Os primeiros passos da regulamentação da reforma tributária

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A aprovação da reforma dos tributos incidentes sobre o consumo em dezembro de 2023 deve ser comemorada como a conclusão de um importante capítulo de um livro que já vem sendo escrito há mais de 30 anos. Porém, como está previsto um prazo prolongado de transição e ainda restam mais de cinquenta dispositivos constitucionais pendentes de regulamentação, o capítulo final dessa história – com a promessa de melhoria do ambiente de negócios e aumento da segurança jurídica – ainda deve levar alguns anos para ser concluído.

É chegada a hora, portanto, de produzir as leis complementares e ordinárias que serão discutidas pelo Congresso Nacional nos próximos meses. Os Projetos de Lei Complementar 37/2024 e 39/2024, ambos de autoria da deputada Adriana Ventura (Novo-SP) e do deputado Gilson Marques (Novo-SC), foram apresentados recentemente. O primeiro dispõe sobre a integração dos contenciosos administrativos tributários do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o segundo trata da regulamentação do Comitê Gestor do IBS.

O PLP 37/2024 atende aos anseios dos pagadores de impostos por simplificação tributária e melhorias no ambiente de negócios, enquanto o PLP 39/2024 pretende garantir a autonomia e as competências federativas dos estados, do DF e dos municípios no âmbito do Comitê Gestor do IBS.

Perseguindo essas linhas mestras de atuação, foram ouvidos diversos especialistas na elaboração do PLP 37/2024, de forma a permitir que o texto proposto representasse avanços processuais e institucionais. Este projeto, já no seu artigo 4º, reforça a necessidade de obediência aos princípios da legalidade, da ampla defesa, do contraditório, da transparência, entre outros. Esses princípios devem nortear a relação fisco x contribuinte, a fim de aumentar a segurança jurídica no país.

Avanços importantes serão obtidos com a introdução de instrumentos tecnológicos e processuais no âmbito desses contenciosos. A previsão de utilização exclusiva de sistema eletrônico no contencioso tributário do IBS trará maior celeridade aos julgamentos dos processos e a possibilidade de aplicação de inteligência artificial para garantir a uniformização das decisões, inclusive agilizando o trabalho de triagem dos processos. Além disso, foi incluído, por sugestão dos contribuintes consultados, dispositivo que prevê o princípio da simetria, o qual garante que o pagador de impostos deve receber tratamento similar em ambos os contenciosos.

Também foi garantida a intervenção dos pagadores de impostos nos processos por meio de procurador. A novidade é que agora é garantida a possibilidade de que a procuração seja feita por instrumento particular com assinatura reconhecida em cartório, por meio digital com assinatura eletrônica do contribuinte ou por meio de outorga de procuração eletrônica no sistema a ser disponibilizado pelos próprios órgãos responsáveis.

Em termos de avanços processuais, tendo em vista que o IBS e a CBS incidem sobre o mesmo fato gerador, a comprovação documental em um contencioso deve servir de prova para o outro contencioso. O mesmo ocorre com as provas em formato de áudio ou vídeo, que poderão ser aceitas no processo desde que admitidas pelo presidente do órgão julgador. Ainda na seara processual, é prevista a sustentação oral em todas as fases do processo, assim como é garantida total acessibilidade digital às pessoas com deficiência. Finalmente, outro aspecto que merece destaque é a possibilidade de suspensão dos prazos processuais em caso de calamidade pública, de ofício ou a pedido das partes.

Outra questão endereçada no projeto que aflige a maioria dos pagadores de impostos, sobretudo os de menor porte, é a exigência de que o auto de infração descreva com clareza o crédito tributário lavrado contra o contribuinte. Com essa medida, espera-se que as administrações tributárias sejam mais claras no trato com os pagadores de impostos, sobretudo em notificações e autos de infração, evitando abreviaturas e tecnicismos, muitas vezes inacessíveis a quem não é letrado na matéria.

