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A responsabilidade tributária na arrematação judicial de imóveis

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A fixação do Tema 1.134 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) gerou impactos significativos e favoráveis para a arrematação judicial, promovendo segurança jurídica aos arrematantes. A questão central analisada foi a responsabilidade do adquirente pelos débitos tributários incidentes sobre o imóvel alienado, cujos fatos geradores antecedem a data da arrematação.

A alienação judicial é o procedimento pelo qual o Poder Judiciário promove a venda forçada de bens do devedor a terceiros, com o objetivo de satisfazer obrigações reconhecidas em juízo. Prevista nos artigos 879 e 880 do Código de Processo Civil[1], essa medida pode ser realizada por leilão judicial ou por iniciativa particular, na hipótese de não ter sido efetivada a adjudicação.

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Dentre essas modalidades, o leilão judicial é a forma mais usual, consistindo na oferta pública dos bens para alcançar o maior valor possível e gerar a liquidez necessária para satisfação da dívida. A arrematação judicial, disciplinada pelo artigo 903 do CPC[2], marca a etapa final do leilão, na qual o bem é transferido ao licitante que apresenta o maior lance, concretizando-se a transferência de propriedade mediante o pagamento do preço ofertado, conforme as condições estabelecidas no edital.

A despeito de sua detalhada previsão normativa, persistiam dúvidas acerca da arrematação de bens imóveis, especialmente no que se refere à responsabilidade por débitos tributários a eles vinculados, que frequentemente recaíam sobre o arrematante. Essa questão refletia uma tensão normativa entre o Direito Processual, que regula o procedimento do leilão e a transferência de propriedade, e o Direito Tributário, que define as obrigações fiscais associadas ao bem, gerando incertezas sobre as responsabilidades resultantes da arrematação, desestimulando-a em muitos casos.

O artigo 686, inciso V, do CPC de 1973[3] já previa que o edital de hasta pública deveria informar os ônus existentes sobre o bem a ser alienado. Com a promulgação do CPC de 2015, essa obrigação foi mantida no artigo 886, inciso VI[4], reforçando a importância de assegurar transparência sobre as condições do imóvel leiloado, incluindo a divulgação de eventuais débitos preexistentes.

No âmbito tributário, por sua vez, a responsabilidade dos adquirentes de imóveis em relação a tributos incidentes sobre a propriedade é prevista no artigo 130 do Código Tributário Nacional (CTN)[5]. Em regra, o caput do artigo 130 prevê que, ao adquirir um imóvel, o novo proprietário passa a responder pelos tributos relativos à propriedade, domínio útil ou posse do bem, transferindo, assim, ao adquirente a responsabilidade sobre débitos anteriores. Contudo, o parágrafo único do artigo 130 estabelece uma exceção: no caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação dos débitos tributários ocorre sobre o preço de arrematação e não sobre o próprio arrematante.

Nesse contexto normativo, a extensão da responsabilidade do arrematante pelos débitos tributários pendentes gerou controvérsia jurisprudencial. O STJ entendia que, na ausência de previsão expressa no edital de hasta pública, prevalecia a regra do parágrafo único do artigo 130 do CTN, segundo a qual os débitos tributários sub-rogam-se no preço da arrematação, isentando o arrematante de qualquer responsabilidade.

Contudo, em editais que atribuíssem explicitamente ao arrematante a responsabilidade pelos débitos tributários incidentes sobre o bem na data da arrematação, o STJ, com base no artigo 686, inciso V, do CPC/73, admitia essa imputação, afastando a sub-rogação prevista no CTN.

A recente análise aprofundada realizada pela Primeira Seção do STJ concluiu que a atribuição de responsabilidade tributária ao arrematante, com base em cláusulas editalícias, é incompatível com o ordenamento jurídico tributário. Assim, no julgamento do REsp 1914902/SP (2021/0003778-1), de relatoria do ministro Teodoro Silva Santos, foi fixado o Tema 1.134, com a seguinte tese: “Diante do disposto no art. 130, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, é inválida a previsão em edital de leilão atribuindo responsabilidade ao arrematante pelos débitos tributários que já incidiam sobre o imóvel na data de sua alienação”.

A decisão pautou-se na natureza da aquisição do imóvel, conforme delineada pela doutrina civilista e incorporada na norma tributária. O caput do artigo 130 do CTN regula a alienação comum, em que a transmissão do domínio ocorre de forma derivada, estabelecendo uma relação de causalidade entre o transmitente e o adquirente, com a transferência do bem e de seus ônus.

Em contrapartida, o parágrafo único do mesmo dispositivo legal trata da alienação judicial, caracterizada pela aquisição direta e originária do bem, sem qualquer vínculo com o antigo proprietário, o que isenta o arrematante de encargos preexistentes sobre o imóvel.

Quanto à natureza da aquisição, leciona o jurista Sílvio Salvo Venosa que “a aquisição da propriedade é originária quando desvinculada de qualquer relação com o titular anterior. Nela, não existe relação jurídica de transmissão. Inexiste ou não há relevância jurídica na figura do antecessor” (Direito Civil. Vol. V, 15ª ed. Atlas. São Paulo, 2015. p. 196).

