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Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Ainda há incentivos para celebrar acordos de leniência depois da IN 95/2024-TCU?

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No próximo mês, faz aniversário de um ano a Instrução Normativa 95/2024 do Tribunal de Contas da União. Desde então, pouco tem sido debatido sobre um de seus iminentes efeitos colaterais: o risco de desestruturação institucional dos incentivos para a celebração de acordos de leniência.

O art. 22 da IN 95/2024 aloca à pessoa jurídica signatária o dever de informar ao TCU sobre a identidade entre as infrações englobadas pelo acordo e aquelas investigadas pelo tribunal. O conceito-chave é o da identidade. Ele é condição necessária para que haja sobrestamento da aplicação de sanção pelo tribunal, tal como declaração de inidoneidade.

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Nas palavras do ministro Benjamin Zymmler em seu voto relator,[1] “eventual imunidade da colaboradora perante o TCU e outras instâncias estará limitada a esse conjunto de ilícitos admitidos, em torno das quais tenham sido carreadas informações e provas e, eventualmente, devolvidos recursos a título de ressarcimento do dano”.

Além disso, o ministro admite explicitamente que “o particular não é obrigado a admitir todas as infrações que tenha praticado”, porém a “consequência disso é que ele somente estará protegido, no que se refere a futuros sancionamentos, dos ilícitos confessados e incluídos no escopo do acordo de leniência”.

Significa dizer que mesmo empresas colaboradoras poderão sofrer os efeitos da declaração de inidoneidade. Basta que o TCU entenda que a irregularidade da qual decorre a sanção não foi abarcada pelo acordo de leniência – seja porque ela não foi admitida pela empresa colaboradora, seja porque o tribunal não vê identidade para com as irregularidades admitidas.

É efetivo o risco de que a IN 95/2024 venha a mitigar os incentivos para a colaboração e a utilidade dos acordos de leniência.

Em primeiro lugar, há risco à ideia de colaboração. A pessoa jurídica não pode ser obrigada a admitir irregularidades caso não entenda que as tenha cometido. Vale lembrar que os acordos são assinados somente depois de ter a CGU diligenciado instrução probatória para averiguar se inexistem irregularidades outras que não foram admitidas pela colaboradora. Se o acordo foi celebrado com um conjunto determinado de irregularidades, é porque a CGU não identificou elementos suficientes para incluir novas irregularidades no seu escopo.

No entanto, a IN 95/2024 traz o risco de que a colaboradora seja forçada a admitir irregularidades que não cometeu e para cuja ocorrência a administração pública não encontrou evidências. Isso apenas para evitar que o TCU permita a produção de efeitos de sanções gravosas na hipótese de discordar das diligências realizadas pela CGU. A própria ideia de colaboração fica prejudicada.

Em segundo lugar, há clara sobreposição de instâncias sancionadoras prejudicial para o eficiente combate à corrupção. A CGU detém competência negocial para celebração dos acordos com base no conjunto de evidências que julgar suficiente. É correto submetermos a colaboradora – e, no limite, o interesse público – ao risco de que os órgãos da administração pública divirjam entre si?

Em terceiro lugar, há risco à capacidade de adimplemento dos acordos celebrados. Se, após a celebração, as signatárias ainda possam sofrer os efeitos da sanção de inidoneidade, é relevante a probabilidade de que sua capacidade financeira seja asfixiada. A consequência iminente é a potencial incapacidade de cumprir com os pagamentos fixados em acordo. Novamente, o prejuízo imediato é à colaborada e ao sistema de colaboração, mas o prejuízo último é suportado por toda a sociedade.

Por fim, é bom lembrar que à colaboradora se exige apenas a apresentação do fato irregular – e não a sua subsunção legal. Por exemplo, se determinado acordo admite a existência de fraude, não cabe ao tribunal afirmar que inexiste identidade de objeto porque o acordo não admite sobrepreço. Na realidade, a fraude é o fato que justifica a condenação por sobrepreço.

Logo, há identidade de objetos – o que não há no acordo é a subsunção legal, que é inexigível do particular. Significa dizer que o quarto risco é o tribunal permitir a produção de efeitos da sanção mesmo quando há identidade entre a irregularidade do acordo e aquela apreciada pela corte. Isso por conta de entendimento equivocado sobre o escopo da própria colaboração.

Em resumo, o perigo é de esvaziarmos os incentivos para celebração dos acordos e todos os benefícios para o interesse público decorrentes da estrutura institucional de colaboração. Priva-se a sociedade da devolução dos recursos obtidos de forma ilícita e do necessário esclarecimento público sobre as irregularidades cometidas.

Tais questões se tornam mais prementes com o avanço e a concretização dos processos de renegociação dos acordos sob coordenação do ministro André Mendonça na ADPF 1.051. A questão de fundo que se coloca é: desejamos viabilizar o reconhecimento voluntário de irregularidades e sua reparação à sociedade? Se sim, devemos garantir que as condições institucionais adequadas para tanto estejam em funcionamento.


[1] TC 011.717/2021-1.

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