No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

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Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

JOTA estreia série de entrevistas sobre desafios de ensinar Direito Constitucional no Brasil polarizado

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Como ensinar as novas gerações de advogados, juízes, defensores públicos, promotores, pesquisadores e futuros professores em tempos de polarização e de disputa, inclusive, sobre direitos fundamentais que pareciam consolidados? A Constituição é um documento amplo, vivo, mutável, capaz de abrigar muitas leituras. A interpretação sobre como aplicar o texto da Carta Magna cabe à sociedade, ao Congresso e ao Supremo. Mas existe uma forma mais criteriosa de fazer isso, baseada em uma leitura sistêmica do Direito, com método e pesquisa exaustiva. E há pessoas que dedicam suas vidas a entender a melhor forma de interpretar a Constituição. Esses especialistas, os professores de Direito Constitucional, compartilham esse conhecimento nas salas de aula e enfrentam hoje um desafio nunca antes testemunhado.

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Em razão deste desafio, o JOTA lança na próxima segunda-feira (20/1) uma série de entrevistas com professores de Direito Constitucional que aborda como esse desafio afeta o ensino e a formação dos futuros operadores do Direito, em um cenário no qual a Constituição é não apenas um texto jurídico, mas também o campo de inúmeras disputas sociais.

Como transmitir às novas gerações o valor do acordo histórico costurado pela Assembleia Constituinte — que selou o fim da ditadura e marcou a transição para a democracia — quando o próprio texto constitucional se torna alvo de intensos debates políticos e ideológicos? Nesta série, os professores respondem.

Até o momento onze professores reconhecidos pela excelência no ensino de Direito Constitucional no país foram entrevistados. São eles:

  • André Rufino, do IDP, em Brasília (DF);
  • Ana Laura Barbosa, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM);
  • Breno Baía: da Universidade Federal do Pará (UFPA);
  • Carlos Bastide Horbach, da Universidade de São Paulo (USP)
  • Diego Werneck, do Insper;
  • Ingo Sarlet, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS);
  • Jane Reis Gonçalves Pereira, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ);
  • Marcelo Labanca Corrêa Araújo, da Universidade Católica de Pernambuco;
  • Miguel Godoy, da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e da Universidade de Brasília (UnB), e
  • Vera Karam, da federal do Paraná (UFPR);
  • Virgílio Afonso, da Universidade de São Paulo (USP).

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Legitimidade em xeque

Entre os professores, há um sentimento quase unânime: a crise de legitimidade dos operadores do Direito acaba desaguando dentro da sala de aula. “Sou professor há mais de vinte anos, professor de Direito Constitucional, e eu confesso que nos últimos tempos tem sido um grande desafio”, afirma Marcelo Labanca Corrêa Araújo, da Universidade Católica de Pernambuco. “Teve certa vez um aluno que chegou e disse, não, professor, por que o senhor é daquela turma dos Direitos Humanos? Disse, bem, sim, eu sou”, conta Labanca. Para o professor, hoje o aluno se utiliza de um argumento que é da própria Constituição, mas para subverter o próprio sistema constitucional.

Professor de Direito Constitucional do IDP, em Brasília (DF), André Rufino ressalta que os alunos nos primeiros anos da faculdade chegam ao curso carregados de preconceitos e de pré-concepções sobre os ministros do Supremo. “E aí fica realmente complicado para o professor às vezes dizer, não, mas esqueçamos o quem, vamos focar no argumento, a decisão do ponto de vista argumentativo, ela é correta por causa disso, disso e daquilo. Isso acaba demandando um esforço muito maior do professor no sentido de convencimento”, afirma.

“Hoje os alunos partem do princípio de que o Supremo pode tudo. E eles partem desse princípio, você pode alegar, porque tem ideias erradas, mas acho que é porque também eles acompanham as notícias e a impressão que fica é de que não tem, de fato, limites jurídicos”, diz o professor Diego Werneck, do Insper. Para tentar superar essa questão, Werneck diz levar casos para discussão que tenham argumentos bons para os dois lados e que não mapeiem perfeitamente as posições políticas, como por exemplo o da vaquejada, em que os ministros estão tentando definir o que é crueldade contra animais.