Portanto, como bem ponderado pelo ministro relator do Recurso Especial, “quando a aquisição do imóvel ocorrer mediante alienação judicial, a sub-rogação se operará sobre o preço ofertado, e não sobre o arrematante, que receberá o bem livre de quaisquer ônus. Nesse específico caso, a aquisição da propriedade dar-se-á na sua forma originária, visto que não há relação de causalidade entre o antigo proprietário do bem e o seu adquirente”.

Além disso, o STJ reconheceu que o artigo 886 do CPC, ao determinar a inclusão, no edital de hasta pública, das informações sobre os ônus incidentes sobre o bem, não atribui, nem mesmo de forma implícita, a responsabilidade por tais encargos ao arrematante.

E nem poderia ser diferente, uma vez que, por se tratar de um ramo do Direito Público, o arcabouço normativo que rege o Direito Tributário possui natureza cogente, não permitindo flexibilizações que criem ou modifiquem hipóteses de responsabilidade tributária em desconformidade com a legislação. Por essa razão, cláusulas editalícias que tentem imputar ao arrematante encargos tributários preexistentes são inválidas, pois contrariam o artigo 123 do CTN[6] e afrontam a reserva de lei complementar prevista no artigo 146, inciso III, alínea “b”, da Constituição Federal[7].

Para equilibrar os interesses das partes e evitar impacto excessivo à Fazenda Pública, com fundamento nos §§ 3º e 4º do art. 927 do CPC, o STJ decidiu modular os efeitos da decisão, restringindo a aplicação da tese aos leilões cujos editais sejam publicados após o julgamento do Tema 1.134, preservando, assim, a arrecadação pública e a segurança jurídica de situações já consolidadas.

Ocorre que, apesar da recente fixação do Tema 1.134 pelo STJ e do estabelecimento da data de corte para sua aplicação para efeitos de modulação, o entendimento consolidado na tese já vinha sendo aplicado por diversos tribunais pátrios em decisões reiteradas, refletindo uma tendência jurisprudencial de reconhecer a isenção do arrematante quanto à responsabilidade por débitos fiscais preexistentes incidentes sobre o imóvel arrematado.

A título exemplificativo, destaca-se a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), no sentido de que, “existindo a hasta pública do imóvel, não há como atribuir ao arrematante a responsabilidade por débito tributário anterior à arrematação. Conforme orientação do dispositivo legal mencionado [art. 130, parágrafo único, do CTN], os débitos tributários devem ser deduzidos do respectivo preço” (TJSP, Agravo de Instrumento 2125223-26.2023.8.26.0000, 18ª Câmara de Direito Privado, Relator Des. Israel Góes dos Anjos, Data de Julgamento: 15/09/2023).

Nesse contexto, a modulação estabelecida pelo STJ, para afastar o entendimento anteriormente consolidado pelos tribunais em situações anteriores à fixação do Tema 1.134, que simplesmente refletiu esse mesmo entendimento, para atribuir ao arrematante a responsabilidade pelos débitos fiscais, é incompatível com os princípios da razoabilidade e da segurança jurídica.

Assim, a despeito da modulação determinada pelo STJ, é plenamente sustentável a exclusão da responsabilidade do arrematante pelos referidos débitos tributários, mesmo nos casos em que os editais tenham sido publicados anteriormente ao julgamento do Tema 1.134.

A tese fixada no julgamento do Tema 1.134, sem dúvida, é um marco relevante para a segurança jurídica nos leilões judiciais, ao estabelecer que o arrematante não pode ser responsabilizado por débitos tributários anteriores à arrematação.

Essa decisão harmoniza as disposições do Direito Processual e Tributário, incentiva a participação nos leilões e promove a celeridade na execução judicial, fortalecendo o processo judicial como instrumento eficaz para satisfação de crédito, não sendo possível e juridicamente sustentável, no entanto, a criação de uma classe menos favorecida de leilões que imponha a terceiros-arrematantes ônus financeiro desigual, unicamente em razão da anterioridade dos respectivos leilões em relação à unificação da posição jurisprudencial sobre o tema, gerando, inclusive, conflito com a posição já há muito adotada pelos tribunais estaduais.


[1]  Art. 879. A alienação far-se-á:

I – por iniciativa particular;

II – em leilão judicial eletrônico ou presencial.

Art. 880. Não efetivada a adjudicação, o exequente poderá requerer a alienação por sua própria iniciativa ou por intermédio de corretor ou leiloeiro público credenciado perante o órgão judiciário.

[2]  Art. 903. Qualquer que seja a modalidade de leilão, assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo leiloeiro, a arrematação será considerada perfeita, acabada e irretratável, ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado ou a ação autônoma de que trata o § 4º deste artigo, assegurada a possibilidade de reparação pelos prejuízos sofridos.

[3] “Art. 686. A arrematação será precedida de edital, que conterá:

[…]

V – a menção da existência de ônus, bem como de recurso pendente da decisão;

[4]  Art. 886. O leilão será precedido de publicação de edital, que conterá:

[…]

VI – menção da existência de ônus, recurso ou processo pendente sobre os bens a serem leiloados.

[5] Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, sub-rogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação.

Parágrafo único. No caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço.

[6] Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.

[7] Art. 146. Cabe à lei complementar:

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

  1. b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

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