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Ainda Estou Aqui: o contínuo desrespeito do Brasil às decisões da Corte IDH

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O filme brasileiro Ainda Estou Aqui ganhou destaque internacional, com indicações em premiações globais, e rendeu à protagonista Fernanda Torres o prêmio de melhor atriz no Globo de Ouro de 2025. Ela interpretou Eunice Paiva, viúva do deputado Rubens Paiva, desaparecido político assassinado pela ditadura militar no Brasil (1964–1985). A obra cinematográfica devolve ao debate público os crimes cometidos por agentes do regime, cuja apuração e responsabilização seguem majoritariamente acobertadas pela Lei de Anistia (Lei n. 6.683/1979), mesmo após o reconhecimento de sua inconvencionalidade pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH).

Em 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) afastou, por 7 votos a 2, o pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de revisão da Lei de Anistia, mantendo sua aplicação a crimes de agentes do Estado. A decisão contraria tratados internacionais dos quais o Brasil é parte e a jurisprudência da Corte IDH, que já condenou o país por violar obrigações de investigação, reparação e prevenção de violações de direitos humanos.

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O Brasil foi condenado 13 vezes pela Corte IDH, incluindo dois casos relacionados à ditadura militar. Essas decisões buscam não apenas indenizar as vítimas e seus sucessores, mas promover reparações integrais e mudanças estruturais para evitar novas violações. As obrigações determinadas envolvem os três Poderes e diferentes níveis federativos. Apesar da complexidade organizacional, o Brasil, como Estado, é responsável por criar mecanismos institucionais para cumpri-las.

No Caso “Guerrilha do Araguaia” (Gomes Lund e outros, 2010), a Corte IDH reconheceu a incompatibilidade da Lei de Anistia com a Convenção Americana de Direitos Humanos (Decreto n. 678/1992). A aplicação da lei impede a responsabilização de violações graves, como desaparecimentos forçados, tortura e assassinatos, afrontando normas que asseguram acesso à justiça e proteção judicial. Já no Caso Herzog (2018), a Corte IDH reafirmou que o Estado não pode invocar leis de anistia, prescrição ou qualquer norma excludente para evitar suas obrigações internacionais.

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A diversidade das medidas impostas pela Corte IDH exige coordenação entre os Poderes da República e os diferentes níveis federativos. A maior parte dos pontos resolutivos recai sobre o Executivo, incluindo: i) localizar vítimas e identificar responsáveis; ii) divulgar as sentenças e informações obtidas; iii) realizar ato público de reconhecimento de responsabilidade; iv) oferecer apoio médico e psicológico às vítimas; v) implementar capacitação obrigatória e permanente em direitos humanos para as Forças Armadas; vi) pagar indenizações e custas. A execução de medidas que demandam recursos orçamentários depende da aprovação legislativa.

Ao Legislativo cabe aprovar normas como a tipificação do crime de desaparecimento forçado, alinhada aos padrões interamericanos, e a previsão de imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade e internacionais. Contudo, flutuações políticas dificultam a aprovação dessas medidas, como evidencia a morosidade na tramitação do Projeto de Lei n. 301/2007 (apensado ao PL n. 4.038/2008), que aborda crimes de competência do Tribunal Penal Internacional, incluindo o desaparecimento forçado (art. 11). Além disso, o projeto precisa ser ajustado à jurisprudência da Corte IDH, eliminando competências da Justiça Militar ainda previstas.

O Judiciário tem papel crucial ao conduzir ações penais para responsabilizar os autores dessas violações. A Corte Interamericana de Direitos Humanos destaca a relevância do controle de convencionalidade, que cabe prioritariamente ao Judiciário, para assegurar o cumprimento das normas internacionais. O diálogo com a jurisprudência da Corte IDH fortalece o sistema protetivo no plano interno. Todavia, mecanismos como a prescrição e a Lei de Anistia ainda são usados pelo Judiciário nacional para negar acesso à investigação e reparação. O Supremo desconsidera a sólida jurisprudência da Corte IDH, assim como o fato de ser este o órgão competente para definir o conteúdo e o alcance das normas da Convenção Americana (art. 62). Ignora que violações internacionais resultam em responsabilidade do Estado, inafastável por atos internos, sejam legislativos ou jurisdicionais. 

O Judiciário e o Legislativo podem, entretanto, enfrentar os obstáculos impostos pela Lei de Anistia brasileira. Um exemplo é a revogação legislativa, como a ocorrida na Argentina. Embora essa via seja compatível com a ratio da ADPF n. 153, produziria apenas efeitos ex nunc, preservando sua vigência até a data da revogação. Por essa razão, uma decisão do STF que reconheça a não recepção da Lei de Anistia pela ordem constitucional vigente, com efeitos ex tunc, seria a opção mais adequada à jurisprudência da Corte IDH.

O Chile oferece outro exemplo. Desde 1998, no Caso Pedro Poblete Córdova, a Corte Suprema chilena afastou a aplicação da Ley de Amnistía a crimes de desaparecimento forçado, considerados permanentes até a localização das vítimas. Esse entendimento, alinhado à Corte IDH, permitiu reaberturas de casos e reparações às famílias. Posicionamento que recentemente foi manifestado pelo Ministro Flávio Dino, do STF.

Em dezembro de 2024, no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo n. 1.501.674, o Min. Flávio Dino reconheceu o caráter constitucional e a repercussão geral do tema relativo à possibilidade, ou não, do alcance da Lei de Anistia em relação ao crime permanente de ocultação de cadáver. O Ministro destacou que a aplicação da Lei de Anistia extinguiria a punibilidade de todos os atos praticados até sua entrada em vigor. Contudo, sendo a ação contínua nos casos de crime permanente, tais atos extrapolam o período da anistia, visto que a manutenção da ocultação cadavérica ao longo do tempo é o que configura a prática do crime de ocultação. 

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Em mais um capítulo que possibilita ao Judiciário nacional se reposicionar no atual cenário de descumprimento parcial das decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Min. Flávio Dino fez menção ao filme Ainda Estou Aqui: “A história do desaparecimento de Rubens Paiva, cujo corpo jamais foi encontrado e sepultado, sublinha a dor imprescritível de milhares de pais, mães, irmãos, filhos, sobrinhos, netos, que nunca tiveram atendidos os seus direitos quanto aos familiares desaparecidos. Nunca puderam velá-los e sepultá-los, apesar de buscas obstinadas como a de Zuzu Angel à procura do seu filho”. O STF, portanto, terá nova oportunidade de avaliar essa histórica e complexa matéria.

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