No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

pensamento do dia

Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Gestão do desempenho e desenvolvimento na carreira

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A melhoria do desempenho individual e organizacional no setor público tem ocupado lugar de destaque nas propostas de Reforma Administrativa e do Estado no Brasil atual. Um dos momentos em que o tema ocupou o centro do debate ocorreu quando o governo Bolsonaro apresentou, em 2020, a Proposta de Emenda Constitucional nº 32, que alterava vários dispositivos da Carta Magna sobre administração pública.

Posteriormente, com a eleição presidencial de Lula da Silva em 2022, embora o tema tenha permanecido em discussão, houve uma mudança substancial em torno do seu entendimento por parte do governo federal. Ao contrário de uma visão simplista, negativa e punitivista do servidor, a nova compreensão sobre o assunto reconhece a sua amplitude e complexidade e propugna uma abordagem infraconstitucional, incremental e multidimensional.

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Infraconstitucional porque acredita que medidas dessa natureza são suficientes para enfrentar o desafio da melhoria de desempenho do servidor e das organizações públicas, já que a CF-1988 estabeleceu os marcos principais a partir dos quais a profissionalização da burocracia pode ser alcançada, notadamente: i) o ingresso por concurso público; ii) o regime jurídico estatutário único; iii) a estabilidade relativa da força de trabalho sob comando do Estado e a serviço da sociedade; iv) a organização das políticas públicas a partir da estruturação de carreiras civis (e militares) com atributos definidos.

Incremental porque sabe que a melhoria do desempenho profissional e institucional, ao depender de fatores ainda desconhecidos, de muitos outros correlacionados entre si, vários deles localizados em instâncias hierárquicas e níveis decisórios distintos, espalhados pela estrutura organizacional do Estado etc., implica necessariamente um processo de aprendizado e construção legislativa de natureza continua, coletiva e cumulativa ao longo do tempo.

E multidimensional porque o estado atual do conhecimento humano acerca desse tema ainda se encontra, a bem da verdade, num nível bastante incipiente de desenvolvimento teórico e empírico. Sem tergiversar, é preciso reconhecer e dizer que a melhoria do desempenho institucional, seja de servidores públicos, seja de organizações estatais, não possui fórmulas prontas, segue carente de aportes críticos de várias áreas do conhecimento, de modo que propostas apressadas ou rasteiras estão todas fadadas ao fracasso.

Não obstante, no caso brasileiro, é claro que algumas coisas já são conhecidas e estão em operação ou implementação, sobretudo em nível federal. Num plano mais elevado, sendo o Estado o empregador em primeira instância, há obviamente a necessidade de que se cumpram todos os requisitos legais e morais mínimos à contratação e manutenção dos empregos sob sua custódia e gestão. Requisitos esses que dizem respeito, basicamente, às condições gerais de uso (jornada padrão), remuneração (vencimentos equânimes), proteção (saúde, segurança e seguridade nas fases ativa e pós-laboral), representação (sindicalização e demais direitos consagrados pela OIT) e acesso à justiça contra arbitrariedades porventura cometidas pelo Estado-empregador.

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Em segundo lugar, num plano intermediário de determinação, há distinções claras relativamente aos empregos do setor privado, dada a natureza pública dessas ocupações que se dão a mando do Estado e a serviço da coletividade, cujo objetivo último não é a produção de lucro, mas sim a produção de bem-estar social. Neste sentido, há pelo menos cinco fundamentos históricos da ocupação, presentes em maior ou menor medida nos Estados nacionais contemporâneos, que precisam ser levados em consideração para uma boa estrutura de governança e por incentivos corretos à produtividade e a um desempenho institucional satisfatório ao longo do tempo. São eles: i) a estabilidade na ocupação, idealmente conquistada por critérios meritocráticos em ambiente geral de homogeneidade econômica, republicanismo político e democracia social, visando a proteção dos funcionários contra arbitrariedades – inclusive político-partidárias – cometidas pelo Estado-empregador; ii) a remuneração adequada, idealmente isonômica e previsível ao longo do ciclo laboral; iii) a qualificação elevada e a capacitação permanente no âmbito das funções precípuas dos respectivos cargos e organizações; iv) a cooperação interpessoal e intra/inter organizações – ao invés da competição – como critério de atuação e método primordial de trabalho no setor público; e v) a liberdade de organização e autonomia de atuação sindical, no que tange tanto às formas de (auto)organização e funcionamento dessas entidades, como no que se refere às formas de representação, financiamento e prestação de contas junto aos próprios servidores e à sociedade de modo geral.

