No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

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Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

A carona solidária no Brasil e o papel dos aplicativos de intermediação de caronas

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Nos últimos dias, gerou repercussão uma liminar concedida pela 1ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba proibindo a disponibilização de caronas solidárias pelo aplicativo BlaBlaCar no Estado do Paraná. A decisão foi proferida em ação movida por associações de empresas de transporte rodoviário intermunicipal, na qual se sustenta que as caronas seriam praticadas em concorrência desleal com o transporte de passageiros por empresas de ônibus.

A decisão afetou principalmente a vida dos cidadãos paranaenses, que estão tendo que recorrer a outros meios para combinar caronas ou para encontrar outras formas de deslocamento que se amoldem às suas necessidades pessoais. Especialmente em período festivo e em férias, a carona é uma alternativa flexível e econômica, permitindo que as pessoas viajem para encontrar parentes, visitar destinos turísticos, dentre outros. A carona é uma alternativa especialmente relevante para conectar pessoas que se deslocam para localidades remotas onde outras formas de deslocamento não estão disponíveis ou são de baixa frequência.

O hábito de dar caronas está incorporado à vida dos brasileiros e tem sido fomentado por aplicativos especializados no tema. Especialmente em razão da grande extensão do território brasileiro e o alto custo de transporte em meio a pressões inflacionárias, não há razão para acreditar que esse panorama será alterado no futuro.

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Os aplicativos de carona solidária não foram objeto de acalorados debates jurídicos nos últimos anos em razão da simplicidade de seu modelo de atuação, bem como em função das indiscutíveis externalidades positivas trazidas pela carona solidária (ou carpooling, termo difundido globalmente). A partir da inédita suspensão do principal aplicativo desse tipo no Paraná, mostra-se oportuna a reflexão sobre a atividade de carona solidária, bem como sobre o papel dos aplicativos de internet que visam fomentá-la.

Desde que existem carros, as pessoas tomam (ou oferecem) caronas. Antes da internet, havia uma dificuldade maior de organizar as viagens porque isso era feito de uma forma difusa (por exemplo, a partir de um mural de recados ou anúncios físicos, ou mesmo na beira da estrada). A finalidade de um aplicativo de caronas é servir como plataforma para que as pessoas possam combinar viagens de forma flexível, escolhendo livremente os pontos de partida e de destino, nos horários que melhor lhes convier. 

Ao combinar a viagem no app, as pessoas acordam também sobre o rateio de despesas de deslocamento, o qual deve ser limitado aos custos da viagem, não podendo servir como fonte de renda lucrativa para o condutor, o que diferencia o carpooling da carona paga (hailing, termo amplamente usado no transporte urbano para designar o serviço prestado por motoristas do Uber e aplicativos similares).

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Ao contrário do que ocorre em caronas pagas, no carpooling o condutor é quem determina o trajeto e o horário da viagem, que poderá acontecer ainda que outras pessoas (caronistas) não respondam ao anúncio de carona. No transporte remunerado, o deslocamento ocorre em função do interesse do passageiro, razão pela qual se considera que as partes ocupam posições contratuais contrapostas.

Na atividade de carona solidária, as pessoas agem em cooperação a partir da comunhão de esforços, com o rateio de despesas de viagem particular. Como a relação não é contratual, eventual mudança de planos por parte do condutor ou do caronista não tem a consequência de inadimplemento obrigacional própria dos contratos de transporte. 

Dado o seu caráter cooperativo e a ausência de remuneração do condutor, a atividade de carona solidária se distingue do contrato de transporte, nos termos do art. 736 do Código Civil, conforme reconhecido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em acórdão prolatado no julgamento da Apelação Cível nº 1044455-44.2018.8.26.0053, em 2019. O referido precedente foi validado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1912010-SP, o leading case em matéria de carona solidária no Brasil.

A carona é uma atividade livre e que independe de outorga do Poder Público – ao contrário do serviço de transporte coletivo regular de passageiros, em regra sujeito a permissão estadual. Além disso, a carona é realizada em carros particulares, sendo que o transporte coletivo é realizado em ônibus. No serviço público, há cobrança tarifária e o motorista é contratado pela respectiva empresa, que gere frota de ônibus e cumpre encargos regulatórios típicos do regime de serviço público. Não há nenhum ponto de conflito entre a atividade privada e o serviço de transporte coletivo de passageiros, que em verdade se completam no contexto de mobilidade.

