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Pode parecer estranho, mas a desestatização, enquanto a retirada do Estado de determinada atividade ou setor da economia, também pode ser considerada uma política pública.
Mesmo no agitado mar da polarização política e ideológica, que aflige boa parte das nações ocidentais, é inegável a necessidade de atuação da iniciativa privada na promoção da garantia de padrões dignos de sociabilidade, de superação dos gargalos em infraestrutura e na criação das condições básicas para promoção do desenvolvimento socioeconômico.
Na década de 1990, o Brasil protagonizou a chamada reforma gerencial do Estado, que nada mais foi do que a adoção de políticas modernizantes por um governo que estava comprometido com a missão do reposicionamento da Administração Pública de um papel prestacional para um papel regulador.
Foi no governo FHC que o país assistiu a um grande salto: a concessão dos serviços públicos, consubstanciados em um programa de privatizações que contou com a estruturação das agências reguladoras e dos contratos de concessão.
Desde então, a desestatização (em seu sentido amplo, incluindo as PPPs, concessões e privatizações) avançou e se tornou um instrumento indispensável no âmbito das políticas públicas, de forma a dar a viabilidade política, jurídica e principalmente econômico-financeira para problemas de longa data.
A partir da criação do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo federal, em 2016, foi dada grande ênfase para desestatização e liberalização da economia como alternativa para a promoção do desenvolvimento nacional. Destaca-se, nesse período, o Novo Marco Legal do Saneamento Básico, o Novo Marco Legal das Ferrovias e a desestatização de estatais, medidas que estimularam a delegação de serviços públicos à iniciativa privada, com o fim de maximizar a execução de políticas públicas nacionais.
Como resultado, verificou-se inúmeros investimentos recordes em concessões. De 2019 a 2022, foram executados 180 leilões e projetos, o que representou mais de R$ 940 bilhões em expectativas de investimentos e R$ 184,2 bilhões em outorgas e bônus, valores estes que estarão disponíveis nos cofres públicos para reversão em novas políticas públicas.
Mesmo com visões políticas distintas dos governos que o antecederam, a gestão Lula tem sinalizado pela manutenção e continuidade do legado de desestatização plantado anteriormente. No ano de 2023 foram realizados 18 leilões de infraestrutura, e são previstas 35 concessões de rodovias até o fim do mandato, segundo já noticiado pelo atual ministro dos Transportes.
Inclusive o resgate do PAC trouxe nova roupagem para um velho conhecido programa. É que desta vez o governo dará prioridade ao início de novos empreendimentos por meio de PPPs, concessões e privatizações. Em especial para setores ditos sociais.
Nesses últimos quase 10 anos, o protagonismo das concessões e PPPs sinalizou um crescimento importante para o nosso país. Interessante notar como o caminho do nosso país irmão, a Argentina, foi quase oposto ao nosso nos últimos tempos.
Há pelo menos 10 anos, um alto grau de endividamento externo e um feroz processo hiperinflacionário marcam o cenário argentino. Essa política econômica vem atravancando a possibilidade do crescimento da economia doméstica e das melhorias das condições sociais da população.
Interessante notar que, rompendo com a política econômica adotada na história recente da Argentina, o governo de Javier Milei tem tomado medidas similares às brasileiras para promover a recuperação da economia do país por meio da desestatização.
Como principal medida se destaca a Lei Ônibus, recentemente aprovada na Câmara dos Deputados argentina, que prevê a possibilidade da privatização de nove estatais, dentre elas a Aerolíneas Argentinas, companhia aérea gerida pelo Estado desde 2008. Para além disso, a lei dará ao presidente poderes emergenciais nas áreas administrativa, econômica, financeira e energética por um ano, que podem ser prorrogados por mais dois anos.
Talvez sejamos mais irmãos da Argentina nesse momento. Já que a desestatização do mercado brasileiro continua a colher muitos frutos, tanto na ampliação dos investimentos na infraestrutura brasileira como na concretização de políticas públicas, possivelmente isso serve de exemplo para influenciar o movimento feito por Milei com a nova lei. A Lei Ônibus, caso aprovada pelo Senado argentino, pode ser um bom caminho para que o país saia da recessão e reverta a tendência hiperinflacionária que assola o país.
A eventual aprovação da Lei Ônibus dará ao presidente argentino o ferramental necessário para o desenho de políticas públicas que podem dar sobrevida à economia argentina. Para tanto, é necessário que esse ferramental seja aplicado cuidadosamente, a estabelecer os incentivos adequados para que os investimentos privados tenham um ambiente mais controlado de exposição ao risco que, no mais das vezes, afugentam o capital.
O primeiro passo – cuidar do arcabouço macroeconômico – está em marcha. Uma vez concluído, a engenharia contratual e o comprometimento do governo com uma política sustentável de privatizações e concessões poderão, quem sabe, dar o tom de uma guinada de crescimento para a Argentina.