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Por fim, mas não menos importante, num terceiro nível de determinação do desempenho individual, é necessário pensar em medidas de profissionalização e valorização da ocupação no serviço público, tais que uma verdadeira política de recursos humanos – que leve em consideração de modo articulado e orgânico as etapas de seleção, capacitação, alocação, remuneração, progressão e aposentação – esteja ancorada e inspirada pelos valores e princípios da república, da democracia e do desenvolvimento nacional. Neste sentido, ela deve atentar para os fatores que realmente garantem ganhos de produtividade e de desempenho institucional no setor público, a saber: i) a construção de ambientes de trabalho sãos, seguros, saudáveis e sustentáveis; ii) a identificação de incentivos não pecuniários e de técnicas organizacionais que consigam mobilizar, engajar, integrar e fazer funcionar as equipes; iii) a montagem de trilhas de capacitação permanente; iv) a identificação de critérios objetivos para progressão, promoção e avaliação funcional; e v) a criação de condições de realização dinâmica e retroalimentação sistêmica entre as dimensões citadas acima.

Tudo somado, é possível afirmar, portanto, que a posição do MGI, nessa discussão, é realista e bastante sensata: não existe uma bala de prata, uma solução única, simples, rápida e barata para se promover a Reforma Administrativa, cujo principal objetivo estratégico consiste em estabelecer as melhores condições institucionais possíveis para a melhoria do desempenho estatal, aos níveis individual e organizacional.

Uma delas – novas regras para progressão e promoção de servidores públicos em suas carreiras – foi apresentada por meio da recente edição da Medida Provisória nº 1.286, de 31 de dezembro de 2024. Apenas para que fique claro: progressão é a passagem para o padrão de vencimento imediatamente superior dentro de uma mesma classe, enquanto na promoção ocorre a mudança do último padrão de uma classe para o primeiro padrão da classe imediatamente superior. Como uma das diretrizes adotadas no processo negocial produziu o alongamento das carreiras para estruturas, em geral, com 20 padrões, a discussão sobre como a evolução na carreira ocorrerá se torna ainda mais relevante. 

A decisão por aprimorar as regras de desenvolvimento na carreira não é nova: na verdade, buscou-se reformular um instrumento previsto pela Lei nº 11.890, de 24 de dezembro de 2008, o Sistema de Desenvolvimento na Carreira (SIDEC), que possui potencial enorme para aprimoramento da gestão pública, mas que, em virtude de fatores descritos a seguir, nunca foi regulamentado e, portanto, nunca foi, até então, implementado.

O contexto de sua criação é didático. Em 2008, muitas carreiras deixaram de receber a remuneração baseada na soma do vencimento básico mais gratificação de desempenho e passaram a receber por subsídio, que constitui a remuneração fixada em parcela única, sobre a qual não pode haver o acréscimo de outra parcela remuneratória, com exceção de parcelas indenizatórias previstas em lei. Ocorre que o modelo baseado em gratificações de desempenho, a despeito de todas as críticas a que esteja submetido atualmente, após décadas de experiência, fora concebido como uma forma de garantir mecanismo de gestão que avaliasse desempenho individual e institucional na administração pública. Ao passar para subsídio, na teoria, muitas carreiras perderam esse mecanismo de gestão, o que exigia a criação de algo novo. Dessa forma, a mesma lei que alterou a estrutura de várias carreiras para subsídio, criou o SIDEC, como forma de aprimorar os instrumentos de progressão e promoção na carreira e, consequentemente, de gestão do desempenho.

