No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

pensamento do dia

Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Simplicidade como orientadora da escolha do modelo de execução fiscal administrativa

Spread the love

Há muito tempo demandada, a reforma tributária de 2023 visa simplificar a tributação e, ao mesmo tempo, tornar eficiente a economia brasileira e com isso deixar o país mais competitivo globalmente.

A simplicidade foi elevada a princípio constitucional estruturante do Sistema Tributário Nacional (art.145, § 3º, da CF). Por conseguinte, é necessário que as regras para criação de tributos e para a fiscalização das obrigações tributárias sejam marcadas por clareza e praticidade.

Conheça o JOTA PRO Tributos, plataforma de monitoramento tributário para empresas e escritórios com decisões e movimentações do Carf, STJ e STF

Por ser um princípio estruturante, a simplicidade também deve nortear o processo tributário. Nesse contexto, não podemos esquecer dos anteprojetos de lei que foram formulados pela Comissão de Juristas, constituída pelo Ato Conjunto 1/2022 do Senado e do Supremo Tribunal Federal (STF), que tratam da reforma do processo tributário.

O conjunto da reforma do processo tributário tem por objetivo a dinamização e a modernização do contencioso tributário e as propostas legislativas devem buscar “definições processuais e procedimentais que simplifiquem o contencioso administrativo e judicial tributário e favoreçam sua sistematização, padronização de ritos e unificação de entendimentos”[1]. Assim, há um comando para que o legislador atue de forma a disciplinar a processualística tributária com observância do critério de simplicidade.

A simplicidade, no âmbito processual, não pode ser entendida como ausência de formas ou procedimentos, mas como garantia da utilidade instrumental do processo voltado para a resolução de controvérsia[2]. Desse modo, as regras processuais devem ser de fácil compreensão e objetivas, tornando o processo tributário racional.

Deve-se ter em mente que um processo simples não pode desconsiderar a complexidade do sistema e nem buscar uma solução rasa para os problemas. Por tal razão, a reforma do processo tributário deve procurar compreender o impacto que a alteração legislativa irá causar na sociedade.

Na elaboração de normas legislativas, o legislador pode utilizar as bases da teoria da escolha racional[3], muito utilizada no desenho de políticas públicas como a transação tributária, no âmbito federal.

A teoria da decisão visa construir um modelo racional e eficiente e, para isso, utiliza-se da árvore de decisão, que corresponde a uma representação das alternativas, de modo a possibilitar a escolha daquela mais racional possível. Em resumo, impõe-se:

  1. definir o problema,
  2. identificar as possíveis alternativas,
  3. avaliar as alternativas; e
  4. determinar o melhor caminho a ser seguido.

O legislador não deve elaborar as leis sem considerar os resultados que serão alcançados com a aplicação da norma (resultado social e resultado econômico). Portanto, a abordagem da teoria da escolha racional pode oferece o melhor resultado.

No contexto da reforma do processo tributário, foi apresentado o PL 2488/2022 que visa instaurar um novo modelo de execução fiscal no âmbito judicial, bem como inaugurar o de execução fiscal administrativa. No entanto, o texto aprovado pelo Senado foi um substituto.

A modelagem da execução fiscal administrativa foi totalmente modificada na redação do substitutivo do PL 2.488/2022. Para os fins desse texto, denominaremos a redação original de árvore 1[4] e a redação do substituto de árvore 2[5].

Na árvore 1, o modelo proposto (art. 19, § 3º) atribuía às administrações tributárias a responsabilidade para conduzir o rito especial da execução fiscal administrativa. Observa-se que o modelo seria dual, com comunicação direta e entre as partes (Fazenda Pública e contribuinte executado).

Essa árvore apresenta como consequências:

  1. uma ruptura parcial com o sistema anterior,
  2. o mau pagador deverá criar novas estratégias para resistir a execução fiscal ou até adaptar-se ao novo sistema se houver real possibilidade de que a sanção (expropriação de seu patrimônio) prevista na norma seja aplicada; e
  3. a possibilidade de imprimir agilidade e eficiência aos executivos fiscais, bem como aliviar o Poder Judiciário.

