O novo cenário fiscal dos FIDCs após a edição da Lei 14.754/23

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Com as taxas de juros elevadas e a crescente escassez de crédito bancário no Brasil, os Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDC), destinados a investir mais de 50% de seu patrimônio líquido em direitos creditórios e títulos representativos de crédito, estão se tornando cada vez mais populares como uma alternativa de investimento segura e rentável. Eles não apenas representam uma opção sólida para investidores, mas também desempenham um papel crucial no financiamento de empresas de todos os tamanhos, oferecendo condições competitivas.

Além do contexto de altas taxas de juros e do crescente interesse nos FIDCs como alternativa de investimento segura, a Resolução nº 175 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em vigor desde outubro de 2023, impulsionou ainda mais a expansão desse tipo de fundo. Essa resolução permitiu que investidores de varejo, sob certas condições, invistam em FIDCs, prática anteriormente restrita a investidores qualificados e profissionais.

Em decorrência dessas alterações regulatórias, as emissões de FIDCs aumentaram significativamente em 2023, com um crescimento de 84,4% em comparação com o ano anterior, totalizando um aumento de R$ 33,9 bilhões, conforme relatado pelo Boletim Econômico da CVM[1].

Essa tendência de crescimento continuou no primeiro trimestre de 2024, com um aumento de 75% nas emissões em comparação com o mesmo período de do ano anterior[2].

Paralelamente ao aumento da popularidade dos FIDCs, a Lei nº 14.754/23, publicada em dezembro de 2023, trouxe alterações significativas no regime de tributação dos fundos de investimento no Brasil. Este artigo tem como objetivo analisar as implicações dessas mudanças na economia do país.

Antes da promulgação dessa lei, os ganhos decorrentes de investimentos em fundos de investimento, incluindo os FIDCs, estavam sujeitos ao Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) na distribuição de rendimentos, amortização, resgate ou venda de cotas, com alíquotas regressivas variáveis de 22,5% a 15%, dependendo do prazo do investimento e da classificação da carteira do fundo como curto ou longo prazo.

No caso dos fundos constituídos em regime aberto, os rendimentos estavam sujeitos à incidência periódica do IRRF nos meses de maio e novembro, a título de antecipação (conhecido como “come-cotas”), à alíquota de 20% no caso dos fundos de carteira de curto prazo e 15% no caso dos fundos de carteira de longo prazo.

Em linhas gerais, a Lei nº 14.754/23 manteve a regra de tributação dos fundos na distribuição dos rendimentos, amortização, resgate ou venda de cotas. A grande novidade introduzida foi a instituição do come-cotas aos fundos constituídos em regime fechado, o que antes era aplicável apenas aqueles constituídos em regime aberto.

No caso específico dos FIDCs, a lei estabeleceu dois regimes tributários excepcionais:

Se o fundo for classificado como entidade de investimento e tiver pelo menos 67% de sua carteira composta por direitos creditórios, seus rendimentos estarão sujeitos apenas à incidência do IRRF, com alíquota de 15% na data da distribuição, amortização, resgate ou venda de cotas[3]. Para determinar se um fundo se enquadra nesse regime específico, o Conselho Monetário Nacional (CMN) definiu os conceitos de entidade de investimento e direitos creditórios por meio da Resolução CMN nº 5.111, publicada em dezembro de 2023; e
Caso o fundo não seja classificado como entidade de investimento, estará sujeito ao “come-cotas” com alíquota de 15% aplicável nos meses de maio e novembro do calendário fiscal.

Embora exista a remota possibilidade de os FIDCs se enquadrarem na regra geral dos fundos de investimento, na prática, isso raramente ocorre. Portanto, é esperado que os FIDCs sejam submetidos à tributação prevista no tópico acima.

A título meramente exemplificativo, é possível imaginar uma hipótese (remota, como visto) em que os FIDCs se enquadrariam na regra geral dos fundos de investimento – incidência do come-cotas à alíquota de 15% ou 20% e tributação complementar no momento da realização –, que seria no caso de possuírem mais de 50% da carteira investidos em direitos creditórios, conforme exigido pela CVM, porém menos de 67%, percentual eleito pela norma tributária para que se considere um FIDC.

Deve ser ressaltado, nesse aspecto, a necessidade de observância ao art. 110 do Código Tributário Nacional (CTN)[4], e, por conseguinte, que a legislação tributária seja adequada à legislação societária específica, que caracteriza os FIDCs como aqueles fundos que possuam mais de 50% da carteira em direitos creditórios.

Vê-se, portanto, a sensibilidade do legislador em notar o crescimento exponencial dos FIDCs nos últimos anos, já que as alterações implementadas pela Lei nº 14.754/23 foram vantajosas a esses fundos, que agora serão submetidos a dois regimes excepcionais de tributação, a depender de cada caso.

Nesse ponto, trata-se de uma decisão acertada do legislador, que protegeu um ativo em ascensão e com papel importante no financiamento dos mais diversos setores da economia, com foco especial nos segmentos pouco atendidos pelas instituições financeiras.

[1] BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Boletim Econômico, ano 11, volume nº 100, 4º Trimestre. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/cvm/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletim-economico/boletim-economico-edicao-11>. Acesso em: 06/05/2024.

[2] BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Boletim Econômico, ano 12, volume nº 101, 1º Trimestre 2024. Disponível em: <https://www.gov.br/cvm/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletim-economico/cvm_boletim_economico_101.pdf>. Acesso em: 06/05/2024.

[3] Art. 18. Quando forem enquadrados como entidades de investimento e cumprirem os demais requisitos previstos nesta Seção, ficarão sujeitos ao regime de tributação de que trata esta Seção os seguintes fundos de investimento:

(…)

III – Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC)

(…)

Art. 19. Para fins do disposto nesta Lei, serão considerados como FIDCs os fundos que possuírem carteira composta de, no mínimo, 67% (sessenta e sete por cento) de direitos creditórios.

1º Para fins do disposto no caput deste artigo, a definição de direitos creditórios obedecerá à regulamentação do Conselho Monetário Nacional.

(…)

Art. 24. Os rendimentos nas aplicações nos fundos de que trata o art. 18 desta Lei ficarão sujeitos à retenção na fonte do IRRF à alíquota de 15% (quinze por cento), na data da distribuição de rendimentos, da amortização ou do resgate de cotas.

1º Os fundos de que trata este artigo não ficarão sujeitos à tributação periódica nas datas previstas no inciso I do caput do art. 17 desta Lei.”

[4] “Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”

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