No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

pensamento do dia

Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Por que as predições econômicas são tão erradas?

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No início do ano passado, escrevi um artigo sobre os erros dos economistas em suas previsões econômicas – notadamente o crescimento do PIB – para o Brasil no ano de 2023[1]. Naquela oportunidade, procurei mostrar que estamos diante de assunto sério e da mais alta relevância, considerando o papel cada vez mais importante dos economistas e suas análises e predições para a definição de cenários, incentivos a movimentos de mercado e desenhos de políticas públicas, bem como em razão da reflexividade do conhecimento econômico.

Com efeito, a forma como as pessoas pensam a economia – e a divulgam – influi em suas ações e nas ações dos que confiam em tais opiniões, especialmente no que diz respeito às suas decisões de investimento, poupança e consumo.

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Consequentemente, as projeções econômicas podem funcionar como profecias autorrealizáveis, razão pela qual visões pessimistas sobre os indicadores econômicos de um país, especialmente no que se referem ao crescimento econômico, podem gerar perigosos desincentivos para o investimento, em um círculo que se retroalimenta.

Passado um ano do artigo, volto ao tema diante de recente reportagem do UOL, de 25/01/2025, com o provocativo título Mercado errou 95% das previsões sobre economia e Bolsa desde 2021.[2] Na matéria, são levantadas as estimativas do mercado no início de cada ano para o Ibovespa, a taxa de juros Selic, o Produto Interno Bruto (PIB) e a variação do dólar e da inflação, medida pelo IPCA. Para isso, foi utilizado como referência, dentre outros, o primeiro boletim Focus, do Banco Central, de cada ano.

Os resultados da pesquisa podem ser assim sistematizados a partir das seguintes tabelas:

2024

Projeção

Acerto

Ibovespa

“A principal aposta, feita por 48% dos entrevistados, era a de que o índice ficaria acima dos 140 mil pontos. Mas ele teve queda de 10,36%, a 120.283,40 pontos.”

Não

Selic

“Esperava-se terminar o ano com taxa de 9%. Os juros foram a 12,25% (a.a.).”

Não

PIB

“A estimativa era de alta de 1,59%. O resultado de 2024 só sai em 7 de março. Mas a alta acumulada em quatro trimestres até 30 de setembro foi de 3,1%.”

Provavelmente não

Dólar

“A previsão era de R$ 5,00 ao final do ano. A moeda finalizou 2024 a R$ 6,18, alta de 27,3%.”

Não

Inflação

“Estimava-se alta de 3,90%. Mas o índice foi a 4,83% no ano.”

Não

2023

Projeção

Acerto

Ibovespa

“A principal aposta do mercado, repetida por 40% das projeções, era a de que o índice ficaria entre 110 mil pontos e 120 mil pontos. Mas 2023 fechou em alta de 22,28%, aos 134.185 pontos.”

Não

Selic

“A estimativa era de 11,75% ao final de 2023. Fechou em 12,25%.”

Não

PIB

“A previsão era de alta de 0,78%. Mas o PIB fechou em elevação de 2,9%, totalizando R$ 10,9 trilhões.”

Não

Dólar

“Deveria finalizar o ano a R$ 5,28. Mas a moeda americana caiu 8,06%, encerrando o ano em R$ 4,85.”

Não

Inflação

“Estimava-se alta de 5,36%. O IPCA de 2023 ficou em 4,62%.”

Não

2022

Projeção

Acerto

Ibovespa

“Maioria via o índice abaixo dos 120 mil pontos no fim de 2022. A Bolsa finalizou 2022 com alta de 4,69%, a 109.735 pontos.”

Sim

Selic

“A estimativa era terminar 2022 em 11,75% ao ano. A taxa subiu para 13,75%”.

Não

PIB

“A previsão era de alta de 0,28%. Mas ela foi de 2,9% em relação a 2021.”

Não

Dólar

“Esperava-se um dólar a R$ 5,60. A moeda encerrou 2022 com queda acumulada de 5,32%, cotada a R$ 5,27.”

Não

Inflação

“A previsão era de alta de 5,03%. A variação ficou em 5,79%.”

Não

2021

Projeção

Acerto

Ibovespa

“A maioria (52%) via o Ibovespa encerrando 2021 acima de 120 mil pontos. O índice teve queda de 11,93%, fechando 2021 a 104.822,44 pontos.”

Não

Selic

“A estimativa era terminar o ano com taxa de 3,25% anuais. Mas no encerramento, a taxa estava a 9,25% ao ano.”

Não

PIB

“Previa-se alta de 3,41%. Mas o PIB chegou a R$ 9 trilhões, com crescimento de 4,8%.”

