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Para a multinacional de bebidas Diageo, dona de marcas como Johnnie Walker, Smirnoff e Tanqueray, a reforma tributária é o assunto para acompanhar de perto em 2024. O diretor jurídico da companhia, Rodrigo Miranda, em entrevista ao JOTA, disse que a empresa está acompanhando de perto as discussões sobre o Imposto Seletivo que será criado para taxar produtos nocivos à saúde, como cigarros e bebidas.
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A posição da multinacional é que todas as bebidas alcoólicas devem ser taxadas na mesma medida, independentemente do teor alcoólico. “A quantidade de álcool em uma dose padrão de bebida, seja uma latinha de cerveja de 350 ml ou 40 ml de destilado, é a mesma. Então, o que nós estamos defendendo é que seja dado um tratamento isonômico dentro do setor de bebidas alcoólicas”, disse o diretor.
Miranda, que tem mais de 25 anos de experiência no Direito, foi anunciado em janeiro como novo diretor jurídico da companhia no Brasil. Formado pela Universidade de Brasília e com mestrado em Direito pela Columbia Law School, o executivo trabalhou em grandes escritórios de advocacia no Brasil e em Nova York, além de ter atuado como advogado na CSN e na Whirlpool.
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Ao JOTA, ele disse que sua chegada na multinacional veio com uma proposta de transformar o departamento jurídico interno brasileiro, que conta com doze funcionários.
Segundo Miranda, o desafio é pensar em formas para que o jurídico consiga viabilizar a estratégia da empresa de forma rápida. “Eu não posso levar dez dias, quinze dias para responder um contrato. Então, é preciso trazer inovação, não só em termos de tecnologia, mas também em gestão e em processos”, diz o executivo.
Na prática, isso significa ter ferramentas e processos para viabilizar rapidamente, por exemplo, um contrato de parceria da Diageo com o festival Lollapalooza, que na edição deste ano teve um palco patrocinado pela marca de uísque Johnnie Walker.
No futuro, o diretor espera que o jurídico consiga ir além e ajudar na elaboração de estratégias. Analisando os dados de contencioso, por exemplo, o departamento conseguiria indicar qual é o melhor fornecedor ou distribuidor da marca em cada região de atuação, disse o diretor.
Leia trechos da entrevista abaixo.
Como o senhor entrou no mundo corporativo? Era um sonho antigo?
Bom, eu estudei na Universidade de Brasília, onde boa parte das pessoas estavam focadas no serviço público, em prestar concurso para magistratura, para o Ministério Público, assim por diante. Eu só me dei conta de que queria trabalhar com a empresa um pouco depois de me formar. Eu iniciei minha carreira, na verdade, dentro do contencioso tributário e, depois de formado, fui fazer contabilidade. Foi assim que me dei conta que queria trabalhar com empresas.
Eu fiz o meu mestrado na Columbia University, em Nova York, trabalhei lá por um tempo, e depois voltei para Brasília. Aí iniciei a minha jornada como conselheiro dos contribuintes no Carf, onde fiquei por oito anos. Durante esse período, eu tinha dúvidas se queria continuar a trabalhar em escritórios de advocacia. Foi quando vim para São Paulo, saí do escritório em que estava e recebi um convite para trabalhar como advogado corporativo da Companhia Siderúrgica Nacional.
Hoje, com quase 30 anos de carreira, passei metade no escritório e a outra metade como advogado de empresa. Eu diria que o que me trouxe aqui foi muito mais inquietude, muito mais curiosidade, muito mais querer fazer uma coisa diferente, gostar de mudar. Porque se eu não gostasse da mudança também, não teria vindo para São Paulo ou ido para os Estados Unidos. Estaria em Brasília trabalhando em um escritório ou teria prestado um concurso.
Para mim, parte da beleza de trabalhar internamente em um negócio, dentro de uma empresa, é não ser só mais um advogado. É ser um executivo, fazer parte de uma organização, não só olhar para o departamento jurídico. A minha proposta como líder do time aqui na Diageo é contribuir não só para o alcance dos objetivos tratados na estratégia da companhia, mas também ajudar na própria formulação da estratégia.
