos de todas as jurisdições. Este movimento busca evitar que as empresas realoquem suas operações para países com baixa carga tributária, garantindo que elas paguem um montante mínimo de imposto em cada país onde atuam.

A comunidade internacional apoiou a implementação dessa medida, incluindo o Brasil. Em outubro de 2024, o governo brasileiro editou a MP 1262/2024, que estabeleceu uma tributação mínima efetiva de 15% sobre o lucro de grandes grupos multinacionais por meio da criação de um adicional de CSLL. A MP ainda está sob análise e apresenta uma série de dúvidas sobre sua implementação e constitucionalidade.

Regras de preços de transferência

Recentemente, com a edição da Lei 14.596/2023, o Brasil ajustou suas regras de preços de transferência para se aproximar do modelo proposto pela OCDE, o que resultou em uma série de alterações que impactam as empresas de tecnologia. As novas regras se aplicam a todas as transações realizadas entre partes relacionadas e abrangem “qualquer relação comercial ou financeira” entre essas partes, não mais se limitando a bens, serviços e direitos.

Houve também uma mudança significativa com relação aos pagamentos de royalties, direitos autorais e outras remunerações de intangíveis, que passam a se sujeitar às regras de preços de transferência.

Em virtude da inclusão dos royalties no escopo das novas regras de preços de transferência, as limitações com relação à dedutibilidade desses pagamentos também sofreram alterações. Não há mais vedação à dedução de royalties pagos a sócios, empresa matriz ou controladora no exterior, tampouco limite máximo de dedução de 5% da receita bruta do produto fabricado ou vendido. Contudo, não será permitida a dedução de valores que resultar em dupla não tributação.

Outro marco significativo na transição para o padrão da OCDE é o fim da liberdade de escolha do método de preços de transferência pelo contribuinte. Com a nova lei, o contribuinte deve adotar o “método mais apropriado” e não mais poderá eleger o método que melhor lhe convenha.

Aplicação de tratados internacionais

Os tratados internacionais sobre dupla tributação, concebidos para contextos econômicos tradicionais, enfrentam dificuldades em lidar com a natureza intangível, escalável e global das operações digitais. Constantemente vemos discussões sobre o que constitui estabelecimento permanente ou qual a natureza dos recursos sendo direcionados a outra jurisdição.

No Brasil, questões envolvendo as definições de lucro empresarial, royalties e serviço técnico para fins de aplicação de tratados têm gerado intensos debates pertinentes à incidência do IRRF nas remessas. Sem adentrar às nuances de cada tratado, ante a ausência de uma definição de serviço técnico ou equiparação ao conceito de royalties, as remessas não deveriam se sujeitar ao IRRF por representarem lucro da empresa no exterior sujeita à tributação na jurisdição estrangeira. Contudo, em inúmeras oportunidades vemos a administração questionar esse tratamento.

Em 8 de outubro de 2024, o STJ afetou três casos para julgamento sob a sistemática de recursos repetitivos com potencial de dirimir algumas dessas questões. Os Recursos Especiais 2.060.432/RS, 2.133.370/SP e 2.133.454/SP analisarão a incidência do IRRF sobre as remessas ao exterior para pagamento de serviços, sem transferência de tecnologia, prestados por empresas localizadas em países com os quais o Brasil tenha celebrado tratado.

Reforma tributária do consumo

Em 2017, a OCDE publicou o VAT/GST Guidelines contendo as principais diretrizes sobre a tributação do consumo no mundo, impactando reformas de IVA em mais de 100 jurisdições, incluindo o Brasil.[5] A Emenda Constitucional 132/2023, que reforma a tributação do consumo no Brasil, segue os preceitos da OCDE ao adotar princípios de neutralidade, eficiência, simplicidade e efetividade.

Os principais pontos da reforma tributária que tocam a economia digital incluem (i) base ampla de incidência do IBS e da CBS, que engloba a prestação de serviços e operações com bens tangíveis e intangíveis, independentemente de como está estruturada a operação ou da nomenclatura adotada; (ii) alíquota uniforme aplicada indistintamente a todas as operações[6]; e (iii) tributação no destino, deslocando a competência ativa ao ente onde se concretiza o consumo.

Essas mudanças prometem pôr fim à guerra fiscal entre estados e municípios, bem como eliminar disputas relativas à qualificação jurídica da operação e alíquota aplicável.

