No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

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Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

O que o governo (ainda) não entendeu sobre a economia

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Muito se fala sobre a importância da economia como fator decisivo para eleições. Esse foi o contexto da famosa frase “it’s the economy, stupid” (é a economia, idiota) proferida nas eleições de 1992 durante a campanha vencedora de Bill Clinton à Presidência dos Estados Unidos.

A história brasileira não é diferente, visto que foi o controle da inflação que levou o então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso a vencer as eleições presidenciais em 1994, e de acordo com muitos, foi igualmente a estabilidade macroeconômica que garantiu sua reeleição em 1998.

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Nos primeiros dois governos Lula, a inflação foi igualmente controlada, combinada com alto crescimento econômico, que sustentou a alta popularidade do presidente e garantiu sua reeleição e a eleição de Dilma Rousseff como sua sucessora. Já no hemisfério norte, os EUA não haviam enfrentado problemas inflacionários em sua história recente desde o choque do petróleo de 1979 – cujos efeitos inflacionários se estenderam até meados da década de 1980 –, de modo que a população norte-americana não tinha mais qualquer recordação de viver períodos de inflação alta.

Como a eleição de Donald Trump em 2024 comprovou, a economia foi novamente um dos motivos determinantes de sua vitória, na medida em que a maioria da população norte-americana entendeu que sua situação econômica havia piorado nos últimos quatro anos.

Mas como dizer que a economia piorou quando o PIB dos EUA cresceu muito mais que o dos demais países ricos e sua taxa de desemprego está nos menores níveis históricos nos últimos anos?

A resposta – talvez de forma mais minuciosa do que simplesmente afirmar que a economia seja preponderante nos resultados das eleições – é a inflação. Isso porque foi a inflação elevada o principal fator causador do mal-estar econômico entre os eleitores americanos. E isso traz lições importantes também para o contexto político eleitoral brasileiro.

Embora o crescimento econômico (representado pela variação do PIB) e o nível de desemprego sejam importantes indicadores para retratar a situação econômica de um país, talvez seja a estabilidade no nível de preços que represente o indicador mais sensível à população. Afinal, caso PIB e desemprego influenciassem no sentimento de bem-estar da população, certamente o cidadão norte-americano não estaria tão pessimista com a economia, como a eleição de Trump demonstrou.

Se de um lado o governo Biden entregou um crescimento econômico impressionante e conseguiu reduzir o desemprego a mínimas históricas, ele não teve o mesmo sucesso em restaurar os níveis de preço a patamares anteriores ao início de seu mandato. Isso acontece por razões econômicas: a inflação, mesmo que baixa, é um fenômeno econômico natural, enquanto a deflação, que também pode acontecer, mas com muito menos frequência, decorre de fatores econômicos específicos, como fraca atividade econômica e baixa propensão ao consumo.

Assim, mesmo que o governo Biden tenha conseguido (com ajuda das elevações na taxa de juros promovida pelo Federal Reserve) reduzir a inflação nos EUA a patamares próximos à meta, a simples lembrança de que o custo de vida chegou a aumentar quase 10% ao ano durante o seu mandato impactou profundamente a percepção de bem-estar econômico da população norte-americana.

Um paralelo interessante pode ser traçado no atual cenário político e econômico brasileiro. Além do histórico de inflação alta e persistente, o brasileiro também premiou os governantes que tiveram sucesso em controlá-la, como mostram todas as reeleições ocorridas no passado recente do país. No entanto, o atual governo parece buscar com muito mais afinco o impulsionamento da atividade econômica, por meio de políticas sociais a populações mais vulneráveis e políticas de crédito subsidiado ou incentivado, a depender do setor.

Aliado às críticas aos juros altos, estipulados pelo Banco Central justamente para combater a inflação crescente – que no atual momento está um pouco acima do teto da meta estipulada pelo próprio governo –, fica a impressão de leniência com o controle inflacionário, que seria suportado pelo governo em favor de um crescimento econômico mais expressivo.

Nesse contexto, alas simpáticas às atuais políticas governamentais defendem o relaxamento da meta de inflação (seu retorno a níveis menos rigorosos, por exemplo) como forma de garantir o crescimento econômico sem que isso impacte a variação no nível de preços perseguida pelo governo. Por outro lado, alas de oposição atacam as atuais políticas públicas, especialmente sob o prisma da responsabilidade fiscal e de seu potencial impacto na sustentabilidade das contas públicas e efeito inflacionário.

De todo modo, e a despeito das visões econômicas variadas a respeito do tema, fato é que o aquecimento da atividade econômica tem claro viés inflacionário. O que pode se discutir são as formas de combater esses efeitos, que vão desde a forma mais clássica, que é o aumento dos juros, até à redução dos gastos públicos, dentre outras opções.

Não se pretende, contudo, discutir as melhores alternativas econômicas a essa situação, seja sob a ótica do controle inflacionário, seja sob o viés do crescimento econômico. É notório que não existe bala de prata nesta complexa dinâmica econômica. Evidentemente, todos gostariam de crescer o máximo possível com o mínimo de inflação possível, mas a vida real é mais complexa que as saídas fáceis apresentadas nas redes sociais ou por políticos irresponsáveis.

Ainda assim, levando em consideração o recente resultado eleitoral nos EUA e o momento atual brasileiro, é possível intuir que a inflação, mais do que nunca, tem mais poder de afetar a percepção econômica da população que o crescimento do PIB, ou o nível de desemprego, do câmbio, ou dos juros.

Enquanto o PIB expressa um importante indicador macroeconômico, porque mostra o tamanho de nossa economia e representa um componente fundamental no xadrez geopolítico global, se seu crescimento depender de um aumento acima do normal no nível de preços da economia, este efeito inflacionário pode desordenar e anular os ganhos no nível de atividade econômica, além de deteriorar o poder de compra da população.

Por isso, embora seja compreensível o desejo de o país ter cada vez mais importância no seleto grupo das maiores economias do mundo, o próprio crescimento do PIB não será sustentável se o preço a se pagar por ele for mais inflação.

O nível de emprego, por sua vez, também representa um importante indicador do nível de atividade econômica, assim como do próprio potencial inflacionário. Acontece que a economia de hoje não é a mesma de 40 ou 20 anos atrás, e a proliferação de subempregos e dos microempreendedores individuais (MEI), por exemplo, reduziu a relevância do indicador, uma vez que um baixo nível de desemprego não reflete, por si só, uma economia pujante e fortalecida.

O elevado número de pessoas desalentadas, que nem sequer estão procurando empregos, e por isso também não fazem parte das estatísticas oficiais, ou de pessoas que, mesmo empregadas, ainda não ganham o suficiente para sustentar suas famílias, mostra que, apesar de relevante, um baixo nível de desemprego não demonstra, por si só, a força econômica de um país. Mais do que isso, mesmo que o número oficial seja excelente, isso ainda pode ser praticamente irrelevante na percepção das pessoas sobre a economia.

Ao mesmo tempo, o governo pressiona o Banco Central para que a taxa básica de juros no país seja reduzida, ou, pelo menos, no contexto atual, não aumente muito. Acontece que a forma mais eficaz de manter a inflação dentro da meta é controlando a expansão da base monetária. Por isso, em um cenário em que o governo estimula a economia via expansão de gastos, o remédio mais eficiente, do ponto de vista econômico, é aumentar os juros. Assim, sem a pretensão de adentrar em conceituações econômicas, é bastante improvável que o governo consiga entregar inflação baixa e juros baixos ao mesmo tempo.

Voltando ao campo das escolhas difíceis, parece, mais uma vez, que o governo tem mais simpatia pelos juros baixos, dado o potencial de estímulo da atividade econômica, e, portanto, de crescimento do PIB, do que controlar o nível de preços da economia. Ou seja, em nome do aumento do crédito e do consequente crescimento econômico perseguido pelo governo, o viés desenvolvimentista parece tomar a clara decisão de relaxar o controle inflacionário.

Diante disso, nos parece que o atual governo (ainda) não entendeu claramente a dinâmica em que está inserido. Se as políticas de inclusão social e redução de desigualdades são louváveis por diversos motivos – e merecem ser comemoradas –, por outro lado, os riscos inflacionários podem ser ainda mais danosos aos interesses eleitorais do governo que qualquer resultado econômico expressivo, em termos de PIB, nível de emprego, de taxa de juros etc.

Em outras palavras, assim como o presidente Lula afirma que o povo “não come dólar”, a população também “não come PIB” ou outros indicadores econômicos que o governo tem demonstrado, mesmo que bastante positivos.

A título de exemplo, é possível que a bem-intencionada política de isenção de imposto de renda que se pretende aprovar para a população com renda de até R$ 5.000 por mês não seja sentida, ou tenha seus efeitos minimizados, se o Brasil adentrar o ano de 2026 com níveis persistentemente crescentes de inflação, circunstância que poderia abalar a confiança dos cidadãos mais do que qualquer medida benéfica do ponto de vista tributário.

É o que a elite tecnocrata parece não entender, que a demonstração de bons números não necessariamente garantirá a aprovação de um mandato, especialmente quando tais números não são sentidos pela população no seu dia a dia.

Como claramente comprovado nas eleições norte-americanas, na dinâmica social atual estatística favorável não basta. Assim como o ditado sobre a mulher de César, que além de ser honesta devia também parecer honesta, a população não irá se contentar com bons números caso não sinta na pele os efeitos de uma economia fortalecida.

Nesse sentido, o nível de inflação parece voltar ao centro do debate, justamente por não haver qualquer outro indicador que possa expressar melhor o poder de compra da população, e consequentemente, sua satisfação econômica.

Portanto, enquanto o governo seguir buscando crescimento econômico em detrimento do controle inflacionário, é alto o risco de deterioração de sua popularidade, que será fragilizada se os preços fugirem do controle e resultarem na perda de poder aquisitivo da população.

Nesse cenário, mesmo que o país alcance resultados econômicos expressivos, é altamente provável que, assim como aconteceu nos EUA, a população não sinta em seu dia a dia os bons números econômicos, e compareça às urnas em 2026 com o mesmo sentimento de desalento com que votou a população norte-americana nas últimas eleições, e pelas mesmas razões, escolha um novo governo. É o risco – bastante conhecido – que a inflação representa em eleições. Negligenciá-lo pode custar caro.

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