No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

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Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Por que não criar uma agência reguladora de parcerias na saúde?

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Quando foi inaugurado, na década de 1990, como desdobramento do Plano de Reforma do Aparelho do Estado, o Governo de São Paulo foi pioneiro ao adotar o modelo de Organizações Sociais de Saúde para a gestão de unidades públicas de saúde.

Na época, o que se tinha era um terreno fértil, porém totalmente desconhecido, exigindo a construção de um modelo de parceria lastreado em confiança e credibilidade. Isto fez com que o Estado qualificasse instituições pré-existentes, sem finalidades lucrativas, e que, desde a sua fundação assumiram um papel de substituição do Estado no atendimento público de saúde, antes mesmo do SUS existir.

Ocorre que, mais tarde, percebeu-se que o êxito desse modelo (que foi replicado em outros estados e municípios da federação) passou a depender muito mais da intenção dos “governos de momento” do que, propriamente dito, de um planejamento estratégico e de uma política pública perene.

Com isso, o grau de sucesso desse modelo dependeu, e ainda depende, muito mais de um plano de governo do que de Estado, sobretudo quando se constata a adoção indiscriminada por estados e municípios não necessariamente maduros para inaugurar, em seu sentido mais amplo, uma genuína parceria público-privada.

Em 1995, o Plano de Reforma do Aparelho do Estado já previa a necessidade de transformações que elevassem a governança do aparelho estatal, de dentro para fora. Obviamente, o referido plano não conseguiu vislumbrar a complexidade e o alcance deste modelo de parceria, bem como a complexidade das relações sociais que ao longo desses quase 30 anos que se sucederam.

Crises financeiras, mudanças e polarizações sociais, a trágica pandemia da Covid-19, o constante desenvolvimento e a criação de novas tecnologias, entre outros, foram ingredientes que se somaram e que tornaram ainda mais necessário o salto evolutivo para uma Administração Pública baseada em modelos sólidos de governança, pautada na eficiência e na descentralização, para que o cidadão se beneficiasse dos serviços públicos oferecidos pelo Estado, notadamente os de saúde.

Agora é necessário reconhecer que, apesar da evolução ocorrida no modelo de parcerias e de que melhorias foram alcançadas na qualidade do atendimento público, não houve a necessária contrapartida de evolução gerencial que permitisse ao estado manter os pilares de credibilidade e confiança.

Assim, abriu-se espaço para a crise de conceito do próprio modelo, permitindo, ainda que de maneira involuntária, que o modelo fosse permeado por pessoas e instituições desalinhadas com o seu conceito e, portanto, desprovidas do mais genuíno interesse público.

Operações policiais têm mostrado a participação do crime organizado na prestação dos serviços públicos, inclusive na saúde, e duas das causas mais importantes, com certeza, são o desbalanceamento da parceria e a centralização de toda e qualquer decisão nas mãos do parceiro público que é, ao mesmo tempo, quem qualifica, quem seleciona, quem contrata, quem fiscaliza e quem arbitra conflitos da parceria.

É necessário então, que seja feita uma correção de rota para que se resgatem os pilares de credibilidade e confiança por meio do rearranjo legal do modelo de organizações sociais, garantindo que sua equação esteja devidamente balanceada.

Nesse sentido de balanceamento é que uma agência reguladora se insere como solução e salto evolucionário gerencial para o modelo.

O professor Bresser Pereira define muito bem a vantagem da descentralização de processos decisórios específicos para as agências reguladoras: “As agências executivas e reguladoras são organizações estatais descentralizadas que implementam políticas. Quando a lei define claramente a política, temos uma política de Estado; quando deixa a definição precisa para a administração vigente, temos uma política de governo”.[1]

É justamente a política de Estado que garante a consistência de um modelo de parceria; e hoje o que temos são políticas de partido, ou na melhor das hipóteses, de governo.

Traduzindo em rápidas palavras, hoje resultados positivos do modelo dependem exclusivamente da boa intenção de pessoas e não de processos consistentes de escolha de melhor parceiro e da melhor proposta para o serviço público de saúde que se pretende que seja materializado no melhor atendimento ao cidadão.

É inegável, portanto, que há muitas vantagens com a criação de uma agência reguladora para o modelo na saúde.

O próprio Plano de Reforma do Aparelho do Estado depositava confiança na necessidade de aumento de governança, como forma de ampliar a capacidade estatal para implementar de forma eficiente, políticas públicas.

Atualmente, em todos os estados e municípios que adotam o referido modelo, há a centralização de todas as decisões nas mãos de um dos parceiros, o que, invariavelmente, politiza o modelo, colocando-o a serviço de interesses individuais.

Entendendo-se que governança é a forma como regras e normas são estruturadas para que se evite o conflito de interesses na tomada de decisões, a criação de uma agência reguladora para o modelo permitiria que questões técnicas essenciais à sua boa execução fossem conduzidas de forma independente do Poder Executivo e das pastas interessadas.

Entre outros pontos:

critérios de qualificação das entidades e seu deferimento;
elaboração de editais de seleção;
julgamento das propostas;
discussão de conflitos em questões de orçamento e cumprimento de metas entre estado e parceiros privados, por exemplo, passariam a ser discutidos e tratados no âmbito da agência reguladora, respeitando os mais altos critérios de governança.

A criação de uma agência reguladora do modelo de saúde – que pode se dar em âmbito federal, estadual e municipal, ou em consórcio entre tais atores – é uma forma inovadora e sensata de arbitrar, de maneira técnica e isenta, esta relação de parceria, evitando que a concentração unilateral de poderes enfraqueça o modelo e que permita que haja um afastamento do interesse público.

Com uma agência reguladora, todos os atores envolvidos poderão desenvolver da melhor forma possível seus papéis na parceria, e os cidadãos serão beneficiados com atendimento e serviços de mais qualidade.

[1] Construindo o Estado republicano, Democracia e reforma da gestão pública, Luiz Carlos Bresser Pereira, FGV, 1ª. Ed. 2009

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