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Sem surpresa, a Suprema Corte dos Estados Unidos, em decisão unânime, entendeu por reformar a decisão do Tribunal do Colorado, assegurando o direito do candidato Donald Trump a participar das primárias eleitorais. O argumento jurídico central foi que tribunais estaduais, com base na Seção 3 da Emenda 14 à Constituição dos Estados Unidos, não dispõem de competência jurisdicional para decidir sobre elegibilidade de cargos federais, registrando tratar-se de matéria afeita à alçada política do Congresso.
Nesses termos, restou reforçada a velha máxima de que casos políticos devem ser politicamente julgados. Ou seja, há aspectos decisórios da vida democrática que, por sua intrínseca natureza política, refogem à competência jurídica dos tribunais.
Objetivamente, além de garantir o primado da segurança jurídica, evitando a prolação de possíveis decisões estaduais colidentes sobre o mesmo fato analisado, o pronunciamento da Suprema Corte traz consigo inegável simbologia contemporânea: faz ecoar necessária autocontenção dos Tribunais Constitucionais sobre temas de natureza política. Sobre o ponto, em página jurisdicional de relevo, o grande Felix Frankfurter, reafirmando “não ser função deste Tribunal pronunciar políticas”, bem ponderou que o poder judicial não está imune à fraqueza humana, fazendo realçar que a “autocontenção é essencial na observância do juramento judicial, pois a Constituição não autorizou os juízes a julgar a sabedoria do que o Congresso e o Executivo fazem”.
Ora, a história definitivamente não é em vão. As lições do ontem devem ensinar os desafios do hoje. Na sessão de 11 de dezembro de 1968, recém chegado de conferência no Recife, o então deputado federal Paulo Brossard foi à tribuna da Câmara dos Deputados para defender o instituto da imunidade parlamentar e as intransferíveis competências do Parlamento; na ocasião, no amanhecer dos anos de chumbo, o deputado Marcio Moreira Alves havia proferido críticas ao governo militar que, inconformado, almejou abrir processo em retaliação. O final é sabido e democraticamente traumático, mas suas causas residem em parte no histórico pronunciamento parlamentar.
Em discurso político-constitucional insuperável, a sabedoria enciclopédica de Brossard fez minuciosa análise do instituto da imunidade parlamentar, afirmando que “a questão não é de um deputado, deste ou daquele; não diz respeito a ele; a questão é do Poder Legislativo, no caso, da Câmara dos Deputados; concerne a ela e só a ela”; indo adiante, o ilustre jurista gaúcho concluiu com o exímio habitual: “à Câmara não cabe exonerar-se das suas responsabilidades na defesa das prerrogativas que são suas. O dever é seu e ela não pode transferir para outro Poder. Não pode dar de ombros e confiar em que o Supremo Tribunal vá defender prerrogativas que suas, não dele”. O Congresso, então, honrou sua autoridade e cumpriu com seu dever.
No caso Trump, a Suprema Corte americana, em homenagem à repartição de poderes, simplesmente afirmou que a alegada inelegibilidade – por suposta incitação à trágica invasão do Capitólio de 6 de janeiro de 2021 – deveria ser analisada pelo Congresso e, não, por instâncias judiciais. Em outras palavras, a prerrogativa da análise é primariamente política, não permitindo ser transformada em prematuro caso judicial. Isso significa que o candidato e ex-presidente Donald Trump pode tudo? Não, é lógico que não. Lei é lei e, na República, aplica-se a todos, sem distinções. Para tanto, o devido processo legal, em suas plurais instâncias de competência, deve ser fielmente observado, pois o manejo indevido do processo – seja ele político, administrativo, legislativo ou judicial – traduz inconstitucionalidade concreta.
Plenamente ciente dos limites da jurisdição constitucional, a Justice Amy Comey Barrett deixou reluzente advertência em suas razões de decidir, afirmando: “este não é o momento de amplificar o desacordo com estridência. A Corte resolveu questão politicamente carregada em volátil temporada de eleições presidenciais. Particularmente nessa circunstância, os arrozoados do Tribunal deveriam diminuir a temperatura nacional, não aumentá-la. Para os presentes propósitos, nossas diferenças são muito menos importantes que nossa unanimidade: todos os nove Juízes concordam com resultado deste caso. Essa é a mensagem que os americanos deveriam levar para casa”.
A passagem acima, no pouco, disse muito. Permite análises múltiplas e considerações variadas. Mas há algo de fundamental: as decisões da Suprema Corte devem ser um elemento de paz social e não de tensionamento coletivo. Isso porque a serena aplicação da lei faz despertar o sentimento de justiça na sociedade, facilitando entendimento entre os cidadãos. Se assim não é, levanta-se fumaça eloquente de que algo não está bem na República.