No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

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Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Potencialidade lesiva e dolo na infração de perdimento

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O Regulamento Aduaneiro trata do perdimento de bens no artigo 689, que assim dispõe:

“Aplica-se a pena de perdimento de mercadoria nas seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário”:

Em sequência do excerto, o regulamento elenca uma série de hipóteses, com as mais distintas ilicitudes (entendida aqui como reprovabilidade abstrata), desde interposição fraudulenta até o simples abandono das mercadorias.

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Sem prejuízo da discussão sobre a ampla gama de hipóteses de incidência da infração (que começa com o fato de que boa parte delas não está descrita em Lei) é indiscutível que o Legislador dispõe que estas (hipóteses) são Dano ao Erário, configuram dano ao Erário; o que nos leva ao tema das presunções.

De acordo com o Direito Canônico (cânon 1.825) presunção é a conjectura provável de uma coisa incerta; pode ser de iuris, determinada pela Lei, ou hominis formada pela convicção do julgador. A presunção legal (iuris) pode ser somente legal (ou iuris tantum) ou iuris et iure de (direito e pelo direito – pelo direito entendido como, sob a ótica do direito, no campo do direito – ex., no campo do direito penal o menor de 18 anos é inimputável, independentemente da real ou potencial consciência da ilicitude). O Regulamento 737 de 1850 (uma das primeiras sistematizações de normas processuais nacionais) chamava a presunção iuris tantum de legal condicional, e a iuris et de iure de legal absoluta[1].

Na presunção absoluta o legislador fixa vínculo indissolúvel entre o fato provado e o fato induzido, estabelece expressamente como verdade, ainda que haja prova em sentido contrário – de um fato provado temos o outro, induzido, ainda que o induzido não exista. Desta forma, para elidir a presunção iuris et de iure a parte deve apresentar provas e argumentos contra o fato provado e não contra o fato induzido. De outro lado, na presunção condicional o legislador fixa vínculo não de verdade mas de probabilidade, do fato provado temos que com algum grau de certeza ocorreu o induzido; e é justamente por isto que a presunção aqui admite prova em sentido contrário tanto do fato provado quanto do induzido.

O exemplo aqui vem a auxiliar. No § 2° do artigo 23 do Decreto-Lei 1.455/76 o legislador não dispõe que a não comprovação da origem, disponibilidade e transferência dos recursos É dano ao Erário, ou ainda, que a não comprovação É interposição fraudulenta. Descreve o legislador que “presume-se interposição fraudulenta na operação de comércio exterior a não-comprovação da origem, disponibilidade e transferência dos recursos empregados”. Em assim sendo, a presunção é juris tantum elidível tanto ante prova da capacidade financeira (fato provado) quanto da inexistência de interposição fraudulenta (fato induzido).

Agora bem, o legislador no artigo 23 caput inciso V do Decreto-Lei 1.455/76 determina que a interposição fraudulenta É dano ao erário, isto é, de um fato, conhecido (a interposição fraudulenta, ou qualquer outra hipótese legal) o legislador presume, de forma absoluta, outro, desconhecido, o dano ao Erário. Ainda que todos os tributos tenham sido pagos, inclusive a maior, para afastar a presunção de Dano ao Erário (aos cofres Públicos, portanto) o agente deve demonstrar que o fato presumido não ocorre (que não houve a interposição, o subfaturamento, o abandono, etc), isto é, deve elidir a prova indireta.

A infração em questão é de perigo abstrato, ou seja, há um interesse jurídico a ser protegido, a Economia Nacional, entretanto por se tratar de bem jurídico social e difuso (e portanto, salvo raríssimas exceções, passível de ser lesado) o legislador antecipou o momento consumativo, visando a proteção efetiva do bem jurídico.

É por isto que – com a máxima vênia aos que defendem argumentos em sentido contrário – é absolutamente inócua a discussão acerca dos motivos da interposição (lavagem de dinheiro, violação do preço de transferência) ou sobre as consequências da infração (quebra da cadeia do IPI, uso indevido de benefício fiscal); certo ou errado, o legislador ordinário antecipou-se a considerações desta ordem e definiu condutas que lesam o Erário.

No entanto, o fato de se tratar de infração de perigo abstrato não culmina com a eliminação da necessidade de prova do elemento subjetivo da mesma. Embora possam implicar-se reciprocamente, intenção da ação e grau de risco ao bem jurídico protegido não se confundem.

Em primeiro porque, há casos em que está presente a lesão ao bem jurídico protegido sem que, contudo, exista intenção da ação (v.g. eletrocussão fulminante, em que há violação ao bem jurídico vida sem ação, quanto menos intenção).