Na sua visão, como o jurídico pode contribuir na visão estratégica da empresa?
Estou na Diageo há quatro meses, né? E a minha entrada foi uma proposta transformacional. Eu acredito que o time jurídico precisa se transformar. A minha agenda, não só aqui na Diageo, é uma agenda de transformação e de inovação através da tecnologia e da gestão em processos. A gente precisa repensar como cuidar da organização como um todo.
É lógico, já existia inovação aqui, mas estou no início da jornada, tentando dar a minha cara. A Diageo é uma empresa que atua em mais de 180 países, são mais de 200 marcas. Aqui no Brasil, nós somos 800, com o escritório de São Paulo e a planta em Fortaleza. É um negócio que está muito voltado para as marcas. Então como nós do jurídico podemos contribuir? Que seja acelerando a análise de contratos, ou pensando em cláusulas específicas, ou cuidando da contratação de influenciadores. O nosso desafio é pensar em formas de andar de mão dada com os nossos clientes internos, para a gente viabilizar a estratégia macro da companhia. No Lollapalooza, por exemplo, teve o palco do Johnnie Walker. Nós é que viabilizamos essa parceria.
Eu não posso levar dez dias, quinze dias para responder um contrato. Então, é preciso trazer inovação, não só em termos de tecnologia, mas também em gestão e em processos.
Um dos principais motivos que me trouxe para cá, que fez com que eu aceitasse o desafio, foi exatamente essa minha proposta transformacional, de a gente pensar em eficiência, reduzir riscos, identificar oportunidades, e fazer com que as pessoas trabalhem melhor.
É lógico que existem as demandas da organização, enfim, o Brasil é um país complexo, a gente está aí no meio de uma reforma tributária, a gente vive em um país de alta litigiosidade, com muito processo. Então eu estou muito focado nessa agenda transformacional, de inovação, mas é lógico que tem um dia a dia que a gente tem que cuidar.
Quais são suas metas para o jurídico neste primeiro ano como diretor?
Olha, eu quero que o jurídico esteja cada vez mais conectado com o negócio, cada vez mais participando da definição das estratégias, cada vez mais sendo decisivo, e que contribua cada vez mais nos controles, nos direitos, nos resultados, na visibilidade que o negócio necessita para alcançar seus resultados.
Então, para mim é dado que a gente precisa cuidar bem dos processos, que a gente precisa ter uma gestão de contratos mais eficiente, para mim o objetivo é que realmente a gente se conecte mais e mais com o negócio. Mas a gente não está saindo do zero, tem um time de excelência aqui, principalmente nas áreas que eu não tenho tanta experiência, como na questão de marketing e de propaganda específica para bebidas, que é um setor regulado. Temos um time de excelência também em contratos, contencioso e defesa de marca.
Um negócio é como um casamento, tem momentos bons e ruins. Olhando para o todo, por exemplo, consigo trazer informações de fornecedores e distribuidores, mostrando os que têm melhor desempenho e os que tiveram algum tipo de estresse com a empresa. Com isso, posso ajudar na tomada de decisão de manutenção ou não desse relacionamento. É algo que pode ser útil.
O que o senhor aprendeu durante o período em que foi conselheiro do Carf?
Bom, o Carf é um órgão revisor das decisões proferidas pela Receita Federal em autos de infração. Então, quando uma empresa ou pessoa física recebe um auto de infração, recebe uma intimação para pagar ou para se defender. Por quê? Porque o princípio da defesa está na Constituição.
Quando você apresenta a defesa, o auto de infração é lavrado pela Receita Federal. A Receita, então, faz uma primeira análise, e a sua defesa pode ser acolhida ou não. Se ela não for acolhida, você tem uma segunda chance. Só que essa revisão da decisão não é feita mais pela própria Receita, mas sim pelo Carf.
