Polarização política: missão impossível para a defesa de interesses?

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A polarização política é um fenômeno em expansão crescente e em escala global. Mesmo em países como o Brasil, que tradicionalmente não se caracterizava por extremos ideológicos, esse fenômeno vem crescendo e tem sido percebido pela população. Em pesquisa recente da Quaest[1], 83% da população brasileira percebe o aumento da polarização no país, crescimento de 19% em relação à pesquisa anterior de 2023.

Há países onde, historicamente, predomina a polarização política, geralmente consubstanciada em um sistema bipartidário em que a alternância de poder é fundamental para o crescimento sustentável. É o caso dos Estados Unidos, com os partidos Republicano e Democrata.

A perspectiva de que a democracia convive com a polarização e o dissenso, preceitos que orbitam o sistema democrático, é verdadeira. No entanto, quando a sociedade se encontra dividida em grupos antagônicos, onde o respeito mútuo não é mais um balizador das relações, há necessidade de diálogo para a construção de pontes que resultem em um meio-termo.

Ideologicamente, os partidos políticos desempenham um papel crucial na democracia, servindo como intermediários no relacionamento entre os cidadãos e o governo. Essa representação legítima da vontade da população tem caráter essencial para a organização política de um Estado. A estruturação dos partidos políticos com diferentes prioridades e ideologias permite – ou deveria permitir – que os cidadãos sejam ativos e legitimamente representados.

Vale lembrar que, no Brasil, a representação democrática é recente, vigente apenas há pouco mais de 35 anos, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, quando foi instituído o pluralismo político como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Desde então, acumulou-se extenso número de legendas partidárias.

Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que, atualmente, os partidos políticos em atividade no Brasil totalizam 29 organizações políticas aptas a lançarem candidatos nas eleições brasileiras. Desse universo, estão presentes no Congresso Nacional representantes de 9 partidos no Senado e 23 partidos na Câmara dos Deputados.

No entanto, foi apenas depois de 2018 que se observou mais claramente a acentuação da polarização entre os dois principais partidos que lideraram as disputas aos principais cargos eletivos no país. A polarização política e institucional se tornou rapidamente um fenômeno presente em diferentes esferas da sociedade, sendo um catalisador para o atual processo, no qual o dissenso (positivo) e o desrespeito (negativo) está se calcificando na sociedade, e as suas bases não são mais apenas políticas, mas sim, identitárias.

Nesse cenário, a construção de pontes e a busca pelo consenso são ferramentas fundamentais para o fortalecimento e manutenção da democracia. O lobby, ou seja, a defesa de interesses, é parte essencial e central nesse processo. Said Farhat [2]definiu o lobby como  “toda atividade organizada, exercida dentro da lei e da ética, por um grupo de interesses definidos e legítimos, com o objetivo de ser ouvido pelo poder público para informá-lo e dele obter determinadas medidas, decisões, atitudes”.

A intermediação entre entes privados e os formuladores de políticas públicas tem como um de seus principais objetivos fornecer melhores insumos para as decisões. Com subsídios essenciais para a tomada de decisão em mãos, a autoridade tem a possibilidade de decidir mais assertivamente e ponderar os prós e contras de uma legislação ou de uma política pública a ser implementada.

Nesse sentido, é importante avaliar o papel da defesa de interesses legítimos em uma arena política com extremos ideológicos. Se, por um lado, os extremos deixam mais claros os posicionamentos dos parlamentares e dos partidos, por outro, cria-se uma resistência na promoção de um debate realmente técnico e que construa uma solução intermediária acordada e de melhor qualidade para o debate público.

O lobby, portanto, passa a ter uma importância ainda maior e mais desafiadora no debate, uma vez que a polarização tende a fechar as portas para a interlocução. Por consequência, a redução da vontade de diálogo entre todos os players e de todos os interesses envolvidos é, certamente prejudicial à democracia.

A base para uma política pública de sucesso é a participação de todos os setores que podem ser impactados pela discussão e, isso quer dizer, na prática, uma conversa entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e espaço para participação ativa dos setores privados (em nome próprio e setorialmente) além de representantes da sociedade civil.

O constante ataque à legitimidade dos argumentos dos opositores é um grande prejuízo que fica como resultado da polarização. Com isso, o debate deixa de ser técnico e passa a ser entre os grupos e as narrativas, geralmente opostas e incompatíveis. Como resultado, institucionaliza-se uma guerra pelo não reconhecimento da legitimidade dos adversários e a sobreposição da discussão da pauta pelo ambiente combativo entre os opositores.

O doutor em história política Nelson Ferreira Marques Júnior, em artigo publicado na Folha de S.Paulo[3], defendeu a polarização política como caminho inevitável para a construção de uma democracia sólida. Para ele, o problema se restringe ao abastecimento da polarização com ódio e não com ideias.

Sendo a polarização política um catalisador ou não da consolidação da democracia, é certo que o melhor debate é o que aborda ideias. O protagonismo de qualquer outro fator em detrimento ao debate técnico é o maior empecilho ao exercício pleno da democracia. Quando a pauta em si fica em segundo plano e os holofotes se restringem à retórica de ataques pessoais – ou partidários – a democracia perde e a sociedade é quem lida com as consequências.

A falta de diálogo ou a falta de foco na discussão daquilo que efetivamente importa resulta no aumento da intolerância com os argumentos do outro e impede o debate produtivo de ideias. Ao que tudo indica, não há perspectiva de suavização das narrativas e a polarização tende a continuar – talvez até se intensificar, devido ao ano eleitoral.

Vale ressaltar que o problema não está na criação de narrativas, que faz parte do jogo político e sempre continuará sendo ferramenta no que tange a defesa de interesses. A reflexão proposta é mais sobre a qualidade do debate e o conteúdo da narrativa – sem uma vontade política de debater os temas de forma técnica, aberta, transparente e comedida, não há processo de defesa de interesse que se sustente.

Nesse sentido, é imperativo avaliar se a narrativa apresentada visa enriquecer e contribuir para o debate ou se apenas propaga uma retórica delineada para reverberar apenas dentro do público que já está convencido por ela. Quem, afinal, está protagonizando a pauta? A política ou os políticos?

[1] Quaest: 83% dos brasileiros acham que o país está mais polarizado

[2] FARHAT, Said. Lobby, o que é, como se faz: ética e transparência na representação junto a governos. Peirópolis; Edição: 1ª (1 de janeiro de 2007).

[3] A face positiva da polarização política – 27/08/2019 – Opinião – Folha

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