No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

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Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

A ‘resolução das quitações’ na Justiça do Trabalho

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Neste mês, querido leitor, como prometido, trataremos da Resolução 586/2024, do Conselho Nacional de Justiça, que “dispõe sobre métodos consensuais de solução de disputas na Justiça do Trabalho” e se revelou agudamente polêmica em alguns nichos do juslaboralismo nacional. Curiosamente, excitou, por assim dizer, os polos mais extremos do debate jurídico laboral: as reações foram especialmente sentidas nos setores radicalmente conservadores e também naqueles radicalmente “progressistas”.

Vejamos com vagar.

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Sob a presidência do ministro Luís Roberto Barroso, o Conselho Nacional de Justiça compreendeu que o elevado número de processos e disputas na área trabalhista tem se consolidado como um dos principais gargalos da justiça brasileira nos últimos anos. Essa percepção instalou-se ainda em 2023, no início da sua gestão. Compreendeu-se que a Justiça do Trabalho vinha enfrentando um cenário de alta litigiosidade, impulsionado por fatores como a cultura de judicialização de conflitos e as frequentes disputas por direitos trabalhistas que deitariam raízes em interpretações tão díspares quanto possíveis: um mesmo tema trabalhista – como, p. ex., o da indenização por dano social – encontrava toda sorte de entendimento jurisprudencial, desde os tradicionais vieses repulsores (no sentido de que, p. ex., o “instituto” simplesmente não existe) até os mais improváveis vieses concessivos (a modalidade existe, não tem limites ou padrões e pode ser deferida de ofício pelo juiz, mesmo que ninguém requeira, com direito à criação de um fundo próprio para a gestão da verba). Diante dessa percepção, e apostando nos métodos consensuais para enfrentar o problema e promover uma justiça mais ágil e eficiente, o Conselho Nacional de Justiça aprovou, em 30 de setembro de 2024, a referida Resolução 586, que estabelece novas diretrizes para a solução negociada de conflitos trabalhistas.

A resolução leva em consideração, como se vê, o princípio básico da conciliação (dizíamos “conciliabilidade” em outros escritos), que historicamente inspirou e moveu a Justiça do Trabalho. Diferentemente do que se lê aqui e acolá, a normativa aprovada não serve para “homologar rescisões” pura e simplesmente. Isto não está escrito em seu texto. Ela se destina, sim, à homologação de acordos (leia-se o art. 1º), i.e., de transações extrajudiciais (porque anteriores à efetiva judicialização do caso por meio de uma reclamação trabalhista), a pressuporem, na mais lídima acepção civilista, concessões recíprocas que previnem ou resolvem conflitos de interesses (CC, art. 840). ,Tais transações restringem-se, ademais, a direitos patrimoniais de caráter privado (CC, art. 841). Tudo isso está na lei; e, como bem se sabe, o próprio CNJ entende que suas resoluções não se prestam à revogação/derrogação/ab-rogação de leis aprovadas pelo Parlamento, sequer em casos de inconstitucionalidade (v., e.g., Procedimento de Controle Administrativo nº 0001809-93.2016.2.00.0000, 266ª Sessão Ordinária, rel. Cons. Valdetário Monteiro – com particular obséquio para o voto e a fala da Min. Cármen Lúcia Antunes Rocha). Aliás, o próprio texto da resolução dispõe, no caput do art. 1º, que “[o]s acordos extrajudiciais homologados pela Justiça do Trabalho terão efeito de quitação ampla, geral e irrevogável, nos termos da legislação em vigor […]” (g.n.).

A Resolução 586 também prevê, por outro lado, regras claras para a salvaguarda dos direitos sociais fundamentais dos trabalhadores, que não podem ser ludibriados ou lesados nos procedimentos de acordo. Isso está estampado nos quatro incisos que acompanham o caput do art. 1º e, muito particularmente, nos outros quatro incisos que a seguir acompanham o seu parágrafo único. Entende-se, p. ex., que os direitos decorrentes de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais não podem ser equiparados a meros direitos patrimoniais de caráter privado, porque geralmente radicam no descumprimento de normas de estrita ordem pública social, que sequer admitem negociação coletiva (CLT, art. 611-B, XVII); e, por conseguinte, a quitação prevista no caput – “ampla, geral e irrevogável” – não abrange “pretensões relacionadas a sequelas acidentárias ou doenças ocupacionais que sejam ignoradas ou que não estejam referidas especificamente no ajuste entre as partes ao tempo da celebração do negócio jurídico” (Resolução nº 586/2024, art. 1º, par. único, I). Não as abrange, mesmo que o termo de acordo contenha uma cláusula de quitação geral, com a qual consente o obreiro, e o juiz do Trabalho a homologue. Isto nunca havia sido declarado com essa clareza, sequer na jurisprudência consolidada do Tribunal Superior do Trabalho.

Outro ponto contemplado na resolução é a segurança jurídica, considerando o alto número de litígios trabalhistas –a exemplo do que se dá, na percepção do CNJ, com os litígios fiscais e previdenciários –, sem, todavia, perder de vista que, neste caso, boa parte das divergências é consequência de uma cultura de sonegação de direitos que devemos combater.

