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A última sessão do encontro do J20, que reuniu, nesta terça-feira (14/5), integrantes das supremas cortes dos países do G20, revela diferenças de visões e também uma assimetria no amadurecimento de avanços tecnológicos empregados no Judiciário desse conjunto de nações.
Se por um lado, há consenso sobre ganhos de transparência e acesso à Justiça associados à transformação digital, as divergências aparecem quando o tema é o uso da inteligência artificial (IA) nos julgamentos em si.
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Os representantes do Judiciário das nações do G20 participaram da sessão “Transformação digital e uso da tecnologia para a eficiência da Justiça”, a terceira do evento, que ocorreu na sede do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), sob a coordenação do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, entusiasta da utilização de ferramentas de IA.
“Eu acho que, em um futuro não muito distante, nós vamos ter a 1ª minuta de decisões judiciais feitas por inteligência artificial. A IA tem mais capacidade de processar informações, em maior volume e velocidade. E acho que a gente deve se beneficiar disso. Portanto, acho que a gente não precisa ter medo do progresso, temos que ter certeza de que a gente consiga canalizá-lo para uma trilha ética”, afirmou Barroso.
O presidente do Supremo Tribunal Federal afirmou também que o Poder Judiciário brasileiro investe em mecanismos de localização fácil e ágil de precedentes e em programas capazes de fazer resumos dos processos, sempre com supervisão judicial.
Representantes de países como Índia e Coreia do Sul trouxeram experiências atuais que apontam para o uso intensivo da inteligência artificial em processos de menor complexidade, como de acidentes de trânsito, e em atividades que reduzem o tempo de análise das ações, especialmente com a pesquisa de precedentes, ferramenta que também interessa ao Brasil.
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Por outro lado, membros do Judiciário de Itália e México reforçaram os temores relacionados aos riscos associados à automação de decisões judiciais, do ponto de vista ético e do aprofundamento de discriminações e desigualdades.
As apresentações também reafirmaram diferenças inerentes à transformação digital, o que inclui a digitalização e a prestação de serviços digitais aos cidadãos. Países que lideram o avanço tecnológico, como a própria Índia, estão muito à frente, por exemplo, de nações africanas, também representadas no encontro do J20.
Avanço da IA na Índia
O presidente da Suprema Corte da Índia, Dhananjaya Yeshwant Chandrachud, ressaltou em sua apresentação a relevância de aumentar a transparência e o acesso à Justiça para o conjunto da sociedade. No caso da Índia, uma população de mais de 1,4 bilhão de pessoas, com 16 línguas reconhecidas.
Dhananjaya Chandrachud mencionou, entre outros pontos, um volume exponencial de mensagens e e-mails automatizados que facilitam o acompanhamento dos processos. Da mesma forma, explicou que as ferramentas de IA já auxiliam em decisões judiciais para identificar, por exemplo, quem tem direito a determinado benefício ou para análise de dados nacionais que impactam na decisão jurídica. Segundo ele, esse arsenal tem sido compartilhado com outros tribunais com ganhos efetivos para as partes.
“Somos prestadores de serviços, e facilitar serviço é o caminho para a transparência, para educação jurídica em nossos países. A tecnologia pode ajudar a melhorar os mecanismos jurídicos, facilitar a pré-decisão e o acesso à decisão em si. Muitas cortes estão usando IA, algumas mais, outras menos sofisticadas”, explicou o indiano.
Na mesma linha, o ministro da Corte Constitucional da Coreia do Sul, Hyung du Kim, explicou como a IA já tem sido utilizada para facilitar a comunicação dos réus com os tribunais e apresentou uma série de iniciativas de inteligência artificial generativa adotadas em Singapura, país que não participa do encontro. Hyung du Kim destacou, por exemplo, o uso da IA generativa, nas decisões em casos de menor relevância.
O coreano reconhece que esse é um processo que necessita de uma série de cuidados adicionais, mas, na visão dele, isso não devem ser impeditivo para o avanço do uso desse tipo de instrumento.
“O sistema de IA generativa age apenas em casos menores, em classificação de votações, sem intervenção humana. Se isso seguir evoluindo, essa IA vai conduzir julgamento automaticamente e pode ser o primeiro exemplo desse tipo no mundo. Nesse caso, existirá um juiz para validar essa decisão e para garantir que ela esteja correta”, afirmou.
Cautela em outros países
As manifestações de representantes de outros países, no entanto, foram bem mais cautelosos em relação ao uso da IA em decisões judiciais, como foi o caso das representantes de Itália e México, além dos representantes das Supremas Cortes de países como Rússia e Turquia. Em todos os casos, no entanto, há um esforço para aumentar a digitalização e introduzir ferramentas de IA que facilitem o acesso da população à Justiça.
A juíza da Corte Constitucional da Itália, Antonella Maria Sciarrone Alibrandi, sinalizou que os tribunais de todo o mundo estão em um “corda bamba” em relação ao uso da IA nas decisões e até mesmo em relação à digitalização. Na Itália, informou a magistrada, a digitalização de processos criminais é limitada. No caso dos processos civis e administrativos, houve avanço significativo a partir de 2021, com praticamente toda fase processual digitalizada.
Em relação ao uso da IA, Antonella Alibrandi relembrou preceitos como a discricionariedade do juiz; o direito à ampla defesa; e a preservação das garantias individuais como obstáculos para o avanço desse tipo de ferramenta nas decisões.
“Isso demanda consciência e cuidado. É preciso preservar o julgamento justo, a discricionariedade dos juízes, o direito à defesa e as garantias individuais, sempre com julgamentos éticos e consenso social. É arriscado IA para tomada de decisão judicial. Quando se discute a justiça, estamos numa corda bamba, e o cuidado é sempre recomendável”, afirmou Alibrandi.
Na mesma linha, a juíza da Suprema Corte de Justiça do México, Loretta Ortiz Ahlf, comemorou os avanços tecnológicos, reconheceu o impacto da IA nas atividades administrativas, porém elencou uma série de preocupações, especialmente do ponto de vista ético, quando esse tipo de ferramenta é aplicada na atividade jurisdicional, que ela classifica como “funções críticas”.
“Há uma mudança de paradigma. A administração da justiça tem sido impactada. Nas funções críticas, que dizem respeito a quem toma decisões, é importante manter a decisão nos seres humanos. Nesse caso, a IA é uma caixa preta”, avalia a magistrada.
Nesse largo espectro de opiniões, alguns dos presentes da reunião de cúpula, como o presidente da Suprema Corte do Reino Unido, Lord Reed of Allermuir, lembrou que esta é uma geração “mais antiga que está discutindo o futuro” e listou uma série de benefícios que a IA pode agregar para o funcionamento interno dos tribunais e para transformar o acesso à Justiça.
Ele listou, por exemplo, o sistema de aconselhamento ao cidadão, com a indicação de resultados prováveis. Igualmente, destacou o uso da IA como instrumento para fortalecer o sistema de mediação, tema que despertou interesse do ministro Barroso.