A professora Ana Laura Barbosa, da ESPM, também adotou uma tática para lidar com essas situações. Ela conta que tem buscado apartar o texto constitucional da interpretação que a Corte faz dela. Dessa forma, a professora avalia que os alunos percebem que existe uma diferença da Constituição para a interpretação que o Supremo dá ao texto jurídico, conseguindo assim formar um senso crítico de avaliar se a justificativa apresentada pelos ministros faz sentido ou não. Ela constata que conforme as discussões acerca da Corte são travadas, os estudantes evoluem na percepção do STF e de seu papel.

O professor da USP Carlos Horbach, que tem 24 anos de experiência lecionando, considera que o ensino de Direito Constitucional mudou muito ao longo destes anos. Para ele o volume de temas relevantes que acabam povoando as aulas de Direito Constitucional hoje é muito maior e as discussões não são distantes ou abstratas, como eram na época em que ele era estudante. Por outro lado, o fato de as discussões serem muito centradas no STF acaba sendo um problema, na visão de Horbach. “Porque o Direito Constitucional não é só o que o Supremo diz, por mais que a gente ouça muito a frase ‘a Constituição é o que o Supremo diz que ela é’. Lamento, mas não é. E não pode ser. Não é e não pode ser”.

A professora Jane Reis Gonçalves Pereira, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), conta que com os a expansão dos temas julgados pelo STF e com os conflitos recentes, o tempo que ela reservava nas aulas para discutir a história constitucional foi se estreitando. “Uma coisa que eu tento mostrar é que boa parte desses conflitos que a gente vê emergir agora, eles não são tão novos, eles estavam lá, ou na fase pré-constituinte, ou nos debates sobre a Constituição.”

Breno Baía, professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Pará (UFPA), também vê, por conta da maior exposição da Corte, que o viés político do STF tem se acentuado, tornando-se mais “saliente” nas aulas. Segundo ele, as discussões têm girado mais em torno não apenas do desenvolvimento dos argumentos, mas também da consciência de que a Corte é um ator político relevante, que desempenha uma função bastante ativa no processo de equilíbrio das forças políticas do país.

Afinal, como destaca o professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e da Universidade de Brasília (UnB), Miguel Godoy, questões do dia a dia são colocadas a todo tempo nas aulas, em geral pela repercussão das notícias. “Tentativa de golpe, intervenção federal na segurança pública do DF, declaração de inelegibilidade, se o Supremo vai rever ou não uma decisão do TSE que pode colocar um líder político elegível ou mantê-lo inelegível. Isso se coloca o tempo todo. Se as decisões são tomadas com coerência ou incoerência”, afirma o docente.

Por outro lado, o professor Virgílio Afonso da Silva, da Universidade de São Paulo (USP), diz que, em comparação com quinze ou vinte anos atrás, os estudantes de Direito Constitucional demonstram maior engajamento e interesse em debater os Três Poderes. “Isso faz parte muito mais do dia a dia do que há quinze, vinte anos atrás. Antes, existia um interesse, uma interação, mas eu acho que era menor, pelas razões mais óbvias, as pessoas se interessavam menos por questões constitucionais. Nesse aspecto, existe um engajamento claramente mais intenso”, diz o professor.

E há ainda outro desafio nas salas de aula, destaca o professor titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) Ingo Sarlet: os professores têm sido mais submetidos a um crivo crítico por parte dos alunos, com isso se refletindo em até uma espécie de “monitoramento” de que posicionamento os docentes irão adotar. “É evidente que não há como dissociar e não gerar, evidentemente, da parte do espectador, seja o leigo, seja o aluno de graduação, seja, obviamente, o discente de mestrado, doutorado, ou até mesmo colegas, professores, de terem sempre tendência, pelo menos, de associarem isso à sua própria posição moral, à sua própria posição política, e qualquer coisa ser rapidamente associada a isso”, pondera Sarlet.

Vera Karam de Chueiri, professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), acrescenta mais um desafio aos docentes: “Como ensinar hoje, não só Direito Constitucional, mas qualquer outro ramo do Direito, com a interferência dos meios digitais, enfim, das ferramentas que viabilizam essa comunicação digital?” Ela ressalta que “é complicadíssimo também, porque sempre tem um argumento à disposição para dizer que o que a professora está falando não tem nada a ver, olha aqui o que o Pablo Marçal disse sobre isso”.

A entrevista com a professora Vera Karam Chueiri inaugura a série de entrevistas “Como Ensinar Direito Constitucional no Brasil polarizado” nesta segunda-feira (20/1). Inscreva-se no canal do JOTA no YouTube para ser avisado de todas as entrevistas da série!

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