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Apesar dos avanços contemplados na norma, vozes diversas se levantaram a favor e contra o seu teor. Curiosamente, alguns a criticaram por deliberadamente “estimular” acordos prejudiciais para trabalhadores; outros fizeram críticas por consagrar diversas hipóteses protetivas em favor dos trabalhadores que não teriam previsão legal e, além disso, sequer comporiam o atual marco jurisprudencial trabalhista brasileiro. Algumas críticas públicas sugerem inclusive que o texto da resolução não foi atentamente lido.

Vale também registrar que o CNJ detém competência constitucional para expedir atos destinados a disciplinar o conteúdo da Constituição Federal, sem a intermediação de qualquer lei, desde que se atenha ao “âmbito de sua competência” para o “controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes“. Trata-se do chamado “poder regulamentar originário” do Conselho, em matérias a ele afetas, nos termos do art. 103-B, §4º, I, da Constituição.

No caso da resolução em questão, a matéria afeta ao CNJ refere-se à atuação dos Centros Judiciários de Métodos Consensuais de Solução de Disputas da Justiça do Trabalho (Cejusc-JT) e às homologações de acordos extrajudiciais – não os judiciais – nesse âmbito. A norma caminha, pois, em uma direção socialmente garantista: exige a necessária intervenção judicial para efeitos de quitação ampla, geral e irrevogável em acordos extrajudiciais (porque se poderiam adotar outros modelos sem judicialização, como por exemplo, a homologação dos acordos diretamente por sindicatos, por câmaras arbitrais ou até mesmo por serventias extrajudiciais). Prevê ainda, como já apontei, uma série de hipóteses em que os juízes do Trabalho não poderão dar aos acordos aqueles efeitos plenos de quitação, limitando-se à quitação por títulos e valores.

Por isso, aliás, não faz sentido dizer que o CNJ não poderia dispor a respeito da matéria, inclusive sugerindo a censura pública aos “signatários” da decisão. Excesso haveria se, p. ex., editássemos uma hipotética portaria administrativa, no âmbito de um hipotético fórum trabalhista, para instar todo juiz a somente homologar acordos com vínculo empregatício e sem quitação plena, tisnando a independência judicial alheia. E, quando algo como isso aconteceu, o excesso foi em boa hora redimido, na própria esfera administrativa… pelo Conselho Nacional de Justiça (PCA n. 2007.10.00.001407-3, 52ª Sessão Ordinária, rel. Cons. Mairan Maia – em que se pedia a desconstituição de portaria administrativa que estabelecera “critérios de homologação para acordos trabalhistas”…). Como havia de ser.

Atualmente, já são absolutamente comuns as homologações de acordos com quitação ampla, geral e irrevogável, tanto nos acordos judiciais como nos acordos extrajudiciais homologados em juízo, e até mesmo sem intervenção judicial, com respaldo em jurisprudência do STF (v., p. ex., RE 590415, Tema de Repercussão Geral 152). Esse é o dado da realidade, goste-se ou não. Agora, porém, a Resolução 586 estabelece limites claros para tais quitações, quando esses acordos violarem a legislação, a boa-fé objetiva e/ou a indisponibilidade absoluta de determinados direitos trabalhistas, nos termos e hipóteses que disciplina.

Até a edição da Resolução 586, se um Cejusc homologasse acordo com efeitos de plena quitação e o trabalhador viesse a se queixar de doença ocupacional desconhecida à época, só lhe restaria ajuizar uma ação rescisória no tribunal regional do trabalho competente. À luz da Resolução nº 586, porém, esse debate – que tende a ser excepcionalíssimo – poderá ser travado no primeiro grau de jurisdição.

Se essa iniciativa atingirá integralmente o seu objetivo – o de reduzir, com justiça social e segurança jurídica, a litigiosidade trabalhista -, o tempo dirá. Por isso, inclusive, o art. 4° prevê um limite mínimo de 40 salários mínimos para acordos nos primeiros seis meses, com possível revisão futura. Há quem sustente, inclusive, que uma resolução como essa não teria sequer necessidade, porque as exceções ali previstas já poderiam ser reconhecidas pelos juízes do Trabalho. Sim, é fato; mas também é fato que várias daquelas restrições amiúde não se concretizavam na rotina das decisões judiciais.

Cabe agora, enfim, extrair a melhor utilidade de um instrumento novo que, na perspectiva do CNJ, não foi elaborado para precarizar, mas para gerir a atividade dos Cejusc-JT com a devida proteção social, conferindo balizas claras às homologações de acordos extrajudiciais que já estavam oficializadas na Justiça do Trabalho (v., e.g., a Resolução CSJT 377, de 22 de março de 2024), como também aos seus efeitos, e que, de outro modo, poderiam escapar à própria supervisão da Justiça do Trabalho.

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Eis aí, querido leitor, o prometido debate sobre a Resolução CNJ 586/2024, de que eu não poderia me furtar, registrando aqui que as linhas pregressas expressam o meu entendimento pessoal sobre o texto e a matéria. O que o CNJ entenderá, “si et quando” essa discussão chegar ao plenário, é algo que pertence aos domínios da futurologia. E é natural que seja assim, especialmente com textos normativos novos: tudo tem o seu tempo determinado, diria o autor de Eclesiastes.

Até o mês que vem, com outro tema candente, se os bons ares conspirarem. Você é réu do seu juízo.

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