E o que é o Carf, então? Esse órgão, integrante do Ministério da Fazenda, funciona como um tribunal paritário, ou seja, ele é formado por representantes da Fazenda, auditores fiscais, e os representantes contribuintes.
Eu passei oito anos lá, julguei tributos específicos. Foram oito anos super ricos, um ambiente muito saudável de troca de ideias, troca de informação com colegas da Receita Federal. É um ambiente de muito debate, fui feliz de poder aprender muito nesses oito anos, mas também contribuir um pouco com o meu conhecimento, com a minha experiência como advogado, para ajudar no alcance da justiça tributária. Eu sempre me senti um pouco devedor, porque estudei em Universidade Pública, então, de certa forma, ser conselheiro foi uma forma de contribuir e retribuir o que o Estado me proporcionou.
A partir de 2015, houve uma mudança no Carf. A partir dali, os conselheiros dos contribuintes passaram a ser remunerados pelo trabalho, o que impossibilitava o exercício da advocacia. Foi nessa época que eu decidi sair. Eu era do jurídico da Companhia Siderúrgica Nacional, ainda que eu não advogasse o tempo inteiro, eventualmente eu exercia o papel de advogado em algum processo e eu não poderia deixar de exercer a advocacia. Mas, como eu já tinha oito anos de conselho, eu só tinha mais um ano de mandato. Então, eu teria que sair de qualquer forma.
Ter sido conselheiro do Carf contribuiu muito, sem dúvida alguma, para a minha posição hoje como líder jurídico de uma organização e grande contribuinte como a Diageo. A gente sabe a complexidade que é o Brasil, né?
Em termos de regulação ou legislação, tem alguma pauta que a Diageo está olhando com mais atenção em 2024?
A pauta deste primeiro semestre, comum ao Brasil como um todo, é a pauta da reforma tributária. Então, a gente está acompanhando muito de perto essa questão da reforma, inclusive porque nós somos um setor que tem um tratamento específico devido à reforma, né? Então, é algo que a gente está acompanhando muito de perto.
Entendemos que a reforma é uma oportunidade muito importante para se dar um bom tratamento isonômico dentro da indústria, dentro do setor. Todas as bebidas, considerando a dose padrão, elas têm uma quantidade de álcool idêntica. Se você pegar a dose padrão de cerveja, 350 ml. Se você pegar a dose padrão de vinho, 150 ml. Se você pegar a dose padrão no caso de uísque ou outro destilado, 40 ml. E todas elas têm as mesmas 14 gramas de álcool. Então, o que nós defendemos dentro da reforma tributária é que seja dado um tratamento isonômico aos participantes da indústria.
E também, para que a gente tenha uma tributação efetiva que não fomente o mercado ilegal. É um trabalho do meu time fazer a defesa de marca e combater o mercado de falsificação. E, principalmente, falando de reforma tributária, em específico, a gente também discute muito a questão do imposto seletivo, que deve incidir sobre bebidas alcoólicas. E o que nós defendemos é que o que deve ser combatido é a externalidade negativa, o consumo exagerado, temos iniciativas para isso.
É lógico que a reforma tem outros aspectos que são importantes para a gente também, como simplicidade, transparência, que conectam com aquilo que eu estava falando, que é a necessidade da rede estrutural, de a gente reduzir a litigiosidade no Brasil, para o Brasil ser mais atrativo para investimentos. O cenário que a gente vive é de insegurança jurídica muito grande, então, a reforma também visa atingir isso, mas, como eu disse para você, a gente tem esse olhar de buscar simplicidade, transparência, redução de litigiosidade. No caso dessa agenda de regulação, a gente busca com que seja dado esse tratamento isonômico na indústria do bebida alcoólica como um todo.