Atribuição de responsabilidade tributária às plataformas

Existe uma tendência mundial de adoção de regras de responsabilização das plataformas digitais pelo recolhimento do IVA, especialmente após estudos apontarem o papel significativo desempenhado por esses players no aumento de eficiência na arrecadação sobre fornecimentos online, particularmente nas operações B2C.

Como apontado no relatório da OCDE Consumption Tax Trends 2024, praticamente todos os países-membros já implementaram um regime de responsabilização das plataformas nas operações cross-border B2C.

Essa discussão não é nova no Brasil. Diversos estados já possuem regras que visam atribuir algum nível de responsabilidade tributária a plataformas digitais. O tema, contudo, ganhou destaque com a reforma tributária do consumo, que trouxe previsão de responsabilização às plataformas digitais, nacionais e estrangeiras, pelo recolhimento do IBS e da CBS, indo além das recomendações da OCDE sobre o tema.

É preciso acompanhar de perto a aprovação do texto do PLP no Congresso Nacional e sua efetiva implementação. Ainda existe uma série de dúvidas sobre o conceito de plataforma digital, a sua efetiva capacidade contributiva para recolher tributos sobre o consumo, os custos de compliance que essas plataformas deverão suportar, bem como eventuais atenuantes de responsabilidade em casos de dados incorretos fornecidos pelos envolvidos na operação viabilizada pela plataforma.

Tributação sobre a coleta e uso de dados

Com o crescente volume de receitas geradas por empresas de tecnologia através da monetização de dados dos usuários, a comunidade internacional tem discutido a criação de tributos específicos sobre a coleta de dados para usos comerciais. Nos EUA, os estados de Nova York e Washington já avançaram com propostas legislativas para criar um “data excise tax[7], tributo sobre empresas que coletam dados pessoais com finalidade lucrativa.

Embora em estágio inicial, essa abordagem reflete uma tentativa de adaptar os sistemas tributários aos novos modelos de negócios digitais. Ainda estamos longe de chegar a um consenso sobre a qualidade dessa medida, inclusive diante de inúmeros desafios que uma proposta dessa magnitude enfrentaria (desde dificuldade de atribuição de valor aos dados, até quem teria competência para tributar em nível internacional). No Brasil, não vemos propostas efetivas sobre o tema.

Os pontos trazidos acima indicam uma transformação no paradigma da tributação internacional, em certa medida já internalizado pelo Brasil. A quebra de paradigma não é indolor para as empresas de tecnologia, que enfrentam desafios significativos para se adequarem às novas regulações e incorrem custos crescentes de compliance.

A aceitação das regras pela comunidade internacional e coordenação entre os países são fatores decisivos para a consolidação de uma estrutura tributária eficiente e harmoniosa para a economia digital global. Não podemos perder de vista, contudo, que cada jurisdição tem sua particularidade e arcabouço normativo próprio, sendo necessária cautela na implementação de diretrizes internacionais.


[1] Ministério da Fazenda. Plataformas Digitais no Brasil: Fundamentos Econômicos, Dinâmicas de Mercado e Promoção de Concorrência. Data de publicação: 22.10.2024. Disponível em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/central-de-conteudo/publicacoes/relatorios/relatorio-economico_plataformas_publicacao_rev.pdf

[2] OECD (2015), Addressing the Tax Challenges of the Digital Economy, Action 1 – 2015 Final Report, OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project, OECD Publishing, Paris. http://dx.doi.org/10.1787/9789264241046-en

[3]  OECD (2017), International VAT/GST Guidelines, OECD Publishing, Paris. http://dx.doi.org/10.1787/9789264271401-en

[4] Outras iniciativas incluem PL nº 2358/2020, PL nº 640/2021, PLP n° 131/2020 e PLP nº 218/2020.

[5] OECD (2024), Consumption Tax Trends 2024: VAT/GST and Excise, Core Design Features and Trends, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/dcd4dd36-en.

[6] Vale observar que existem operações com alíquotas diferenciadas/reduzidas, mas essa discussão não é necessariamente pertinente à economia digital.

[7] Disponível em: https://news.bloombergtax.com/daily-tax-report-state/data-excise-taxes-are-cutting-edge-but-packed-with-legal-risks

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