Em relação à árvore 2, a responsabilidade para conduzir a execução fiscal administrativa foi delegada para a figura do tabelião de protesto (art. 18, §3º). Verifica-se que o modelo de triangulação processual hoje existente (autor, juiz e réu), em sua essência, permanece (autor, tabelião e réu) e a comunicação continuará sendo indireta.

A árvore 2 traz como consequências:

  1. transferência de algumas atribuições procedimentais que atualmente são exercidas por juízes para os tabeliães de protesto;
  2. falta de mecanismos para dar efetividade a pedidos de penhoras de bens sem utilização dos sistemas eletrônicos, bem como no caso de pedido de meios executivos atípicos (art. 28)[6];
  3. servidores do Poder Judiciário estariam vinculados também aos tabelionatos (art. 32), assim, as execuções administrativas estariam de certo modo sob os cuidados do Poder Judiciário;
  4. a estratégia do devedor contumaz em resistir às execuções fiscais, em regra (por tendência comportamental), continuará a ser adotada, vez que não há real ruptura do sistema atual; e
  5. as execuções fiscais administrativas dos três níveis de governo tramitariam perante o mesmo tabelionato.

Parece-nos que o legislador não utilizou o instrumental racional da teoria da decisão ao escolher o modelo de execução fiscal administrativa da árvore 2. Observa-se que a ideia normatizada foi simplista (retirou a figura do juiz de alguns atos e substituiu pelo tabelião), vez que desprezou elementos necessários para a solução do problema dos executivos fiscais.

Inscreva-se no canal de notícias tributárias do JOTA no WhatsApp e fique por dentro das principais discussões!

Cumpre destacar que ao instituir o tabelião como um “agente de execução”, a lei deveria conferir os mecanismos para efetivar as suas decisões (letra b das consequências da árvore 2). Aqui, podemos recordar a decisão de constitucionalidade do Decreto-Lei 70/66[7] que instituiu a cédula hipotecária e consagrou a possibilidade de a instituição financeira, que concedeu o crédito com garantia hipotecária, se valer da execução extrajudicial dos imóveis.

Outro exemplo é a Lei 9.514/1997[8], que dispõe acerca do sistema de financiamento imobiliário e, expressamente, permite que o credor realize a execução extrajudicial do bem alienado fiduciariamente, sem a participação prévia do Poder Judiciário.

Levando em consideração que a reforma do processo tributário visa a simplificação e, não podemos esquecer, a eficiência do Sistema Tributário Nacional, nos parece que a modelagem da execução fiscal administrativa proposta precisa ser aprimorada, sendo necessário maiores discussões e compreensão quanto ao alcance do princípio da simplicidade e do próprio objetivo da instituição de um modelo de execução fiscal administrativa.


[1] Inciso V do parágrafo único, art.1º, do Ato Conjunto 1/2022 do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal

Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9087234&ts=1671478755198&disposition=inline.

[2] SILVA, Carla Pereira da e SILVA, Fabio Godoy Teixeira da. A simplicidade no sistema processual-tributário: do que estamos falando? Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/pauta-fiscal/a-simplicidade-no-sistema-processual-tributario-do-que-estamos-falando-07072024.

[3] COSTA, Marcio César. DANIEL NETO, Carlos Augusto. Análise econômica da execução fiscal no Brasil. Revista da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu. Edição Número 04, 2º Semestre de 2017. Disponível em: https://www.usjt.br/revistadireito/numero-4/13-marcio-costa.pdf.

[4] BRASIL. Senado. PL nº 2488/2022 (original). Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9199177&ts=1723670335095&disposition=inline.

[5] BRASIL. Senado. PL nº 2488/2022 (substituto). Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9636053&ts=1718229247677.

[6] O item b) não é uma consequência natural da árvore 2, mas uma ação intencional do legislador.

[7]BRASIL. Decreto-Lei nº 70/66. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del0070-66.htm.

[8]BRASIL. Lei nº 9.514 de 20 de novembro de 1997. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9514.htm 

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *