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O investimento recuperacional na modalidade DIP (Debtor-in-Possession) Financing tem se destacado como uma ferramenta crucial às empresas no período de instabilidade econômica, pois as oferece uma fonte de capital que, muitas vezes, não estava disponível por meio de crédito tradicional ao permitir que obtenham financiamento enquanto estão em processo de recuperação judicial ou extrajudicial. Com isso, possibilita a manutenção das operações, o pagamento de fornecedores e funcionários e viabiliza investimentos necessários para a reestruturação.
O aumento nos pedidos de recuperação judicial no Brasil acaba por refletir a importância deste mecanismo como um recurso estratégico para as empresas enfrentarem desafios financeiros visando soerguimento em meio a um ambiente econômico adverso. Ressalta, também, a necessidade contínua de soluções financeiras inovadoras e adaptáveis para sustentar a viabilidade empresarial, especialmente, em tempos de crise.
Para tanto, é necessário entender que tal mecanismo financeiro é um tipo de financiamento disponível para empresas em processo de reestruturação, particularmente durante o período de recuperação judicial, conforme a Lei de Falências – em especial, após a entrada em vigor do artigo 69-A e seguintes da Lei 11.101/2005.
É indissociável analisar a relação entre a teoria econômica e comportamental do direito com o dip financing, haja vista que tais abordagem enfocam uma análise que se encaixa no contexto das teorias econômicas, tendo como exemplo a teoria das finanças corporativas que visa examinar como esta ferramenta afeta a estrutura de capital das empresas em processo de reestruturação.
Podemos considerar como a obtenção desse tipo de financiamento influencia as decisões de investimento por meio das estratégias de financiamento, e o valor da empresa, nos seguintes vieses teóricos:
comportamental do Direito: considera como os aspectos comportamentais dos agentes jurídicos (juízes, advogados e credores) influenciam o uso e a aplicação do instituto, podendo incluir análises sobre como padrões de tomada de decisão, preferências e vieses cognitivos dos envolvidos afetam as negociações, concessões ou recusas de dip durante um processo de recuperação judicial;
econômica do Direito: pode-se explorar como os incentivos econômicos subjacentes ao dip afetam o comportamento dos credores e de outras partes interessadas.
Observamos que tanto a teoria comportamental quanto a econômica acabam por influenciar o “como” nas decisões dos agentes econômicos e jurídicos, através dos posicionamentos dos Tribunais em relação ao dip financing, por fatores não apenas econômicos, mas também por elementos comportamentais e contextuais que devem ser analisados de forma detida por todos os agentes envolvidos no processo, com a finalidade de viabilizar recuperações verdadeiramente produtivas e impossibilitar a permanência de organizações perniciosas que desviam a finalidade produtiva e econômica que interessa a toda a sociedade.
O cenário econômico do país em 2023 foi marcado por desafios persistentes, incluindo a prolongada crise econômica pós-pandemia, impactando de forma negativa a estabilidade financeira de muitas organizações, especialmente empresariais, aquelas que visam o lucro a ser distribuído entre seus sócios, sejam eles investidores ou mesmo aqueles que fazem a engrenagem girar.
O DIP possibilita que uma empresa em dificuldades financeiras obtenha capital novo, o chamado fresh money, a fim de permitir que ela continue operando enquanto reorganiza suas finanças. Os valores disponibilizados são convertidos em créditos privilegiados, mediante autorização judicial que analisará o cumprimento dos requisitos legais e que prescinde de submissão à Assembleia Geral de Credores.
Entretanto, como afirmam Alexandre Alves e Thalita Almeida em artigo publicado na Revista Brasileiro de Direito Empresarial, tal procedimento existe na legislação brasileira, mas sua percepção era timidamente utilizada, dada a redação original do artigo 67 da Lei de Falências e a sua baixa credibilidade.
Seu grande diferencial é ser ofertado com cláusulas que permitam preferência creditícia durante um processo de falência, se esta acontecer ao agente recuperando, sendo que os credores têm prioridade sobre os ativos da empresa em dificuldades.
É cediço que, ao decidir por um pedido de recuperação judicial, o credor sofre um intenso abalo reputacional e o dip, por ser uma forma de empréstimo garantido por esses ativos, oferecendo alguma segurança aos novos credores que fornecem esse financiamento, passa a ser atraente tanto para as empresas em recuperação, quanto para os seus investidores, pois têm vantagens significativas, como: continuidade das operações, injeção de capital fresco disponível durante a reorganização e a proteção dos ativos – já que os credores que fornecem o dip, novos ou já anteriores ao pedido de recuperação, têm garantias sobre os ativos da empresa, com a finalidade de facilitar o retorno do valor investido, o que os coloca em uma posição preferencial em relação aos credores existentes, ainda que seja decretada a falência posteriormente.
Apesar de todas as vantagens, o mecanismo também apresenta desafios, pois as taxas de juros podem ser mais altas, refletindo risco associado ao empréstimo ou aporte, no caso de investimento por sócio ou redes empresariais da qual a recuperanda faça parte, em comparação com os praticados a uma empresa em dificuldades, mas não em recuperação. Além disso, a empresa precisa mostrar um plano viável de reestruturação para atrair financiadores dispostos a fornecer esse tipo de empréstimo.
Nesse contexto, muitas empresas precisaram recorrer à reestruturação empresarial como estratégia para lidar com dívidas acumuladas e buscar um ambiente mais favorável para reorganização.
Quanto aos processos judicializados de recuperação, o Serasa Experian apresenta indicadores bem consistentes, contabilizados em 1.357 processos de recuperação judicial deferidos no Brasil entre janeiro de 2022 e agosto de 2023.
Das operações recuperacionais realizadas no país nos últimos anos, uma das primeiras fora do eixo Rio-São Paulo, após a entrada em vigor da Lei 14.112/20, se deu em Goiás à empresa Loctec Engenharia Ltda. Ofertado por uma importante credora, possibilitou a viabilidade da recuperação, que já tinha inclusive um pedido de convolação em falência distribuído. Outro exemplo positivo no mesmo estado aconteceu com a celebração de contrato com fornecedor mediante alienação fiduciária de parques industriais (DIP Financing) concedida à Moinho Centro Norte Ltda, levando-se em conta essencialmente a alienação de ativo não circulante e o fato de a linha de crédito ser superior à avaliação dos bens dados em garantia.
Recentemente, um dos casos mais emblemáticos do mercado brasileiro e que tornou o mecanismo de conhecimento do grande público, em função da forma de utilização deste meio de fresh money, foi a recuperação judicial das Lojas Americanas S.A.
No caso, a aprovação de crédito por parte dos próprios acionistas já ultrapassa a marca de R$ 2 bilhões e, segunda a agência CMA, foi autorizado pelo juiz titular da 4ª Vara empresarial do Rio de Janeiro com a finalidade de reestruturar o plano de negócio e manter o curso normal de suas operações, reforçando a sua liquidez.
Tal rodada teve um primeiro tranche no valor de R$ 1 bilhão, integralizado pelos acionistas de referência, fundadores da G3 Capital, que se comprometeram com a segunda tranche na modalidade dip e já injetaram mais de R$ 1,5 bilhão. Noticia-se ainda que “o financiamento DIP contará com garantia real e terá prazo de vencimento de 24 meses, ressalvadas as hipóteses de resgate ou vencimento antecipado”, destacando ainda mais a percepção dos investidores sobre essa modalidade de crédito especializado.