Não

Dólar

“Esperava que a moeda terminasse 2021 a R$ 5. Mas a divisa subiu 7,47% sobre o real, encerrando o ano vendido a R$ 5,57.”

Não

Inflação

“A alta prevista era de 3,34%. A inflação ficou em 10,06% no ano.”

Não

Como se pode observar, o percentual de erro é de 95%, uma vez que, como aponta a reportagem, dos 20 quesitos analisados, o mercado só acertou uma vez, ao prever o bom desempenho da Bolsa de Valores de 2022. Ademais, houve erros grosseiros, dentre os quais a estimativa da Selic para o ano de 2021, que foi prevista para 3,25% e acabou o ano em 9,25%.

Embora tente entender as razões para tal taxa de erro, a reportagem é bem cuidadosa no que diz respeito a supostos vieses. Apesar de reconhecer que “ninguém quer fazer política com os dados”, acaba reconhecendo que a visão de mundo dos entrevistados pesa de alguma forma, o que abre o caminho para a reflexão sobre as causas desses equívocos.

Uma das primeiras explicações para o ocorrido é que os economistas – como quaisquer outros profissionais – podem ser bastante ideológicos e suas percepções e valores pessoais – inclusive políticos – podem ser determinantes para os seus diagnósticos[3] .

Tais aspectos somam-se ao fato de que as narrativas, que são fundamentais para encontrarmos sentido em um mundo caótico, desenvolvem-se em contextos sociais nos quais os valores compartilhados por determinadas comunidades – como a dos economistas, especialmente a dos economistas financeiros, no caso das projeções econômicas de índices importantes – são determinantes[4].

Daí por que a falta de diversidade entre os economistas que são consultados para a elaboração de tais prognoses pode gerar uma indevida – e irreal – convergência de resultados, simplesmente porque, em razão dos valores compartilhados, estes partiram de premissas idênticas ou semelhantes – que podem ser equivocadas –ou ignoraram determinadas variáveis.

A utilização de modelos matemáticos, estatísticos e econométricos para a realização de prognoses não afasta as conclusões anteriores, até porque os modelos são criados e alimentados com base em dados e critérios que, por sua vez, dependem das percepções pessoais dos seus idealizadores. Acresce que, como também já tive oportunidade de abordar em colunas anteriores, os modelos econômicos também podem ser vistos como grandes narrativas, o que afasta a sua suposta objetividade e neutralidade[5].

Fato é que, em um mundo incerto, fazer previsões sobre fenômenos econômicos complexos, sujeitos a muitas variáveis em constante modificação, é tarefa difícil ou mesmo impossível. Não é sem razão que a clássica obra de Philip Tetlock e Dan Gardner[6] já demonstrou o quanto especialistas tendem a cometer grandes erros em suas previsões, especialmente quando tentam sair do curto prazo e se aventuram no médio e no longo prazo.

Logo, o problema das predições sobre assuntos humanos complexos, como sintetiza Kahneman[7], não é propriamente a falibilidade humana – totalmente previsível nesse caso – mas sim a arrogância dos que se acham capazes para isso e a ignorância dos que confiam acriticamente em tais previsões.

Ainda há, nessa questão, um problema de responsabilidade, tanto para quem faz tais previsões como para quem as considera, especialmente quando o destinatário é o governo. Como tais opiniões influenciam o comportamento econômico e políticas públicas em vários aspectos, podem ter efeitos nefastos para a economia, especialmente quando são equivocadamente pessimistas.

Não podemos ignorar que, longe de serem meras opiniões, tais análises e prognoses funcionam como poderosos incentivos ou desincentivos para o comportamento econômico, razão pela qual precisam ser consideradas a partir desta perspectiva.


[2] https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2025/01/25/mercado-erra-95-das-previsoes-sobre-economia-e-bolsa.htm 

[3] FRAZÃO, Ana. Jota. https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/economistas-e-o-mito-da-neutralidade-da-economia-16112022; https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/economia-como-um-sistema-de-crencas-14122022; https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/economia-e-ideologia-09112022 

[4] FRAZÃO, Ana. Jota. https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/por-que-o-mercado-anda-nervoso-com-as-recentes-declaracoes-de-lula-30112022; https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/ainda-sobre-a-reacao-do-mercado-as-declaracoes-de-lula-07122022.

[5] FRAZÃO, Ana. Jota. https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/a-seducao-e-o-risco-da-quantificacao-27092023https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/em-que-medida-podemos-tomar-decisoes-baseadas-em-modelos-matematicos-05042023 

[6] TETLOCK, Philip; GARDNER, Dan. Superforecasting: The Art and Science of Prediction, Crown, 2016.

[7] KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar, Objetiva, 2012.

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