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Os ecossistemas são interações dinâmicas e complexas entre comunidades animais, vegetais, microbióticas e o meio inorgânico, das quais os seres humanos obtêm relevantes benefícios para a sociedade, em termos de manutenção, recuperação ou melhoria das condições ambientais.
Por exemplo, existe o suprimento de bens de consumo como água, alimentos, madeira e extratos (serviços de provisão), do mesmo modo que há benefícios não materiais, como a recreação, o turismo e a identidade cultural (serviços culturais).
Outrossim, os ecossistemas ainda concorrem para a estabilidade dos processos naturais, como o sequestro de carbono, a purificação do ar, o equilíbrio do ciclo hidrológico, a minimização de enchentes e secas e a moderação de eventos climáticos extremos (serviços de regulação).
Além disso, outros benefícios ecossistêmicos que mantêm a perenidade da vida na Terra também podem ser enumerados, como a decomposição de resíduos, a manutenção e a renovação da fertilidade do solo, a proteção contra a radiação ultravioleta e a manutenção da biodiversidade (serviços de suporte).
Assim, toda atividade humana — seja individual seja coletiva — que favoreça a manutenção, a recuperação ou a melhoria desses benefícios naturais é chamada de serviço ambiental. São “condutas humanas que auxiliam ou promovem a manutenção dos serviços ecossistêmicos […] a partir da escolha, por exemplo, de práticas agrícolas diversificadas e sustentáveis em uma área; do não uso de agrotóxicos; da manutenção das matas ciliares de um determinado curso d’água.”[1]
No âmbito da gestão dos recursos naturais, é possível fomentar práticas ambientalmente adequadas por meio de incentivos econômicos, como o pagamento pecuniário pelo Poder Público a titulares de um bem imóvel, para que mantenham, recuperem ou melhorem as condições ambientais de um ecossistema.
Genericamente, o pagador de serviços ambientais pode até mesmo ser sociedades empresárias ou organizações da sociedade civil que tenham interesse em criar incentivos em favor do meio ambiente, cujo pagamento não se restrinja apenas à pecúnia, mas igualmente proveja capacitação, forneça insumos, técnicas de monitoramento, melhorias sociais etc.
Nos termos do art. 2.º, IV, da Lei 14.119/2021, que dispõe sobre a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA), trata-se de uma “transação de natureza voluntária, mediante a qual um pagador de serviços ambientais transfere a um provedor desses serviços recursos financeiros ou outra forma de remuneração”.
Esse mecanismo jurídico foi previsto no art. 5.º, VII, da Lei 12.187/2009, que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), tendo por diretriz a “utilização de instrumentos financeiros e econômicos para promover ações de mitigação e adaptação à mudança do clima”, ora visando a preservação, a conservação e a recuperação dos recursos ambientais, a consolidação e a expansão das áreas legalmente protegidas, o incentivo ao reflorestamento e a recomposição da cobertura vegetal em áreas degradadas.
Quanto à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), as iniciativas de pagamento por serviços ambientais são consideradas essenciais para a reversão das emissões de gases do efeito estufa, além de promover o desenvolvimento de comunidades, aldeias e assentamentos, segundo os objetivos da Agenda 2030.
Na realidade fluminense, destaca-se o pioneirismo do Comitê Guandu no programa Produtores de Água e Floresta (PAF)[2] — voltado à oferta de serviços hidrológicos — que já beneficiou mais de cinco mil hectares de áreas restauradas e conservadas. Nesse programa, os produtores rurais recebem apoio técnico-operacional para a melhoria dos serviços ambientais, além de uma retribuição financeira de acordo com cada ganho ambiental obtido.
Dessa maneira, o programa propõe a valorização dos serviços antrópicos realizados por produtores rurais, reconhecendo sua iniciativa na conservação e recuperação florestal. Essa política pública de meio ambiente, saneamento básico, uso e conservação do solo é realizada por meio das receitas oriundas da outorga de direitos de uso de recursos hídricos, em consonância com a Política Nacional de Recursos Hídricos, instituída pela Lei 9.433/1997.
No entanto, apesar da medida adotada pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima em outubro do ano passado[3], até hoje a Lei 14.119/2021 não dispõe de regulamento. Dentre as lacunas legais, podem-se citar a ausência de critérios objetivos para a elegibilidade dos provedores (art. 6.º, §§) e a carência de detalhes sobre seus mecanismos de financiamento (art. 9.º, parágrafo único).
Entrementes, constata-se também a indefinição das cláusulas dos contratos de pagamento por serviços ambientais (art. 12, incisos), a ausência de métricas padronizadas de avaliação e monitoramento (art. 14, parágrafo único) e o atraso na operação do Cadastro Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (art. 16, §§).
À vista dessa situação jurídica periclitante, é importante enfatizar o pagamento por serviços ambientais como um instrumento jurídico fundamental para o desenvolvimento nacional da infraestrutura verde, cuja omissão regulamentar impede o efetivo direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Desse modo, espera-se que a iminente regulação da lei seja mais um mecanismo econômico de desenvolvimento sustentável para a solução de falhas de mercado relacionadas às extenalidades negativas da expansão produtiva, que ora ameaça nossos recursos ambientais. Pois, em um contexto mundial de crise hídrica, as medidas de adaptação aos efeitos adversos da mudança do clima tornam-se estratégicas à defesa da soberania nacional.
[1] JODAS, Natália. Pagamento por serviços ambientais: Diretrizes de sustentabilidade para projetos de PSA no Brasil – Atualizado de acordo com a Lei n.º 14.119/2021 (Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021. p. 138.
[2] ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Resolução Comitê Guandu-RJ n.º 160, de 27 de maio de 2021. Dispõe sobre a criação do Programa de Pagamento por Serviços Ambientais – Produtores de Água e Floresta. Disponível em: <https://comiteguandu.org.br/resolucoes/2021/resolucao-160.pdf>. Acesso em 24 abr. 2024.
[3] BRASIL. Portaria GM/MMA n.º 778, de 5 de outubro de 2023. Institui Grupo de Trabalho – GT PSA para elaborar proposta de Decreto para regulamentação da Lei 14.119, de 13 de janeiro de 2021. Disponível em: <https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-gm/mma-n-778-de-5-de-outubro-de-2023-515384533>. Acesso em 24 abr. 2024.