Ademais, vincular responsabilidade objetiva a perigo abstrato é negar a existência de crimes de perigo abstrato, como por exemplo “conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência” que, nos termos do artigo 18 Parágrafo Único da Matrícula Penal, exige dolo (intenção da ação).

Por fim, e o que parece definitivo, o artigo 3.39 da Convenção de Quioto Revisada determina que “as Administrações Aduaneiras não aplicarão penalidades excessivas em caso de erros, se ficar comprovado que tais erros foram cometidos de boa-fé, sem intenção fraudulenta nem negligência grosseira”.

Há, portanto, a fixação de limites negativos para a infração de perdimento, nomeadamente boa-fé, intenção fraudulenta e negligência grosseira – conceitos que devem ser interpretados e aplicados nos termos da Legislação Nacional, conforme lecionam as Guidelines do Capítulo 3 do RKC.

Nosso Código Civil trata da boa e da má-fé em inúmeros artigos, sempre com a régua de conhecimento de determinada situação. Com efeito, o que parece definitivo, o possuidor de boa-fé é aquele que “ignora o vício ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa” (art. 1.201 CC) perdendo este status a partir do momento que “as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente” (art. 1.202 CC).

Desta forma, boa-fé é a confiança de se estar agindo conforme a Lei, sem intuito de lesar e a má-fé é o conhecimento da situação ilícita, é o saber que lesa outrem (Fides bona contraria est fraudi et dolo).

Fraude é mais do que saber que lesa outrem, é o engodo, a farsa, a mentira, visando interesse próprio ou obter vantagem para si em detrimento de outrem. Neste sentido, por exemplo, o artigo 72 da Lei 4.502/64, “fraude é tôda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do imposto devido a evitar ou diferir o seu pagamento”.

Negligência, por fim, é a falta de cautela, que, acompanhada do adjetivo grosseira, parece indicar não uma falta de esmero extraordinário e sim uma falta de cuidado geral, como bem revelam os exemplos de casos em que – segundo as Guidelines da RKC – não deve haver punição ao infrator[2].

De todo o antedito temos que o limite subjetivo negativo da pena de perdimento é um erro (antônimo de correto) por desconhecimento da ilicitude (boa-fé) sem a intenção de lesar outrem em benefício próprio (fraude) ou por simples falta de cuidado (negligência). Multiplicando por menos um, o limite positivo da pena de perdimento é o erro com conhecimento da ilicitude (má-fé) e intenção de lesar outrem em benefício próprio ou por extraordinária falta de cuidado.

Daí se nota que o limite positivo da pena de perdimento é o dolo entendido como a) consciência da situação ilícita e vontade de lesar outrem em benefício próprio (dolo direto) ou b) como consciência da situação ilícita e despreocupação com a consequência secundária (que, no dizer de WELZEL configura o dolo eventual).

Em suma, embora a infração que culmine com o perdimento seja de perigo abstrato (há uma antecipação do momento consumativo anterior ao dano efetivo – e improvável), a gravidade da sanção somada à dicção do item 3.39 do RKC informam a necessidade de demonstração do dolo para a aplicação da pena de perdimento, entendido como a consciência da situação ilícita e vontade de lesar outrem em benefício próprio (dolo direto) ou como consciência da situação ilícita e despreocupação com a consequência secundária (dolo eventual).


[1] Art. 184. As presumpções legaes ou são absolutas, ou condicionaes.

Art. 185. São presumpções legaes absolutas os factos, ou actos que a lei expressamente estabelece como verdade, ainda que haja prova em contrario, como – a cousa julgada.

Art. 186. Presumpção legal condicional é o facto, ou o acto que a lei expressamente estabelece como verdade, emquanto não ha prova em contrario (arts. 200, 305, 316, 432, 433, 434, 476 e outros Código).

Estas presumpções dispensam do onus de prova áquelle que as tem em seu favor.

[2] 1) Inadvertent errors in the declared value of goods can occur as:

– errors in transcription;

– arithmetical mistakes in declarations or supporting documents;

– inadvertent omissions of elements of the dutiable value, such as inland freight abroad;

– inadvertent errors in the conversion of foreign currency; or

– incorrect deductions, such as discounts, the inadmissibility of which is not within the knowledge of the importer, and similar errors arising from misunderstanding of the principles laid down in the legal provisions relating to valuation for Customs purposes.

2) Provided that the nature and other physical characteristics of the goods have been properly declared, an incorrect declaration of the tariff heading may also be regarded as an inadvertent error.

3) A discrepancy between the quantity of goods shown in the freight declaration and the actual quantity may be treated as an inadvertent error where it is due, for example, to a clerical error.

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