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Não há como negar que a possibilidade de combinar viagens em carros particulares com o rateio de despesas envolvidas é reflexo da liberdade de locomoção prevista no art. 5º, XV, da Constituição Federal, bem como da liberdade associativa para fins lícitos (inciso XVII). As autoridades administrativas e o Poder Judiciário têm reconhecido a licitude dessa atividade, sob a premissa de que as pessoas que praticam a carona solidária são fiscalizadas pelo cumprimento de normas de trânsito como quaisquer outras pessoas habilitadas a dirigir veículos particulares.

O serviço prestado por esses aplicativos é de cunho informacional e se limita à aproximação de pessoas com interesses convergentes. A BlaBlaCar não possui veículos, não contrata motoristas e tampouco gerencia ou determina os itinerários. Supor que a empresa ofereceria serviços de transporte de passageiros desconsidera o papel de intermediação dos aplicativos de internet, que evidentemente não se confunde com a atividade exercida pelas pessoas que usam o aplicativo (que no caso, se supõe também erroneamente compreender o serviço de transporte irregular de passageiros).

É igualmente descabido cogitar competição entre empresas que disponibilizam aplicativos de internet e operadoras do serviço de transporte intermunicipal de passageiros, conforme igualmente reconhecido pelo TJ-SP e, mais recentemente, pelo Tribunal de Justiça de Goiás no julgamento de agravo de instrumento. Os nichos de atuação são distintos, o que inviabiliza a alegação de concorrência, quiçá desleal.

Há diversos aplicativos de internet que desempenham papel de intermediação em setores variados. O Airbnb conecta anfitriões e hóspedes, viabilizando a sua estadia em quartos, residências inteiras e outros tipos de acomodação, mas nem por isso é um hotel ou presta serviços de hospedagem. Na mesma linha, o iFood não é um restaurante e tampouco fornece alimentação aos membros cadastrados no aplicativo. O WhatsApp não é uma empresa de telefonia.

Outro mal-entendido é desconsiderar ou transmudar o papel do intermediador em razão da cobrança de “taxa de serviço” – presente em todos os aplicativos acima citados, à exceção do WhatsApp. A “taxa de serviço” (termo consagrado na internet, apesar de não refletir o seu exato significado) nada mais é do que a cobrança de remuneração devida à empresa que disponibiliza o aplicativo pela prestação do serviço informacional, de aproximação de pessoas. Remunera-se o uso do aplicativo – que corresponde à atividade empresarial da empresa que o desenvolve –, e não há nada de errado nisso, conforme reconhecido pelo TJSP e pelo STJ no leading case mencionado. É evidente que a remuneração pelo uso de aplicativo não se confunde com a ausência de caráter lucrativo da atividade de carona solidária em si.

Enfim, são inúmeros os aplicativos que têm aprimorado as opções à disposição das pessoas a partir da facilitação de interesses, sendo que a má compreensão do papel de intermediador pode dar ensejo a decisões que não apenas geram insegurança jurídica, mas impõem percalços na vida cotidiana.

No caso do Paraná, a decisão afetou ao menos dois milhões de pessoas cadastradas na plataforma e que contam com a carona como uma alternativa mais econômica de deslocamento. A decisão se mostra desproporcional, ainda, ao proibir a disponibilização de aplicativo de caronas em razão da suspeita de que alguns poucos membros estariam tentando burlar as regras da carona solidária. É evidente que a coletividade não poderia ser punida em razão de hipotética violação a regras de aplicativo por uma fração mínima dos membros cadastrados, sobretudo porque a própria BlaBlaCar monitora a conduta dos membros e comprovadamente aplica penalidades a eventuais infratores, que podem incluir a remoção da conta no aplicativo.

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Seria desnecessária a intervenção do Poder Judiciário, sobretudo porque a medida determinada (a suspensão do aplicativo de carona) prejudica a coletividade em atendimento a anseio infundado por parte de prestadores tradicionais do serviço de transporte coletivo, que invocam a regulação do serviço de transporte para proteção de interesses próprios, na tentativa de impedir a difusão de alternativa de deslocamento que se mostra flexível, econômica e sobretudo sustentável.

Com relação ao último aspecto, ao permitir a otimização de assentos em veículos particulares, a carona solidária promove a redução dos níveis de congestionamento e da emissão de poluentes. Além disso, a atividade contribui para a ampliação da segurança a partir do aumento do nível de alerta do condutor em razão da presença de caronista.

Portanto, é necessário que se atente para a importância da carona solidária no Brasil como alternativa plenamente viável no contexto de mobilidade, preservando-se ainda a atividade de intermediação exercida a partir de aplicativos de internet que visam fomentar e difundir o referido modelo de deslocamento colaborativo.

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