O SIDEC consiste, basicamente, em um conjunto de critérios previstos em lei e cujos pesos e distribuição deveriam ser regulamentados por Decreto, observando-se as especificidades de cada carreira. A previsão inicial estava amparada ainda em um modelo piramidal de carreira, ou seja, em quantitativos limitados de vagas em cada classe, de modo a estimular a competição entre os servidores e fazer com que apenas aqueles com melhores pontuações fossem promovidos. Pode-se argumentar que a previsão desse modelo acabou se tornando um desincentivo para a regulamentação e implementação do SIDEC, seja pela resistência interna das carreiras seja pela constatação empírica, após várias experiências similares, de que o modelo tende a provocar mais disfuncionalidades que benefícios.

A legislação também estabeleceu que, enquanto o SIDEC não fosse regulamentado, continuariam sendo aplicadas as regras em vigor para cada carreira. Isso significou, para a maioria das carreiras relacionadas na Lei, a manutenção das regras estabelecidas pelo Decreto nº 84.669, de 29 de abril de 1980. O modelo desse Decreto foi estabelecido para os ocupantes de cargos do Plano de Classificação de Cargos, instituído pela Lei nº 5.645, de 10 dezembro de 1970, e portanto ao longo do tempo mostrou-se anacrônico e desajustado às mudanças necessárias na gestão dos planos e carreiras da administração pública federal.  Como as regras da década de 1980 não acompanharam, obviamente, a evolução da administração pública e das relações de trabalho, o assunto transformou-se em objeto constante de judicialização.

A Medida Provisória nº 1.286, de 2024, dá nova vida ao SIDEC (com a vantagem de aproveitar instrumento já previsto na legislação) ao promover algumas mudanças importantes, com o objetivo de torná-lo, de fato, um mecanismo efetivo, moderno e dinâmico em sintonia com as atuais necessidades da gestão de pessoas. As alterações incluem:

a) a mudança do modelo de competição pelo modelo de colaboração: a revogação dos limites de vagas por classe acaba com o modelo piramidal e ampara-se na lógica segundo a qual o que deve determinar a promoção de um servidor é a sua capacidade de atingir os critérios estabelecidos (que devem ser efetivos, objetivos e claramente definidos) e não a existência de vaga. Com isso, estimula-se a colaboração no serviço público, e não a competição, o que potencializa a produção de melhores resultados para a entrega de bens e serviços à população. A eliminação das barreiras implica eliminar também a resistência à regulamentação do SIDEC pelos diversos órgãos e entidades do Poder Executivo federal, mediante Decreto, a ser elaborado, em cada caso, em conjunto com o MGI.

b) a relação de critérios prevista inicialmente na lei, que já possui algum nível de diversidade, passa a ser um rol meramente exemplificativo. Considerando as especificidades de cada carreira, órgão ou entidade e política pública envolvida, podem ser adotados os critérios que constam na lei ou outros critérios que façam mais sentido para aquela dada realidade. O rol de critérios que consta na lei permanece o mesmo e inclui: resultados obtidos em avaliação de desempenho individual, frequência e aproveitamento em atividades de capacitação, titulação, ocupação de funções de confiança, cargos em comissão ou designação para coordenação de equipe ou unidade, tempo de efetivo exercício no cargo, produção técnica ou acadêmica na área específica de exercício do servidor, exercício em unidades de lotação prioritárias e participação regular como instrutor em cursos técnicos ofertados no plano anual de capacitação do órgão. Cria-se, com isso, uma “cesta de critérios” ou uma “cesta de pontos” dinâmica e adaptável às especificidades de cada caso.

c) a obrigação de avaliação de desempenho como um dos critérios, durante toda a vida funcional do servidor: como as carreiras inicialmente abrangidas pelo SIDEC foram aquelas que passaram a receber por subsídio, a avaliação de desempenho individual era realizada apenas para desenvolvimento na carreira, o que implica dizer que os servidores que chegassem ao topo da carreira deixavam de ser avaliados. E muitos chegavam ao topo da carreira tendo ainda um período de atuação profissional longo no serviço público. A alteração realizada agora valoriza a avaliação de desempenho ao prever que ela será obrigatória e realizada durante toda a vida funcional do servidor, como instrumento importante de gestão. Com a obrigatoriedade da avaliação de desempenho como um dos critérios, tem-se, como consequência lógica, a impossibilidade de adoção de tempo de serviço, por exemplo, como critério único para promoção. É verdade que o processo de gestão de desempenho (no Brasil e no mundo, no setor público e no privado) pode ser questionado e aprimorado sob vários aspectos, mas garantir que todos sejam avaliados certamente é uma premissa importante a ser considerada.

