Por um audiovisual fortalecido e plural no Brasil

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Poucas atividades traduzem tão bem a diversidade do Brasil quanto o audiovisual. Nossa identidade é em parte construída pelas histórias que vimos nas telas através do olhar apurado dos artistas. Não à toa, segundo a empresa de monitoramento Kantar Ibope Media[1], 99,2% dos brasileiros relatam assistir conteúdo em vídeo em diversas plataformas e na mídia tradicional.

Com criatividade e inovação, uma geração de criadores vem transformando a indústria brasileira formal do audiovisual num setor efervescente e mais democrático. Não há dúvidas de que uma área tão crucial para a nossa cultura precisa ser incentivada. É preciso reconhecer, no entanto, que as políticas públicas de fomento precisam se adaptar à complexidade e diversidade do mercado de hoje – assim como o próprio audiovisual se adaptou à era digital.

Em tramitação no Congresso Nacional, o Projeto de Lei do Senado 2331/2022 e seu par na Câmara dos Deputados, o PL 8889/2017, não reconhecem a diversidade e nem a democratização do mercado e os diferentes modelos de negócio das plataformas de vídeo. As propostas impõem a obrigação de pagamento da Condecine[2] inclusive àquelas de conteúdo gerado por usuários e que não possuem controle editorial – em que pessoas podem tanto consumir quanto postar e gerar receita diretamente com seus vídeos. Estas propostas também não contabilizam adequadamente os investimentos que as plataformas já estão fazendo para gerar emprego e renda direta aos criadores.

Mais grave é o fato de que, tal como estão, as iniciativas criam uma profunda assimetria de mercado. Enquanto algumas empresas podem abater até 100% da taxa devida, os modelos de dedução propostos nos PLs não permitem o mesmo benefício a plataformas abertas, como o YouTube. Para ter direito à dedução, ambos os projetos exigem que a plataforma direcione parte dos recursos a serem abatidos em produção direta de conteúdo original, prejudicando aquelas cujo modelo de negócio prioriza a oportunidade de qualquer usuário disponibilizar seu vídeo e, potencialmente, monetizá-lo.

Além disso, o texto mais recente do PL 8889/2017, tramitando na Câmara dos Deputados, só permite o abatimento de valores pagos a criadores que sejam registrados junto à Ancine. Essa é uma exigência que criará uma nova burocracia para criadores que não são profissionais do setor do audiovisual, estabelecendo novas barreiras para o mercado.

Os projetos de lei não diferenciam adequadamente os modelos de negócio, e nem levam em consideração as muitas ferramentas de incentivo à indústria criativa que já são realizadas por plataformas como o YouTube. Isso vai na contramão da regulação de streaming adotada pela Europa, por exemplo – e que coloca em risco os investimentos futuros das empresas.

Por meio de um programa de parcerias criado há mais de 15 anos, o YouTube destina 55% de sua receita publicitária diretamente a criadores, a maioria dos quais opera sem a estrutura de uma grande produtora audiovisual. Mais de 3 milhões de canais participam do programa de parceiros, que oferece suporte, capacitação e oportunidades de monetização.

São criadores como Cailana Eduarda Bauer Lemos (@CacaiBauer), que construiu um canal com mais de 400 mil inscritos e se tornou uma das influenciadoras mais populares com síndrome de Down no Brasil. Ou Francisco das Chagas Oliveira, que depois de uma temporada de 12 anos em Brasília voltou a sua terra natal, Esperantina, no Piauí, e criou um canal para mostrar a vida simples do campo, o @ChicoMuseu, hoje com mais de 1,7 milhão de inscritos. E também a historiadora e trancista mineira Rafaela Xavier (@rafaxavier), que transformou um canal originalmente criado para difundir dicas de cabelo e autoestima numa plataforma de conteúdos sobre cultura afro que alcança quase 60 mil pessoas.

Assim como Cailana, Chico e Rafaela, 8 em cada 10 desses youtubers afirmam que a plataforma oferece a chance de criar conteúdo e gerar renda de uma forma que não seria possível com a mídia tradicional – e para dois terços a receita publicitária é um componente importante do faturamento. Eles são a expressão do potencial do YouTube para refletir e difundir a cultura brasileira mais genuína – inclusive exportando a riqueza do nosso país globalmente. O trabalho dos criadores também contribui significativamente para a economia local. Só em 2022, o ecossistema criativo do YouTube contribuiu com mais de R$ 4,5 bilhões para o PIB do Brasil e deu suporte à geração de mais de 140 mil empregos equivalentes a tempo integral.

Ao não contemplar essas particularidades, a assimetria criada pelos PLs brasileiros prejudica uma parte importante da indústria audiovisual, em vez de fomentá-la, como é seu objetivo inicial e a intenção dos legisladores. As propostas acabam beneficiando apenas uma parcela específica de profissionais e deixam de lado uma infinidade de criadores menores, independentes e de grupos sub-representados, favorecendo a concentração de mercado e reduzindo a diversidade do setor.

Os PLs de vídeo sob demanda não estão isolados e se inserem dentro de uma agenda mais ampla de regulação e de avanço da economia digital no país, com a qual o YouTube vem colaborando ativamente. O desenvolvimento de políticas públicas saudáveis exige debates profundos entre governos, setor privado, meio acadêmico e sociedade civil.

O YouTube apoia a criação de incentivos para a produção local, mas ela precisa contemplar não apenas o audiovisual profissional, mas também os criadores que vêm transformando a cena independente. Essa assimetria acaba por escolher os “vencedores” do setor, deixando a opinião da população (usuários e espectadores) em segundo plano, assim como os criadores. Por isso, acreditamos na importância do diálogo e na isonomia de tratamento entre os diferentes atores que serão impactados pela política pública.

[1] Kantar Ibope Media. (2023). Estudo mostra que o conteúdo em vídeo alcançou 99,2% dos brasileiros no primeiro semestre de 2023. Acesse em: https://kantaribopemedia.com/conteudo/estudo-da-kantar-ibope-media-mostra-que-o-conteudo-em-video-atingiu-992-dos-brasileiros-no-primeiro-semestre-de-2023/

[2] A Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) atualmente “incide sobre a veiculação, a produção, o licenciamento e a distribuição de obras cinematográficas e videofonográficas com fins comerciais, bem como sobre o pagamento, o crédito, o emprego, a remessa ou a entrega, aos produtores, distribuidores ou intermediários no exterior, de importâncias relativas a rendimento decorrente da exploração de obras cinematográficas e videofonográficas ou por sua aquisição ou importação, a preço fixo”. Disponível em: https://antigo.ancine.gov.br/pt-br/condecine

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