As modificações mais relevantes do projeto dizem respeito à criação da Câmara Técnica de Uniformização e à possibilidade dos Presidentes das Câmaras de Julgamento e da Câmara Superior do Conselho Tributário do IBS serem escolhidos, alternadamente, entre um representante da Administração Tributária e um representante dos contribuintes.

A criação da Câmara Técnica de Uniformização como um órgão colegiado encarregado de julgar recursos de uniformização, com representantes indicados pelos entes federados e pelas entidades de classe de contribuintes da CBS e do IBS, é uma inovação que se destina a assegurar o princípio da simetria, na medida em que resolverá divergências interpretativas e fixará teses jurídicas por meio da edição de súmulas vinculantes. Espera-se que sua atuação promova a tão necessária uniformidade nos entendimentos e a previsibilidade das decisões administrativas tributárias, aumentando assim a segurança jurídica e diminuindo a litigiosidade.

O exercício alternado das presidências das Câmaras de Julgamento e da Câmara Superior do Conselho Tributário do IBS promoverá uma relação mais equilibrada entre as partes, calcada no princípio da boa-fé tributária. Além disso, com esse formato, a discussão quanto aos efeitos do voto de qualidade tenderia a cair por terra, pelo menos em relação aos processos que versarão sobre o IBS.

Quanto ao PLP 39/2024, a intenção é garantir a autonomia e as competências federativas dos estados, do DF e dos municípios no âmbito do Comitê Gestor do IBS.

O artigo 156-B da Constituição Federal de 1988 definiu as principais características do Comitê Gestor do IBS, tais como, seu regime jurídico, a participação dos entes federativos, a forma de deliberação e as competências administrativas que podem ser exercidas por ele, tanto que boa parte do projeto apenas as reproduz. As inovações trazidas por ele dizem respeito aos órgãos que comporão o Comitê Gestor, à forma de divulgação das decisões, atas, notas técnicas e demais documentos que embasarem as votações, a forma de escolha do seu Presidente e a forma de financiamento de suas atividades.

O PLP prevê que o Comitê Gestor do IBS será composto por um Corpo Diretivo, que será a instância máxima com funções deliberativas e institucionais, e pelo Conselho Tributário do IBS, que julgará o contencioso administrativo do IBS. Além disso, o projeto prevê a criação de Câmaras Temáticas que desenvolverão estudos e embasamento técnico ao Corpo Diretivo. O Regimento Interno do Comitê Gestor do IBS irá definir a quantidade de Câmaras Temáticas, seus membros e seu funcionamento.

A citada publicização dos documentos privilegia maior transparência e accountability das ações do Comitê Gestor do IBS.

Ainda, foram propostas regras para a escolha do presidente do Comitê Gestor. Ele será escolhido pelo Corpo Diretivo, que elegerá um dentre seus membros efetivos. O presidente deverá deter notório conhecimento de administração tributária e cumprirá mandato improrrogável de 3 anos. Importante medida proposta é que a presidência do Comitê Gestor deverá recair sucessivamente sobre um representante do conjunto dos estados e do DF e sobre um representante do conjunto dos municípios e do DF. Com isso, procura-se proporcionar ao conjunto dos entes federativos uma maior representatividade no Comitê Gestor do IBS.

Não menos importante, o projeto define o percentual da arrecadação do IBS de cada estado, ao DF e a cada município que financiará o Comitê Gestor. Como os gastos de implantação do órgão deverão ser maiores nos primeiros cinco anos, esse percentual se manterá constante durante esse período, podendo ser reavaliado anualmente pelo Corpo Diretivo após esse prazo. A decisão poderá manter ou alterar o percentual utilizando a mesma forma de deliberação prevista na Carta Magna.

Além desses dois projetos, outros projetos já foram apresentados por algumas frentes parlamentares e outros ainda o serão. O próprio governo também promete apresentar as suas propostas ainda neste mês de abril. A ver como serão escritos os próximos capítulos dessa história.

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