d) a expansão do SIDEC para outros planos e carreiras: o rol de carreiras submetidas ao SIDEC era taxativo e incluía, como mencionado, apenas as carreiras que passaram a receber por subsídio. Com o aprimoramento do modelo, foram incluídas novas carreiras no escopo de aplicação do sistema, além de ter sido prevista a possibilidade da adesão de outros planos de cargos ou carreiras não expressamente relacionados, desde que as regras de suas respectivas legislações não sejam incompatíveis com o SIDEC. Com isso, estimula-se a adoção de mecanismo orientador unificado, promovendo isonomia e estimulando o modelo de “cesta de pontos” para outras carreiras e planos de cargos.

e) a possibilidade de aceleração no caso de desempenho excepcional: como forma de reconhecer o desempenho acima do esperado, foi prevista a possibilidade excepcional de aceleração no desenvolvimento na carreira, observados dois requisitos: consideração de critérios objetivos que atestem desempenho diferenciado e aceleração limitada a dois padrões durante toda a vida funcional do servidor, não podendo ocorrer de forma consecutiva e nem na mesma classe. Estabelece-se, assim, um mecanismo de reconhecimento dos servidores e de incentivo à adesão ao SIDEC e, ainda, um processo balizado por parâmetros claros, objetivos e isonômicos.

f) os requisitos de promoção devem possuir níveis crescentes de complexidade: a lógica da estruturação de carreiras em classes e padrões ampara-se na premissa de que, à medida que o servidor evolui na carreira, ele se torna capaz de realizar atribuições mais complexas, que devem ser a ele designadas. Naturalmente, os requisitos para promoção aos níveis superiores da carreira devem ser maiores que os requisitos para os níveis inferiores, espelhando essa evolução funcional. A eliminação da barreira de quantidade de vagas deve ser balanceada pela previsão de critérios objetivos e justos, de modo que, se o servidor não atingir os critérios estabelecidos, sua promoção não ocorrerá. Os ajustes no SIDEC visam a promover também essa mudança cultural.

Além dessas alterações, a retomada e a revitalização do SIDEC implicam também uma mudança de paradigma. É preciso considerar, no processo de desenvolvimento dos servidores na carreira, uma série de fatores como a dinamicidade do mundo contemporâneo; as diversas necessidades dos órgãos e entidades, que poderão aproveitar os mecanismos do SIDEC como meios de aprimoramento de sua gestão interna; e o estabelecimento de critérios que de fato atestem que o servidor merece evoluir na carreira e tem condições de desempenhar atribuições cada vez mais complexas. 

Naturalmente, as alterações promovidas pela Medida Provisória nº 1.286, de 2024, representam apenas um primeiro passo, já que o sistema só será de fato implementado após regulamento por Decreto. É válido questionar, nesse sentido, por que o modelo seria regulamentado agora se desde 2008 ele já existia e nunca houve a necessária regulamentação. Pelos motivos expostos acima, parece claro que os incentivos mudaram e há, agora, estímulo muito maior à sua regulamentação que à manutenção do status quo (regras da década de 1980, que geram problemas para organizações públicas e para servidores).

Processos aparentemente simples de gestão da força de trabalho, como progressão e promoção na carreira, podem, assim, representar importante elemento constituidor de um aprimoramento gradual, mas contínuo, da administração pública e, consequentemente, dos bens, serviços e políticas públicas entregues à sociedade. Uma Reforma Administrativa não precisa ser feita unicamente por grandes mudanças disruptivas. Em alguns casos, é uma questão de tornar compatíveis os mecanismos de gestão existentes com o modelo que se pretende implantar.

O caso do Sidec, explicado neste artigo, é um ótimo exemplo nesta direção.

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