Vai ter imposto seletivo. E esse imposto seletivo já é certo para incidir sobre bebidas, tabaco e outros produtos prejudiciais à saúde. E aí você pode ter, entre outros produtos prejudiciais à saúde, uma gama muito ampla. Mas na reforma tributária, na emenda constitucional, não está listado que é bebida, não está listado que é tabaco, não está listado que é ultra processado. Mas já se sabe que vai ser, por quê? Porque isso é tratado dessa forma globalmente.
Então a gente sabe que vai ser atingido pelo imposto seletivo. O que a gente defende é que álcool é álcool, independente da qualidade do álcool. Como eu disse para você, a quantidade de álcool numa dose padrão, uma latinha de cerveja de 350 m ou 40 ml de destilado, a quantidade de álcool é a mesma. Então, o que nós estamos defendendo é que seja dado um tratamento igual dentro do setor de bebidas alcoólicas. De certa forma, uma “reparação” de um tratamento via tributação que ao longo da história não foi equilibrado.
Como o departamento jurídico da Diageo tem usado tecnologia e inteligência artificial no dia a dia?
Nós temos uma interação muito grande, e parte da minha proposta é aumentar essa interação, com várias legal techs tanto na gestão de processos, de contratos e nas demais atividades que podem ser automatizadas. O objetivo é que a gente possa trazer mais qualidade de vida para as pessoas e mais segurança e firmeza na informação que a gente distribui para a empresa. Principalmente no que diz respeito ao aspecto financeiro.
Com um time de 12 pessoas, eu tenho que fomentar o uso de ferramentas e acho que o mercado brasileiro é muito vibrante nesse aspecto de inovação. A realidade brasileira é de muita litigiosidade, muitos processos complexos, isso acabou fazendo com que o mercado de legal techs seja muito bom. Então, a minha ideia dentro dessa jornada de inovação em tecnologia, gestão e processos necessariamente passa por parcerias com utilização de tecnologia de terceiros.
Mas tecnologia não é tudo, porque não adianta só trazer tecnologia se não tiver inteligência, se não tiver transformação na gestão e nos processos. Eu acho que a IA entra também nesse contexto. É lógico que a gente tem que pensar isso com muita calma, porque há risco com compartilhamento de dados e informações, então é algo que tem que ser muito bem pensado.
Na prática, como está planejando essa transformação na cultura de trabalho da equipe?
Eu não mudei a estrutura do meu time, mas hoje eu tenho uma pessoa que a gente está desenvolvendo como liderança para trabalhar transversalmente com todo o time, sendo o ponto focal dessa jornada de transformação que a gente está vivendo. Essa pessoa vai ser a principal interlocutora com essas legal techs, entendendo as nossas demandas e vendo o que a gente pode fazer. É alguém que vai estar o dia inteiro pensando nisso. Mas é um ponto focal, parte do meu desafio nessa jornada de transformação é fazer com que o time todo esteja pensando nisso, sendo cada vez mais parceiro efetivo do negócio, pensando nas marcas o tempo inteiro.
Qual dica você dá para um jovem advogado que está na faculdade ou no escritório e quer trabalhar em empresas?
Olha, acho que as pessoas têm que querer algo diferente, ter curiosidade e uma certa inquietude, gostar de mudança. Porque, no final das contas, eu tenho minha zona de conforto, que é o técnico jurídico, mas eu gosto de ser executivo e participar de atividades diferentes.
Até onde eu sei, as faculdades de Direito não mudaram muito desde a minha época, há 30 anos. A realidade das empresas não é ensinada nas faculdades de Direito. Como você vai entender a realidade de um negócio sem saber nada de contabilidade? Esse pode ser um caminho.
Mas é mais importante a pessoa ser curiosa, gostar de mudanças e, acima de tudo, querer fazer alguma coisa diferente. Porque trabalhar em uma empresa para quem está começando no Direito não é algo muito intuitivo. Para a minha realidade de Brasília, então, era completamente fora do padrão. Mas para mim esse dinamismo é o bacana do desafio de ser líder do jurídico. É fazer parte de um todo, de uma organização que tem pessoas de perfis diferentes. Tem que gostar disso.