MP 1221: o início da solução legislativa para a economia da calamidade

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Como defendemos em artigo publicado no JOTA, a economia de calamidade pública instala desafios extraordinários, os quais não conseguem ser resolvidos a contento pela legislação ordinária. Sobretudo em casos como o atual do Rio Grande do Sul, instalador de estado de verdadeira tragédia pública com intensidade e proporções até então absolutamente desconhecidas.

Assim como na Covid-19, as enchentes que assolam o território gaúcho são fatos de força maior (“muito mais do que maior”, eu diria). Porém, tristemente, a atual calamidade dá um passo avante: não só afeta a dignidade e saúde humanas, mas se expande para infraestruturas urbanas e rurais. As chuvas destruíram as instalações de bens públicos e, assim, impedem a regular prestação contínua de serviços públicos.

Diante desse imenso desafio, cuja solução é um continuum (a ser construída dinamicamente, eis que não preexiste como algo pronto), no dia 17 de maio a Presidência da República editou a Medida Provisória 1221, que dispõe “sobre medidas excepcionais para a aquisição de bens e a contratação de obras e de serviços, inclusive de engenharia, destinados ao enfrentamento de impactos decorrentes de estado de calamidade pública”. Já é um bom avanço.

A MP 1221 tem como objeto quatro ordens de mitigação das exigências ordinárias das contratações públicas brasileiras: (i) hipóteses de dispensa de licitação para aquisição de bens e contratação de obras e serviços (inclusive de engenharia); (ii) prorrogação extraordinária de contratos; (iii) contratos verbais e (iv) sistema de registro de preços com novo regime especial. Igualmente, está legislativamente autorizada a atenuação de exigências da fase preparatória para determinadas aquisições e contratações.

Foquemos na dispensa de licitação, disciplinada especialmente pelo art. 5º da MP 1221. Para a sua aplicação em aquisição de bens e contratação de obras e serviços, são prefixadas quatro condições: (i) a comprovação do efetivo estado de calamidade pública; (ii) a necessidade de pronto atendimento; (iii) a situação de “risco iminente e gravoso à segurança de pessoas, de obras, de prestação de serviços, de equipamentos e de outros bens, públicos ou particulares” e (iv) a “limitação da contratação à parcela necessária ao atendimento da situação de calamidade”. Nesse ponto crucial, a MP não inova.

Afinal, o art. 75 (“É dispensável a licitação:”), inc. VIII, da Lei 14.133/2021 (a Lei Geral de Licitações), preceitua que “nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a continuidade dos serviços públicos ou a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para aquisição dos bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 1 (um) ano, contado da data de ocorrência da emergência ou da calamidade, vedadas a prorrogação dos respectivos contratos e a recontratação de empresa já contratada com base no disposto neste inciso”. A bem da verdade, e salvo alguns nuances, o art. 5º da MP 1221 é supérfluo.

Qual a vantagem, então, advinda dessa legislação extraordinária, a ser submetida em regime de urgência ao Congresso Nacional? Existem várias, na verdade. A primeira está em reconhecer a necessidade de legislação especial e extraordinária para lidar com a calamidade pública que atualmente agride o Rio Grande do Sul. A segunda está em flexibilizar procedimentos e prazos: a MP confirma a viabilidade dessa ordem de ações em situações de calamidade. A terceira, e mais importante, está em abrir o debate ao Poder Legislativo sob rito veloz e diferenciado, a fim de que o legislador contribua com o aperfeiçoamento da MP, transformando-a numa lei que reflita com maior precisão os atuais desafios do Rio Grande do Sul.

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